quarta-feira, 5 de março de 2025

Ruy Castro - A mentira como verdade, Ruy Castro FSP (definitivo)

 O principal canal de Donald Trump para disseminar mentiras chama-se Truth Social —Confederação da Verdade ou algo assim. É a rede social fundada por ele em 2021, destinada a disparar textos, posts e arquivos para os lorpas americanos. Mas, se a extrema-direita acha que essa tática de fazer da mentira a verdade é de sua invenção, engana-se. Foi usada com grande sucesso pela União Soviética de 1917 a 1991, através de seu jornal oficial, Pravda, editado pelo Partido Comunista com a função de encobrir os crimes do Estado. Pravda, em português, quer dizer verdade.

Em "1984", romance de George Orwell, a mentira era também a especialidade do Ministério da Verdade, órgão dedicado a "corrigir" periodicamente a história, falsificando informações e convertendo antigos heróis em inimigos do regime. Seu slogan era "Quem controla o passado controla o futuro. Quem controla o presente controla o passado". Seu modelo era o mesmo Pravda, que apagava das fotos os velhos revolucionários que tinham se voltado contra Stálin.

Reprodução da capa do jornal Pravda, que circulou na extinta União Soviética - Alekseev/Reprodução/Wikimedia

Outra tática dos comunistas era inverter o sentido de certas palavras. Os países-satélites da URSS no Leste Europeu, tristes ditaduras subjugadas a Moscou, eram chamados de repúblicas "populares" ou "democráticas". O povo a que elas se referiam era o Comitê Central do Partido Comunista local, que supostamente o representava. Da mesma forma, na Alemanha, o nazismo era uma abreviatura de "nacional-socialismo". Não tinha nada de socialista, mas a palavra ajudou-o a consolidar-se.

Corromper palavras é típico dos autoritários de qualquer cor política. Bolsonaro e seus esbirros, adeptos da ditadura militar que asfixiou o Brasil por 21 anos, têm o cinismo de gritar por "liberdade de expressão" —liberdade que querem usar justamente para suprimi-la se voltarem ao poder. É o mesmo cinismo com que dizem "o Brasil acima de tudo" enquanto municiam Trump para afrontar a soberania brasileira.

O perigo não está só na mentira, mas, pior ainda, na mentira como verdade.

Rubens Paiva continua aqui, Elio Gaspari, FSP

 Os oficiais que em janeiro de 1971 prenderam, espancaram e mataram Rubens Paiva podiam tudo.

Tanto podiam que empulharam o país por décadas, impingindo-lhe uma patranha segundo a qual ele havia sido resgatado por parceiros. Perderam. Nos últimos minutos de domingo, "Ainda Estou Aqui" levou o Oscar de melhor filme internacional.

Perderam para a memória de Eunice Paiva, sua viúva, para o livro escrito por seu filho Marcelo, para a arte de Walter Salles, para Fernanda Torres e a equipe do filme. Perderam para a memória dos povos, num momento em que o Brasil se uniu numa torcida semelhante à das vitórias da seleção brasileira de futebol. Podiam tudo e perderam.

Homem branco de bigode curto sorri enquanto olha para trás. Ele veste uma camisa branca e tem chapéu na cabeça
O ex-deputado federal Rubens Paiva, morto em 1971 por militares durante a ditadura - Arquivo Pessoal

Rubens Paiva estava na cerimônia do Oscar, num momento em que os Estados Unidos vivem um mau momento, mas a memória dos povos prevalece, muitas vezes com a arte. Nessa hora, vale lembrar o comportamento de dois diplomatas americanos naqueles dias: John Mowinckel e Richard Bloomfield, ambos lotados na embaixada, no Rio.

Mowinckel era expansivo e tinha um passado incrível. Em 1944, desembarcou na Normandia e, em junho, num jipe com o escritor Ernest Hemingway, entrou em Paris. Horas depois, ele libertou o hotel Crillon, e o outro tomou o bar do Ritz. No Rio, Mowinckel era figura fácil em boas festas e servia consomê gelado com uísque na sua barraca na praia de Ipanema, em frente ao Country Club.

Bloomfield, calvo e reservado, cuidava dos assuntos econômicos da embaixada.

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Uma das filhas de Rubens Paiva telefonou-lhe, contando que o pai havia sido preso. Em 2005, ele recordaria sua reação: "Eu respondi que era um diplomata e não podia fazer nada. Até hoje lembro a decepção dela. Eu não podia fazer outra coisa".

Mas fez. No dia seguinte procurou o chefe da estação da CIA no Rio e contou-lhe o caso. "É tarde", ouviu.

A CIA sabia que Rubens Paiva estava morto. No dia 8 de fevereiro, quando o Exército sustentava que Rubens Paiva havia fugido, ele encontrou-se com Eunice Paiva e relatou a conversa num memorando ao embaixador William Rountree.

Três dias depois do encontro de Bloomfield com Eunice, Mowinckel escreveu a Rountree, dizendo que "algo deve ser feito para punir ao menos alguns desses responsáveis –punir por julgamento público".

Pelo lado americano, depois da eleição de Jimmy Carter, em 1976, o jogo virou.

Pelo lado brasileiro, até hoje, nada, salvo o constrangimento imposto ao general reformado José Antonio Belham.

Como major, ele comandava o DOI do Rio, onde Rubens Paiva foi assassinado. Há uma semana, militantes do Levante Popular da Juventude foram para a porta de sua casa com a palavra de ordem "Ainda Estamos Aqui."

Bloomfield e Mowinckel nada podiam fazer porque Rubens Paiva estava morto e também porque a embaixada americana tinha relações fraternais com a tigrada, valendo-se do seu braço militar.

Tão fraternais que, em dezembro de 1971, ao visitar os Estados Unidos, o presidente Emílio Médici fez um único pedido ao seu colega Richard Nixon: a promoção a general do adido militar, coronel Arthur Moura, um americano de ascendentes açorianos. Foi atendido.

Com Walter Salles empunhando o Oscar, ouve-se Guimarães Rosa: "As pessoas não morrem, ficam encantadas (...) O mundo é mágico".

EUA, China, Canadá e México entram de vez em guerra tarifária, The News

 

O flerte se tornou realidade. Após especulações, Donald Trump voltou a acionar sua estratégia protecionista e impôs novas tarifas sobre produtos importados do Canadá, México e China.

  • Os EUA aplicaram uma tarifa de 25% sobre importações dos dois países vizinhos, o que pode equivaler a um aumento total de impostos sobre o público dos EUA de algo entre US$ 120 bilhões e US$ 225 bilhões por ano.

  • Já com relação ao país asiático, o governo americano também aumentou as tarifas sobre produtos chineses em 10%, elevando algumas taxas para 20%.

🗝️ The key of the matter. A decisão de taxar aliados se baseia, principalmente, na política do “American First”, além de pressionar os governos locais a reforçar suas políticas de segurança e combate ao tráfico, principalmente em relação ao fentanil.

Contextualizando… O fentanil, 50x mais potente que a heroína, é um dos principais responsáveis pela crise de overdoses nos EUA. Washington culpa os países vizinhos pelo tráfico e acusa Pequim de permitir a exportação de insumos para sua fabricação.

A reação veio de forma imediata

É claro que os três países atingidos não iam deixar barato. No mesmo dia, eles já retaliaram o governo americano:

🇨🇦 Canadá: Anunciou tarifas de 25% sobre US$ 107 bilhões em produtos americanos, afetando setores como siderurgia e agronegócio.

🇨🇳 China: Impôs novas tarifas de 10% a 15% sobre produtos agropecuários dos EUA, incluindo milho, soja e carne bovina, atingindo exportações no valor de US$ 21 bilhões.

🇲🇽 México: Prometeu "respostas proporcionais" e estuda sobretaxar bens de consumo e automóveis americanos. A presidente Claudia Sheinbaum destacou que "os EUA estão punindo um aliado".

Impacto no mercado 📉

As novas tarifas afetaram o mercado financeiro global, como se pode ver nesse vídeo a queda das ações da Bola de Valores americana enquanto Donald Trump discursa sobre a aplicação das tarifas.

Os principais índices de Wall Street tiveram quedas acentuadas:

  • S&P 500: queda de 1,75%, o maior recuo do ano;

  • Nasdaq: queda de 2,64%, puxado pela queda de 8,7% da Nvidia (US$ 250 bi em valor de mercado) com medo de restrições chinesas afetarem a demanda por chips;

  • Rendimento dos títulos do Tesouro norte-americano de 10 anos caiu para o menor nível desde outubro;

  • Bitcoin: queda e ficou abaixo de US$ 84 mil;

  • Dólar: Se fortaleceu frente ao peso mexicano e ao dólar canadense, mas caiu contra o euro e o iene.

Para os americanos, o impacto pode ser significativo, encarecendo produtos como eletrodomésticos, veículos e alimentos.

⚠️ Sinal de alerta: Além da alta nos preços, parte do mercado já faz a leitura que a economia dos EUA pode desacelerar, com o FED de Atlanta projetando a queda do PIB do 1° trimestre de 2025 de +3,9% para -2,8%.

O que isso significa para o comércio global?

O aumento das tensões comerciais marca um novo capítulo na disputa econômica entre as potências mundiais. E esse jogo parece ter mudado muito do final do século XX para cá.

Com os Estados Unidos “se isolando” de alguns aliados, a China ganha força — e campo — para negociar com novos parceiros ao redor do mundo. O Xi Jinping agradece. risos.