terça-feira, 4 de março de 2025

Deixar os pais na casa de repouso é um 'direito do cidadão' que quer ser feliz, Luiz Felipe Ponde, FSP

 Acho a autoajuda e o politicamente correto duas formas de mau-caratismo. Minha crítica máxima aos dois nasce da minha certeza (tenho poucas) de que o sofrimento é fonte inexorável do amadurecimento, coisa rara em épocas retardadas como a nossa. O projeto contemporâneo é chegar aos 60 anos com cabeça de 15. Logo, retardo mental como projeto de vida. Uma conquista contra a inteligência.

Um dos temas prediletos do mau-caratismo é a chamada "terceira idade". Um mercado, claro, devido à longevidade da espécie nos últimos anos. Já se tratou a velhice como "melhor idade" também. Uma ofensa à experiência humana real.

A longevidade estendida é um dos casos mais claros da famosa ambivalência descrita por Zygmunt Bauman (1925-2017). Um bem evidente por um lado, um drama humano gigantesco por outro, sem solução, como toda ambivalência que se preze. O mais sábio dos meus amigos costuma dizer que uma das versões do inferno no futuro será a impossibilidade de morrer. Você vai querer morrer e não conseguirá.

Sem fazer referência necessariamente a toda gama de pessoas que vegetam por aí em leitos aparelhados com tecnologia de "primeira linha" para a humanidade vegetativa, a longevidade puramente fisiológica, muitas vezes acompanhada pela perda de funções cognitivas essenciais, atormentará o humano daqui para a frente.

A maravilhosa peça "O Pai", de Florian Zeller, com direção de Léo Stefanini, cujo elenco é encabeçado por Fulvio Stefanini (brilhante como o pai da peça, vencedor do Prêmio Shell de melhor ator em 2016), em cartaz no teatro Fernando Torres, em São Paulo, é essencial para pensarmos o tema da longevidade para além do marketing da longevidade.

Este é caracterizado por um discurso, como (quase) sempre no marketing, de facilitação da realidade em nome de um otimismo besta.

O impacto dos avanços tecnológicos, científicos e médicos criaram uma sobrevida na espécie humana jamais imaginada. Vivemos mais, mas somos cada vez mais solitários. Muito metabolismo para uma alma cada vez mais dissociada de si mesma. A peça tem, entre outras qualidades, a capacidade de levar você para dentro dessa alma idosa longeva e solitária, graças ao texto, às interpretações e à direção.

A solidão é uma epidemia contemporânea, em meio ao maior surto de histeria já enfrentado pela humanidade. Solidão e histeria, juntas, formam uma mistura explosiva em termos epidemiológicos.

Os avanços sociais e políticos, passo a passo com os avanços técnicos citados acima, produzem uma sociabilidade cada vez mais egoísta —o egoísmo é a grande revolução moral moderna. As pessoas emancipadas tendem ao egoísmo como forma de autonomia.

Inteligentinhos não entendem isso muito bem porque são as maiores vítimas do marketing de comportamento que se pode imaginar. Emancipados pensam em si mesmos, antes de tudo, como consumidores do direito ao egoísmo.

Sempre soubemos que os idosos sofrem na mão dos filhos homens e de suas mulheres, que quase nunca suportam seus sogros, que insistem em ficar vivos. As filhas, que quase sempre suportaram o ônus da lida com os pais, agora se libertam e também querem vida própria (claro que existem exceções ao descrito acima, que filhos, filhas, genros e noras ofendidinhos não fiquem nervosos em demasia).

As filhas também têm o direito de cuidar de si mesmas, é evidente. Deixar os pais na casa de repouso é um "direito de todo cidadão" que quer ser feliz sem ter que viver cuidando de pais que nunca morrem. Por isso que o mercado gerontológico só cresce.

Além disso, a crescente queda na natalidade, que caracteriza os mesmos países de crescente população longeva, só tende a agravar o quadro. Baixa natalidade e alta longevidade são ambas frutos da mesma riqueza instalada na sociedade: alta tecnologia e direitos sociais são manifestações diretas dessa riqueza. Filhos únicos serão idosos longevos solitários, dependentes de serviços que ocupam o vazio deixado pelas famílias.

Qual a solução pra isso? Não há. Um mundo de velhos solitários é o futuro de um mundo de ricos autônomos e amedrontados. 

A empatia deve servir como caminho para o civismo autêntico, Estadão por Gregory Rodríguez (2011)

 LOS ANGELES TIMESA política está tornando os americanos estúpidos e mesquinhos. Está transformando um povo generoso e aberto em uma gente enfadonha, obtusa, superficial, na defensiva. Especialistas dizem que a melhor resposta a essa situação desagradável - que envolve desde comentários repugnantes em quadros de avisos até mentiras de políticos que se distinguem pelo fisiologismo - é atrair mais pessoas engajadas nos movimentos cívicos. Segundo essa lógica, a moderação das multidões deve abrandar o fanatismo dos radicais. Mas eu não acredito nisso. A solução para o espírito corrosivo da política americana não é mais a política. Há poucas semanas, participei de uma reunião coordenada por Eric Liu, ex-assessor de política interna de Bill Clinton na Casa Branca. Um pequeno grupo discutiu como "reviver e reinventar o civismo" nos EUA. Nossas intenções eram boas, mas, horas depois, ainda não tínhamos chegado a um acordo sobre a definição - ou sobre o propósito definitivo - do civismo. Para alguns, ele se resumia simplesmente em ensinar como o governo deve funcionar. Para outros, dizia respeito apenas à civilidade. E, para um terceiro grupo, no qual me incluí, era algo mais significativo e exigente. Kristen Cambell, do Conselho Nacional de Cidadania, uma organização sem fins lucrativos para a promoção do compromisso cívico, também participava do último grupo. "O compromisso cívico busca captar e explorar a empatia. Essencialmente, procuramos encontrar pessoas que se preocupam com seus vizinhos, com suas comunidades e com seu país", disse ela. À primeira vista, o termo empatia lembra vagamente associações religiosas, algo muito além do alcance das organizações cívicas. Mas, se deixarmos de lado as recordações da escola dominical, encontraremos um conceito eminentemente útil para a vida pública secular. Em The Science of Evil, o psiquiatra Simon Baron-Cohen define a empatia sem a visão espiritual. Ele a define como consciência cívica, a capacidade do indivíduo de levar em conta os sentimentos do outro. A crueldade humana, ou simplesmente a indelicadeza, ocorre quando os indivíduos só se preocupam com o interesse próprio e não se identificam com os pensamentos ou sentimentos do outro, e não respondem ao próximo. Traduzindo na linguagem comum, não existem soluções sem uma consciência cívica, somente impasses entre objetivos concorrentes. O bom civismo não pode existir sem um compromisso moral, sem atividades que promovam a compreensão e a empatia. Estímulo. Para transformar o diálogo público, hoje paralisado nos EUA, precisamos encontrar modos de estimular a empatia em ampla escala. A História mostrou que uma democracia com suficiente engajamento moral pode prosperar mesmo quando o engajamento político é baixo. Mas uma democracia sem um compromisso moral suficiente pode facilmente dissolver-se mesmo quando o compromisso político é grande. Então, o que podemos fazer para criar um compromisso moral? Em geral, é em casa que as pessoas aprendem as lições morais, mas toda sociedade madura também dispõe de meios para ajudar a construir o que o poeta Matthew Arnold chamou de "indivíduos melhores". Arnold viveu na Grã-Bretanha no século 19, em uma era de certezas políticas igualmente exageradas, e pregou que, para sobreviver à cacofonia, seus compatriotas precisavam estabelecer um compromisso com a cultura "que não tente atrair para essa ou aquela seita". O poeta queria que as pessoas usassem as ideias, livres do convencimento da política, "para que elas lhes alimentem, não para que elas lhes escravizem". Arnold considerava a busca da cultura igual à busca do que há de melhor no ser humano. Talvez a sociedade o ouvisse. Na Grã-Bretanha do fim da era vitoriana havia uma profusão de museus, teatros, galerias e salas de concertos. Hoje, a ideia de que a aquisição da cultura contribui para a formação do caráter moral é considerada antiquada - até mesmo elitista. Mas como diz o filósofo britânico John Armstrong em seu novo livro, In Search of Civilization, a verdadeira função da arte é "moldar e orientar nossos anseios, mostrar-nos o que é nobre e importante". Enquanto o estardalhaço da política em geral nos empurra de um lado para o outro, a grande arte e as grandes ideias podem nos elevar acima da banalidade e nos ensinar a empatia. Sem dúvidas, hoje há uma crise de civismo, mas ela é o produto de um profundo descompasso entre nosso compromisso político e nosso compromisso moral. A democracia é grande, mas os cidadãos ainda precisam de inspiração e empatia para fazê-la florescer. Se quisermos realmente promover o civismo, talvez devamos deixar o salão da assembleia municipal e frequentar a sala de concertos. Matthew Arnold, pelo menos, aprovaria. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLAÉ COLUNISTA

domingo, 2 de março de 2025

Tempo quente no Carnaval do Oscar, Marcelo Leite, FSP

 Não se sabia ainda, quando esta coluna foi entregue, se a fita "Ainda Estou Aqui" abocanharia um, nenhum ou mais de um Oscar. Certo é que o Brasil estaria já fervendo, em vários sentidos, quando o texto circular na edição impressa do jornal, segunda-feira, não importa o que acontecer no teatro Dolby em Los Angeles.

Há algo de sombriamente simbólico em que a cerimônia ocorra na meca cinematográfica da Califórnia. A cidade ardeu com incêndios há pouco mais de um mês, e decerto havia na plateia alguma celebridade milionária que perdeu a mansão em Palisades para chamas impelidas pelo aquecimento global.

Limusines, SUVs e speedsters beberrões de combustíveis fósseis estacionarão junto ao tapete vermelho para estrelas desembarcarem em roupas extravagantes, com preços que custariam anos de rendimentos dos manobristas. Hollywood, mesmo quando consagra filmes progressistas em defesa de direitos humanos, representa mais um sintoma da riqueza doentia que arruína o planeta.

A imagem mostra uma grande multidão celebrando em um evento ao ar livre, possivelmente durante o Carnaval. As pessoas estão se divertindo sob um chuveiro de água, com algumas levantando os braços. Há várias sombrinhas vermelhas ao fundo, e a cena é iluminada pelo sol. Muitas pessoas usam roupas coloridas e acessórios festivos.
Água é jogada em foliões para aliviar o calor em bloco no centro do Rio - Alexandre Macieira/Divulgação/Riotur

Não se trata de estragar a festa, que terá sido bonita. Mas alguém precisa lembrar, mais e outra vez, que qualquer gala hoje em dia tem um quê daquele filme inesquecível de Sydney Pollack, "A Noite dos Desesperados" ("They Shoot Horses, Don’t They?", 1969), que rendeu um Oscar de ator coadjuvante para Gig Young.

Com ou sem Oscar, o Brasil ferve, porque é Carnaval. Além dos furtos, bêbados, arrastões, assédios e mijo nas ruas, a festa nacional enfrenta um perigo adicional: a onda de calor. Não parece prudente juntar tanta gente saracoteando na canícula, flertando com desidratação e insolação.

Autoridades acordaram enfim para a necessidade de adaptação à mudança do clima, ainda que por quatro dias. Em Sampa, a prefeitura vai distribuir 2 milhões de copos d’água. No Rio, desfiles de escolas de samba terão um dia a mais para que terminem antes do sol nascer, o que contribuirá para prevenir alguns desmaios.

O Brasil e o mundo precisam de muito mais. Por aqui, é a quinta onda de calor de 2025, em apenas dois meses. E nem era para estar acontecendo um calorão desses, pois El Niño de 2024 já se foi e cedeu a pista para La Niña, que deveria esfriar o clima, porém trouxe o janeiro mais quente desde a era pré-industrial.

Se fosse da folia, sairia fantasiado de Margem Equatorial: barba grisalha, chapéu panamá, camisa com fauna e flora dos mangues do Amapá, bermuda de plástico preto em homenagem à Petrobras, chinelos de dedo em verde e amarelo. Gritando roucamente contra o Ibama, abraçaria com uma mulher vestida de Transição Energética, ou seja, pelada (uma fantasia que ninguém consegue ver).

A marchinha da banda do Planalto canta que a renda do petróleo e do gás na bacia da Foz do Amazonas vai bancar, ha ha ha, o fim da queima de combustíveis fósseis. Na farra do pré-sal, todo mundo sabe, quem mamou nas tetas da estatal não foram as empresas de energias limpas.

Relatório recente orçou investimento de R$ 1,4 trilhão por ano para o Brasil alcançar a neutralidade em carbono, daqui até 2050. Mas o país continua incentivando combustíveis fósseis, que sugaram 82% de subsídios para energia, de quase R$ 100 bilhões em 2023.

Alalô, ôôô, ôôô, mas que calor, ôôô, ôôô.