segunda-feira, 2 de junho de 2025

Defesa de liberdade de expressão por Musk, Bolsonaro e Trump era estelionato, Celso Rocha de Barros, FSP

 A liberdade de expressão está sob ataque nos Estados Unidos. Trump está destruindo a autonomia universitária, prendendo estudantes por suas opiniões políticas e ameaçando recusar visto de entrada no país para quem criticar seu governo em redes sociais.

A culpa dessa ofensiva autoritária é de quem ficou do lado dos Elon Musks desse mundo, contra os Alexandres de Moraes desse mundo, dizendo que defendia a liberdade de expressão.

Se você fez escândalo quando as contas golpistas em redes sociais foram suspensas em 2022, lamento, foi você quem prendeu os jovens estudantes americanos pró-Palestina. Se você deu razão aos bolsonaristas contra Alexandre de Moraes, você declarou guerra a Harvard. Se você disse que Elon Musk tinha razão contra o STF brasileiro, ou se opôs aos "fact-checkers", você é pessoalmente responsável pelo estabelecimento de censura política na concessão de vistos americanos.

A imagem mostra uma reunião no Salão Oval da Casa Branca. Em primeiro plano, um homem de cabelo loiro e terno azul está falando, enquanto um outro homem, com cabelo escuro e usando um boné preto, observa ao fundo. As bandeiras dos Estados Unidos estão visíveis ao fundo, junto com cortinas amarelas.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao lado de Elon Musk, que anunciou a saída do Departamento de Eficiência Governamental, durante entrevista na Casa Branca, em Washington - Allison Robbert - 30.mai.25/AFP

Lá, como aqui, a questão sempre foi simples: há movimentos poderosos que buscam destruir a democracia. O bolsonarismo aqui, o trumpismo lá. Quando as instituições democráticas reagiram, você ficou do lado de quem?

Do ponto de vista prático, é só isso que interessa, filho. Você achar que agiu por princípio não importa, seu apego à performance "acima da polarização" não importa. Se você ficou com Jair, Musk ou Trump, você trabalhou pelo autoritarismo de Trump e por coisas infinitamente mais violentas que teriam acontecido no Brasil se o golpe de Bolsonaro tivesse sido bem-sucedido.

Você o fez brincando de jogar "liberdade de expressão" no modo "easy", como se jogava 30 anos atrás, antes da emergência de movimentos autoritários de massa com penetração institucional fortíssima e capacidade real de ameaçar a democracia.

Alguns anos atrás, participei de um debate sobre Alexandre de Moraes com Glenn Greenwald, colunista desta Folha. Como advogado, Greenwald, que é judeu, defendeu os direitos de um militante neonazista. A pergunta que Glenn nunca me respondeu é a seguinte: até que mês de 1933 ele ainda defenderia os direitos dos nazistas se estivesse em Berlim? E se os "stakes" não fossem só o risco de um idiota ofender gente no Twitter, mas o risco de vitória de um movimento poderoso que destruiria a democracia?

Vale conferir o que estão fazendo os críticos do STF diante da ofensiva liberticida trumpista.

Na semana passada o deputado Nikolas Ferreira deu seu apoio à censura trumpista contra alunos que querem estudar nas universidades americanas ("comunistinhas de meia-tigela"). Google e Meta, as "vítimas" da regulação, participaram do seminário de comunicação do Partido Liberal, a principal organização autoritária brasileira, e ouviram de Jair Bolsonaro que "estão do lado certo". O próprio governo Trump, culpado dos crimes listados no primeiro parágrafo, ameaça punir o STF brasileiro pela defesa da democracia. Musk fazia parte do governo Trump até a semana passada.

O exemplo americano mostra que a defesa da liberdade de expressão pela extrema direita de Musk, Bolsonaro e Trump era estelionato. Se você caiu nessa, fica a dica: da próxima vez que te chamarem para defender o direito de marchar, não custa nada abrir a janela e checar se os fascistas estão marchando sobre Roma.

Câmara e Senado mantêm cargos obsoletos com salários de até R$ 32 mil, FSP

 Luany Galdeano

Rio de Janeiro

Ao menos 224 servidores do Senado e da Câmara dos Deputados ocupam cargos obsoletos, como operador de máquinas e agente de encadernação, com salários de até R$ 32 mil –cifra similar ao que ganha um auditor da Receita Federal.

Do total de servidores em cargos obsoletos, 92% entraram no Legislativo há mais de 25 anos, em uma época em que concursos públicos com direito à estabilidade eram o padrão para ingressar no setor. Com isso, funções que hoje são de terceirizados ou temporários, como condutor de veículos, foram ocupadas por profissionais concursados.

Essas carreiras já entraram em processo de extinção e, portanto, os cargos vagos não terão novos servidores e serão encerrados ou redistribuídos para outras áreas.

Mas, enquanto isso não ocorre, esses profissionais permanecem atuando com direito à estabilidade. É o caso dos operadores de máquinas, carreira que entrou em processo de extinção em 2004 após resolução da Câmara, mas que ainda conta com 83 servidores –parte deles com salários de R$ 23 mil. Os dados são do portal da transparência da Câmara e do Senado.

A imagem mostra o Congresso Nacional do Brasil, localizado em Brasília. O edifício é composto por duas torres retangulares e duas cúpulas, uma cúpula convexa e outra côncava. O céu está nublado, e há uma estrada em primeiro plano com alguns carros. Ao fundo, é possível ver outros edifícios e uma antena.
Congresso Nacional, em Brasília; Câmara e Senado tem ao menos 221 servidores em cargos obsoletos - Pedro Ladeira/Folhapress

Em nota, a Câmara dos Deputados afirma que funcionários efetivos de cargos em extinção podem ser lotados em qualquer unidade administrativa e, por isso, não necessariamente desempenham atividades nominais da carreira.

Câmara diz ainda que na última resolução, de 2023, criou atribuições comuns a todos os cargos, incluindo elaboração de relatórios e exercício de atividades relacionadas à gestão de pessoas.

Já no Senado, há sete carreiras em processo de extinção, mas que ainda são ocupadas por servidores, incluindo técnico de edificações e auxiliar de processo industrial gráfico. No caso desta última, embora seja uma função de nível auxiliar, há profissionais com salários de R$ 25 mil.

Entre os cargos que serão extintos, há os de profissionais da saúde, incluindo técnico em radiologia e nutricionista, ambos com renda média de R$ 24 mil. O Senado afirma, em nota, que os cargos são extintos para dar maior eficiência à administração do órgão. Os servidores continuam exercendo as mesmas atribuições, segundo a instituição, e seus salários estão de acordo com o padrão da carreira.

"Cargos como radiologista ou nutricionista não precisam de uma estrutura no Estado e podem ser prestados de forma terceirizada ou contratada. Foram criados no passado, por necessidade da época, mas vão se perpetuando ao longo do tempo", afirma Bruno Carazza, professor associado da FDC (Fundação Dom Cabral).

O professor diz que a existência de carreiras ultrapassadas é um problema que existe em toda a administração pública, já que a estrutura de cargos no setor demora a se adaptar às mudanças tecnológicas.

No Executivo, por exemplo, pelo menos 10 mil servidores ocupam funções obsoletas, como datilógrafo e operador de telex, segundo dados do painel estatístico de pessoal do governo federal.

Mesmo em processo de extinção, esses servidores conseguem manter salários elevados e outros benefícios, ainda que não exerçam funções comissionadas.

"No Legislativo, o problema é equiparar atribuições que sejam muito diferentes entre si na mesma tabela remuneratória", afirma Vera Monteiro, professora de direito administrativo da FGV (Fundação Getulio Vargas) e conselheira da República.org, instituição voltada à gestão de pessoas no setor público.

No Senado, por exemplo, há ao menos um assistente de plenário e portaria, função de nível técnico em processo de extinção, com salário de R$ 32 mil. A cifra é igual ou superior ao que recebem policiais legislativos federais e técnicos em administração, ambas do mesmo nível.

Servidores do Legislativo têm uma média salarial elevada devido ao poder de articulação e a proximidade com tomadores de decisão, assim como ocorre no Judiciário e com a elite do Executivo, de acordo com Bruno Carazza, da FDC.

"Toda a tramitação dos projetos, questões orçamentárias e o próprio dia a dia [dos parlamentares] depende dessas carreiras, então elas conseguem barganhar uma estrutura salarial diferenciada."

Segundo Vera Monteiro, da FGV, flexibilizar as formas de contratação no setor público é uma forma de evitar a manutenção de carreiras que podem chegar a ser obsoletas. Adotar o regime celetista, por exemplo, permitiria dispensar profissionais em funções que já não estão de acordo com as demandas do governo.

"A gestão é pouco flexível, o que importa para o ônus relacionado à previdência pública e para a dificuldade da demissão no caso de atividades que não necessariamente demandam um vínculo permanente.

Um ciclo difícil de ler, Ana Paula Vescovi, FSP

 O Brasil iniciou 2025 com mais um sinal de que o crescimento deve surpreender analistas e o próprio Banco Central. O desafio, porém, é manter essa trajetória. No primeiro trimestre, o PIB (Produto Interno Bruto) avançou 1,4% em relação ao trimestre anterior, o melhor desempenho desde o início de 2023. O viés de crescimento para o ano tornou-se claramente altista, situando-se entre 2% e 2,5%.

O destaque ficou por conta da safra recorde, que impulsionou o PIB agropecuário em impressionantes 12,2%, do investimento (3,1%) e do consumo das famílias, que avançou 1%, sustentado pela melhora consistente do mercado de trabalho e pelo aumento da renda real.

Apesar do cenário favorável, esperamos arrefecimento na segunda metade do ano. Os efeitos acumulados do choque de juros desde setembro de 2024 —4,25 pontos percentuais de aumento na taxa Selic— e o patamar historicamente elevado da taxa real de juros tendem a reduzir o ritmo de investimentos e contratações, arrefecendo o setor de serviços e a indústria.

Do outro lado, a política fiscal segue expansionista. Em maio, houve o pagamento retroativo dos aumentos concedidos aos servidores públicos; em julho e agosto, estão previstos quase R$ 100 bilhões em precatórios, e há os programas sociais que seguem em execução. Os estados, com caixas robustos, aceleram a realização de obras, mirando a conclusão de mandatos e as eleições de 2026. E, no início do próximo ano, deve haver aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000.

crédito, no entanto, continua sendo o principal termômetro do ciclo econômico. E havia, até recentemente, sinais de desaceleração gradual ao longo do ano. No primeiro trimestre de 2025, o volume de novas concessões e os saldos em aberto desaceleraram de forma significativa, tanto para pessoas físicas quanto jurídicas.

Além do impacto da política monetária —o crédito é seu principal canal de transmissão—, uma mudança regulatória no início do ano contribuiu para essa tendência. A adoção de padrões internacionais, por meio de novas regras do Banco Central, exigiu mais provisões e reclassificações de ativos problemáticos e reduziu o apetite ao risco dos bancos. Também houve ruídos no crédito consignado do INSS, que frearam concessões.

A imagem mostra um grupo de pessoas em um ambiente com pouca luz. Um homem em destaque, com cabelo escuro e liso, está olhando para o lado. Ele usa um paletó escuro e uma camisa clara. À sua esquerda, um homem sorridente com cabelo curto e barba está parcialmente visível. À direita, uma mulher com cabelo solto e óculos também está presente, mas seu rosto não está totalmente iluminado. O fundo é desfocado, sugerindo um ambiente de evento ou reunião.
O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo - Pedro Ladeira - 27.mai.25/Folhapress

Paralelamente, o endividamento das famílias voltou a crescer (77,6% da renda disponível), após as renegociações promovidas pelo programa Desenrola, aumentando os riscos de inadimplência.

Mas os surpreendentes dados de abril no mercado de trabalho, aliados aos impulsos fiscais e parafiscais já mencionados, exigem uma reavaliação desse cenário.

Em abril, o mercado de trabalho voltou a surpreender: a taxa de desemprego caiu para 6,1% (ajustada sazonalmente), um novo mínimo histórico, enquanto a taxa de formalização atingiu um recorde de 62%. A renda agregada acelerou, passando de 10% no último trimestre de 2024 para 13% no período de fevereiro a abril.

Com essa robustez, o crédito também voltou a acelerar em abril, contrariando nossas expectativas. O crédito às pessoas físicas cresceu, impulsionado pelas mudanças no crédito consignado privado (com crescimento de 226,5% nas novas concessões, em relação ao ano anterior). Também houve aumento nas concessões para pessoas jurídicas, especialmente em antecipações de recebíveis.

Como reflexo do dinamismo nas concessões, o crescimento dos saldos de crédito voltou a ganhar fôlego em abril —movimento surpreendente em um ambiente de juros elevados, de aumento das taxas de inadimplência e de elevação das provisões bancárias. Esses fatores, em tese, deveriam conter a expansão do crédito agregado.

Novos desafios surgem nessa leitura. A recente elevação do IOF sobre operações de crédito, especialmente para empresas, representa mais um risco para uma possível desaceleração. Além disso, permanecem os efeitos defasados da política monetária.

Não será trivial decifrar as resultantes de todos esses sinais mistos, advindos tanto da política monetária quanto de políticas governamentais. Mas o maior desafio de comunicação recairá sobre o Banco Central.

A mais recente decisão do Copom (Comitê de Política Monetária), ao reduzir o ritmo de corte de juros e manter em aberto os próximos passos, enfatizou o cenário externo, marcado por elevada incerteza e riscos de desaceleração global. A desinflação de bens —favorecida pela queda das commodities e pela fraqueza do dólar— ajudou a reduzir as pressões inflacionárias deste ano e deve moderar a inércia para 2026. Mas esse processo pode ter perdido força ou ser bem mais limitado daqui para a frente.

Tecnicamente, os componentes do crescimento atual ainda indicam uma economia sobreaquecida, com pressões crescentes sobre o cenário e sobre as expectativas de inflação. Há um descompasso entre os modelos de projeção do Banco Central, as estimativas do mercado e as taxas implícitas de inflação na curva de juros.

Os próximos passos do Copom prometem marcar um dilema importante: entre o reforço da credibilidade —essencial para reancorar expectativas e aumentar a eficácia da política monetária— e a interpretação de um cenário repleto de ambivalências.