terça-feira, 30 de novembro de 2010

Abrir caminho para o etanol

29/11/2010 - 04h11


Por Redação Agência Fapesp

Agência FAPESP – “A biomassa é, de longe, a mais viável fonte sustentável de combustíveis líquidos que, por sua vez, continuarão a ser necessários por muito tempo, se não indefinidamente.” A afirmação é de uma carta publicada na edição atual da revista Science, de autoria de Lee Lynd, professor da Thayer School of Engineering do Dartmouth College, e de Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP e professor titular da Universidade Estadual de Campinas.

O texto é uma resposta a reportagem publicada pela mesma revista em sua edição de 13 de agosto, em seção especial sobre energias alternativas. De autoria do jornalista Robert Service, a reportagem identifica fatores que contribuiriam para a eventual queda do entusiasmo nos Estados Unidos com relação ao etanol celulósico e observa que decisões políticas adotadas este ano poderão moldar a nascente indústria de biocombustíveis no país por décadas.

“O principal plano do governo dos Estados Unidos para reduzir sua dependência do petróleo com a produção comercial do etanol celulósico corre grande perigo, o que ressalta as complexas forças técnicas, econômicas e políticas que se contrapõem aos esforços globais para criar alternativas viáveis aos combustíveis fósseis”, disse Service.

Para Brito Cruz e Lynd, é importante que seja feita a distinção entre “o fundamental e o efêmero” e que as políticas tenham como base o que realmente importa, não circunstâncias momentâneas.

O primeiro ponto, segundo eles, é que combustíveis líquidos continuarão muito requisitados, mesmo em cenário de adoção em massa de alternativas como a eletricidade, por exemplo.

“As baterias são completamente impraticáveis para a aviação ou para o transporte rodoviário pesado. Mesmo no cenário mais agressivo de eletrificação de veículos leves, os combustíveis líquidos continuarão responsáveis por mais de 50% da energia empregada em transportes nos Estados Unidos”, disseram.

De acordo com os cientistas, chegar a um setor de transportes sustentável é muito mais viável com os biocombustíveis do que sem eles. E virar as costas para os biocombustíveis envolve riscos substanciais.

“O mais importante dos próximos passos na área dos biocombustíveis é a produção comercial de etanol a partir de matéria-prima celulósica. A alternativa de converter fontes de açúcares facilmente fermentáveis (principalmente a partir do milho e da cana-de-açúcar) para alimentar outras moléculas além do etanol pode permitir a manutenção da infraestrutura atual, mas contribuiria pouco para nossos maiores objetivos: criar uma fonte de energia sustentável, reduzir as emissões de gases estufa, garantir a segurança energética e promover o desenvolvimento econômico das regiões rurais”, disseram.

Segundo Lynd e Brito Cruz, o etanol muito provavelmente será o primeiro biocombustível celulósico do mundo, porque é inviável tanto comercializar novas tecnologias para converter a lignocelulose em açúcares como para converter açúcares em combustíveis.

“Desafios de infraestrutura associados com a distribuição e utilização de etanol são facilmente solucionáveis, como mostra a experiência brasileira, e decididamente menores do que os desafios associados com outras alternativas ao petróleo, como baterias ou o hidrogênio”, destacaram.

De acordo com os cientistas, a maioria dos fatores mencionados na reportagem em questão é específica para os Estados Unidos, não se aplicando para o Brasil (onde a produção de etanol é maior do que o uso de gasolina) ou o resto do mundo.

“A comunidade internacional deve tomar muito cuidado para não tomar conclusões negativas a partir dos problemas vividos pelos Estados Unidos, particularmente diante da importância do assunto em questão”, afirmaram.

A carta Make Way for Ethanol (doi: 10.1126/science.330.6008.1176-a), de Lee R. Lynd e Carlos Henrique de Brito Cruz, pode ser lida em www.sciencemag.org/content/330/6008/1176.1.full.

(Envolverde/Agência Fapesp)

A guerra termina em samba


30/11/2010 - 12h11


Por Luciano Martins Costa, do Observatório da Imprensa


Inevitável. A cobertura da invasão do conjunto de favelas no Rio de Janeiro onde supostamente se escondiam os chefões do tráfico se transformou em uma guerra particular da imprensa contra os fatos.

O anunciado confronto não aconteceu. Assustados com o aparado de guerra montado pelo governo, os criminosos fugiram para o labirinto chamado de Complexo do Alemão e acabaram se entregando ou fugiram, após uma reunião com ativistas de uma organização não governamental especializada em negociação.

As revistas semanais de informação ficaram no meio do caminho. Na sexta-feira, quando suas edições saíam às ruas, as tropas oficiais ainda se posicionavam para cercar as centenas de bandidos que haviam fugido do ataque à favela de Vila Cruzeiro. O tom das reportagens ainda apostava na possibilidade de uma batalha sangrenta, embora as autoridades tivessem dado claros sinais de que estavam dispostas e sitiar o local por muito tempo, para evitar o derramamento de sangue e a morte de civis inocentes.

Epílogo frustrante


A revista Veja enxergou "tintas de Armagedon" naquilo que chamou de "batalha do bem contra o mal". Mas o apocalipse simplesmente não aconteceu e o poderoso negócio do narcotráfico perdeu apenas uma batalha.

Os repórteres reproduziam a expectativa de militares e agentes policiais, muitos dos quais ansiavam pela oportunidade de produzir um "extermínio" de traficantes. Calculava-se em mais de 1.500 os criminosos escondidos no Complexo do Alemão, muitos deles equipados com armas poderosas. Mas as autoridades, que têm a responsabilidade política pela ação policial estavam preocupadas em evitar derramamento de sangue e reduzir o risco de morte de civis inocentes.

A imprensa amanheceu na segunda-feira (29/11) celebrando uma vitória que ainda não houve. Foram apenas vinte os presos, a maioria jovens encarregados de funções menos importantes nas organizações criminosas. Nenhum sinal dos chamados chefões e, mesmo estes, são, quando muito, apenas gerentes de pontos de venda de droga.

As toneladas de maconha apreendidas fazem parte da encenação de um epílogo frustrante. Mas o noticiário dá a impressão de que tudo está resolvido.

Apenas figurantes

O tom da imprensa é triunfal. O Globo esquece o manual de redação e sai com cara de panfleto. "A senhora liberdade abre as asas sobre nós", diz a manchete do caderno especial sobre a operação de guerra, usando versos do samba de Nei Lopes e Wilson Moreira que já havia embalado o movimento pela volta das eleições diretas há vinte anos.

O jornal carioca chama de "libertação histórica" a fuga dos criminosos que havia décadas dominavam aquelas comunidades. Mas aquilo que foi descrito como uma vitória fulminante do Estado contra o governo paralelo do crime ainda não oferece garantias de que o problema está solucionado.

Na manhã de segunda-feira (29), o noticiário online dava informações sobre planos de ocupação também das favelas da Rocinha e do Vidigal, duas imensas áreas, na zona Sul do Rio, onde os traficantes ainda agiam à vontade no fim de semana. Ali a polícia vai enfrentar mais do que criminosos armados. Vai combater também a associação do narcotráfico com clientes influentes, entre os quais certamente há jornalistas e outras celebridades.

Diferentemente do que diz a imprensa, não se trata de uma operação para aniquilar o narcotráfico. Trata-se de uma guerra para a retomada de territórios e, assim, assegurar o bom andamento dos preparativos para a Copa do Mundo de 2014. O que não é pouco.

Os benefícios para os moradores das comunidades pobres dominadas por bandos de criminosos são inegáveis, mas é preciso observar que a questão do tráfico de drogas é muito mais complexa. Ao se concentrar na cobertura do ambiente de guerra, a imprensa deixa de lado o ambiente de negócios da droga, por exemplo.

Apenas vinte presos, e entre eles nenhum personagem importante, é um balanço pífio demais para tanto aparato militar. Os jornais deveriam estar questionando onde foram parar os chefões que supostamente se escondiam no Complexo do Alemão.

Mais do que isso, já é mais do que tempo de a imprensa investigar onde estão os acionistas do tráfico, os financiadores que não aparecem no noticiário policial.

"O Rio mostrou que é possível", diz a mancherte principal do Globo. Os fatos ainda precisam demonstrar que o Rio quer realmente acabar com o narcotráfico.

IMAGEM
Crédito:
 Pena Cabreira



(Envolverde/Observatório da Imprensa)

Destruição dos rios: ameaça é crescente

30/11/2010 - 04h11


Por Lúcio Flávio Pinto

Desde as primeiras letras aprendemos que a bacia do rio Amazonas é a maior do mundo.  Ninguém nunca duvidou que ele era o mais caudaloso do planeta, mas se questionava essa primazia quanto ao seu comprimento.  Hoje a controvérsia está esclarecida: com 6.937 quilômetros de extensão, o Amazonas supera em 140 quilômetros o Nilo, que perdeu essa liderança multissecular.

Qualquer número em relação ao “rio-mar” (ou o “mar doce” dos espanhóis, os primeiros europeus a navegá-lo) é grandioso.  Ele lança, em média, 170 milhões de litros de água por segundo no Oceano Atlântico.  Suas águas barrentas podem avançar 100 quilômetros além da barreira de águas salgadas e projetar seus sedimentos em suspensão no rumo norte, até o litoral da Flórida, nos Estados Unidos.  São milhões de toneladas de nutrientes, arrastados desde a cordilheira dos Andes, onde nasce o grande rio, e engrossados por seus afluentes, que também se posicionam entre os maiores cursos d’água que existem.

Essas grandezas têm servido de inspiração para o ufanismo nacional, mas não para tratar melhor os nossos gigantes aquáticos.  Nenhum brasileiro -ou mesmo o nativo- dá ao Amazonas a importância que os egípcios conferem ao Nilo.  O Egito não existiria sem a faina incansável do seu grande rio, a fertilizar suas margens, cercadas por desertos hostis, e civilizar o país.  Por isso, é considerado sagrado.

Os brasileiros parecem acreditar que, por ser monumental, abrangendo 7 milhões de quilômetros quadrados do continente sul-americano (quase dois terços em território brasileiro), a bacia amazônica foi blindada pela mãe natureza contra as hostilidades do homem.  Já está na hora de se pôr fim a essa ilusão, acabando com a insensibilidade geral, que se alimenta do desconhecimento e da desinformação.  O Amazonas está sob ameaça.

Não uma, mas várias.  Um dos capítulos mais recentes está sendo travado diante da maior cidade da Amazônia, Manaus, a capital do Estado do Amazonas, com seus 1,7 milhão de habitantes (2 milhões com as duas cidades vizinhas).  No dia 5, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) decretou o tombamento do encontro das águas do Amazonas com o Negro, um dos seus principais tributários da margem esquerda.

O desavisado pode até achar que o ato é de significado museológico, para efeito acadêmico.  O processo do tombamento, porém, se arrastou durante dois anos.  Deveria ser simples: a área de 30 quilômetros quadrados, o polígono de terra e água onde ocorre a junção dos dois enormes rios, é cenário para o maior de todos se encontrar com o maior rio de águas negras do mundo.  Na margem direita, o barrento Solimões pressiona o rio ao lado, que ganhou seu nome pela inusitada cor das suas águas, num entrevero que pode se estender por 10 quilômetros lineares nas duas direções.

É um encontro ciclópico.  A vazão do Solimões nesse ponto (onde justamente muda pela última vez de nome, passando a ser Amazonas) é de 135 milhões de litros de água por segundo.  A do Negro, que chega ao fim do seu percurso de 1.700 quilômetros, a partir da Venezuela, é de 50 milhões de litros.  Encorpado, o Amazonas segue em frente até a foz, dois mil quilômetros abaixo.  Não sem antes oferecer o espetáculo das duas cores líquidas em paralelo ou em fusão tumultuada, para a admiração ou o espanto de uma crescente legião de turistas.

O problema é que no ponto de encontro dos rios está Manaus, com 60% da população e 90% da riqueza de todo Estado do Amazonas, o maior do Brasil, com 20% do território nacional.  Desde quase meio século atrás, Manaus deixou de ser o produto do Amazonas para ser o efeito da Zona Franca, um entreposto comercial e um núcleo industrial que só se tornaram possíveis pela renúncia da União a recolher o imposto sobre a importação das empresas instaladas na remota paragem.

Hoje, Manaus é a origem do maior fluxo de contêineres do país.  Motocicletas, computadores, geladeiras e muitos outros produtos são mandados para o sul do país, principalmente São Paulo, e espalhados para outros destinos.  O velho porto flutuante, que os ingleses construíram no início do século XX para atender a exportação de borracha (que chegou a ser responsável por 40% do comércio exterior brasileiro), não serve para essa demanda nova.

A pressão é tão forte que alguns terminais privados, legais ou não, surgiram na orla da cidade.  O maior deles, o Porto Chibatão, foi parcialmente arrastado, no mês passado, pelas águas do Negro, a apenas três quilômetros do seu encontro com o Amazonas, com mortes e a perda de diversos contêineres.  Qualquer ribeirinho sabia que o local era contra-indicado para o fluxo de carga que o precário terminal movimentava.

Um novo, muito maior e mais adequado, está sendo projetado para uma área de 100 mil metros quadrados, na qual poderão ser estocados 250 mil contêineres.  Antes desse mega-terminal, porém, uma subsidiária da mineradora Vale (o nome privatizado da Companhia Vale do Rio Doce, quando estatal) começou a construir seu próprio porto, com investimento de 220 milhões de reais.  Nele deverá operar seu novo navio cargueiro, com capacidade para 1.500 contêineres, e outros cinco já encomendados, por algo como meio bilhão de reais, multiplicando sua capacidade de transporte.

Esses números pareciam muito mais importantes do que a localização do porto, na província paleontológica das Lages, próximo de uma tomada de água para 300 mil habitantes da cidade e de um lago, o último do rio Negro, importante para milhares de moradores de um bairro que se formou em torno dele.

O processo que levou ao desmoronamento do Porto Chibatão seguiria sua lógica malsã se não tivesse surgido a iniciativa de tombar o encontro das águas.  Ninguém se aventura a dizer-se contra o tombamento, mas ele provocou uma batalha judicial que chegou a Brasília, com vitórias e derrotas, protelações e pressões, até que, no dia 5, finalmente o Iphan assumiu a tutela sobre o encontro das águas.

Qualquer novo projeto que a partir de agora se fixe na área do polígono terá de ser submetido ao instituto, além de obter a licença ambiental.  Certamente haverá quem se indigne com o fato: o raciocínio automático é de que a razão (ou anti-razão) econômica prevaleça sobre qualquer outro tipo de consideração - e sempre com vantagens para o investidor.

A decisão do Iphan, que ainda vai sofrer questionamento judicial, não bloqueia a evolução dos empreendimentos produtivos na região, mas talvez ajude o país a se dar conta de que destruindo os recursos naturais, em especial aqueles que representam uma grandeza única, é a Amazônia que estão destruindo.  Substituem a galinha dos ovos de ouro por um cavalo de Tróia.  Na mitologia ou na realidade, sabemos qual será o desfecho.

(Envolverde/Adital)