domingo, 19 de maio de 2024

Tragédias anunciadas. Até quando?, Marcia Castro FSP

 Antes da Revolução Industrial, a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera era de cerca de 280 partes por milhão (ppm). Hoje, é de mais de 400 ppm, e a temperatura média do planeta, comparada com o período entre 1850 e 1900, aumentou 1,2°C. Ou seja, a cada aumento de 10 ppm de CO2 na atmosfera, houve, em média, um aumento de 0,1°C.

Não há como justificar essas mudanças através de processos naturais. A ação humana vem acelerando esse processo, como demonstrado, por exemplo, nos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima. As perdas associadas às mudanças climáticas afetam o crescimento econômico.

Registro dos danos causados na região do Centro Histórico, em Porto Alegre.
Registro dos danos causados na região do Centro Histórico, neste sábado (18), em Porto Alegre - Marcelo Oliveira/Thenews2/Folhapress

Um estudo publicado este mês mostra que o aumento de 1°C na temperatura global reduz o PIB mundial em até 12% após seis anos. Além disso, o PIB mundial seria 37% maior caso não tivesse ocorrido um aquecimento entre 1960 e 2019.

Apesar de toda a evidência, há os que negam os fatos utilizando argumentos falsos e criminosos. Sim, criminosos. Se na pandemia de Covid-19 negar a importância da doença foi um crime, negar a mudança climática também é crime.

É crime porque cada negacionista ocupando uma cadeira no Congresso ou uma posição de poder para orientar políticas públicas é uma barreira para que haja um diálogo sério sobre ações de adaptação climática.

Projetos de lei que relaxam o Código Florestal avançam, porém aqueles que abordam a questão climática se arrastam. Enquanto isso, os danos se acumulam.

Dados do Atlas Digital de Desastres no Brasil mostram que, entre 1991 e 2023, desastres relacionados ao clima resultaram em 4.735 óbitos (22% entre 2020 e 2023), 9,58 milhões de pessoas desalojadas ou desabrigadas (25% entre 2020 e 2023) e 227 milhões de pessoas afetadas (35% entre 2020 e 2023).

Os danos materiais, entre 1995 e 2023, chegaram a R$ 129 bilhões (27% entre 2020 e 2023), enquanto os prejuízos públicos e privados passaram de R$ 567 bilhões (34% entre 2020 e 2023).

A intensificação recente dos danos humanos e materiais não é apenas resultado da gravidade dos eventos climáticos, mas também da falta de ações concretas de adaptação.

Não houve ação, mas avisos. Muitos. Cientistas e instituições de altíssima qualidade no Brasil já analisaram cenários climáticos futuros, mostrando os impactos regionais na saúde, agricultura, energia, transportes e recursos hídricos, dentre outros.

Projeto Brasil 2040, elaborado entre 2013 e 2015, durante o governo de Dilma Rousseff, simulou cenários e propôs alternativas de adaptação que minimizassem as perdas previstas em um contexto de mudanças climáticas.

Dentre os resultados estão a redução da capacidade geradora de hidrelétricas, impactos na agricultura, temperaturas elevadas no Centro-Oeste, secas intensas no Nordeste e aumento das chuvas na região Sul. Entretanto, esses resultados nem foram usados nem publicados de forma completa.

Enquanto isso, 325 pessoas morreram na tragédia de Petrópolis em 2022, o ano de 2023 teve um recorde de 1.161 desastres climáticos, e as enchentes no Rio Grande do Sul, que começaram no final de abril, já causaram 155 mortes e afetaram mais de 90% dos municípios do estado. Até quando?

Quantas tragédias ainda serão necessárias para desencadear ações? Quantas perdas humanas e materiais ainda terão que ser contabilizadas? Que setores da sociedade precisarão ser afetados para gerar mudanças?

Que isso não caia no esquecimento em outubro, durante as eleições municipais.

Euforia com gigantes na Bolsa esconde armadilhas, Marcos de Vasconcellos, FSP

 A criação de gigantes parece estar na moda no Brasil, ao menos para as empresas que estão Bolsa de Valores. Não chegamos ao segundo semestre e já foi noticiada a fusão ou a negociação de uma fusão com a participação de 10 companhias listadas.

Sempre há algo de megalomaníaco no noticiário sobre as empresas com ação em Bolsa, já que o crescimento, o aumento da eficiência e da produtividade são o foco dos investidores. Isso explica o aparente otimismo quando se noticia que uma fusão criará "o maior do Brasil" em qualquer área que seja. Mas a alta das ações nem sempre se mantém com a realidade do casamento.

REUTERS

Até agora (lembre-se, ainda estamos em maio), o cenário é esse: a Petz se juntou com a Cobasi, dominando o mercado de petshops; Arezzo e Grupo Soma tornaram-se a maior empresa de varejo de moda da América Latina; Enauta e 3R Petroleum vão consolidar um gigante do petróleo, que nasce com mais de R$ 13 bilhões em valor de mercado; a Auren comprou a AES Brasil e virou a terceira maior geradora de energia elétrica do país; a Sequoia Logística incorporou a MOVE3 e agigantou-se a ponto de só perder para os Correios em tamanho; e Azul e Gol estudam um casamento que tornará ainda menos diversificados os nossos aeroportos.

Estamos criando colossos corporativos que prometem moldar o futuro do já concentrado mercado nacional —temos menos de 500 empresas na Bolsa de Valores. Ainda que a promessa de aumento de eficiência seja atraente, é crucial adotar uma visão crítica, para não acreditar em propaganda

As tais sinergias, que sempre acompanham os anúncios de fusões, podem trazer economias de escala significativas, acesso a novos mercados, aumento da capacidade de inovação, fortalecimento da posição de mercado e diversificação de produtos e serviços. Isso além da melhora da capacidade financeira e gestão de riscos.

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Na outra ponta, além da concentração de mercado, que ceifa o poder de escolha do consumidor (não preciso dizer que os monopólios são um problema para a clientela), a complexidade da integração operacional e a dificuldade de alinhar culturas corporativas muitas vezes compromete a operação que foi desenhada na hora de fechar negócio.

Temos o histórico preocupante. No caso da Hapvida com a NotreDame Intermédica, por exemplo, o anúncio da fusão, no início de 2022, gerou uma corrida pelas ações, que subiram como foguetes. De lá para cá, entretanto, a Hapvida viu o preço dos papéis cair abaixo da metade.

Também na corrida pela consolidação do setor da saúde, em 2022, a Rede D’Or comprou a SulAmérica, em uma mega operação. As ações dispararam e atingiram seu pico em março daquele ano, logo após o anúncio. Hoje, os papéis são negociados por 60% do valor que atingiram naquela época.

Há dois anos, quando a Alliance Sonae anunciou a aquisição da concorrente BR Malls, o mercado criou grandes expectativas sobre o gigante dos shopping centers. As ações da Alliance Sonae estavam, então, cotadas a R$ 21 —mesmíssimo patamar em que se encontram hoje.

A dificuldade em ajustar as operações explica o caso da fusão "em cima do muro" entre Marfrig e BRF. Desde dezembro do ano passado, a Marfrig já possui mais da metade da BRF, mas até agora não conseguiu deixar claro para analistas quais os ganhos reais para unir de vez as operações —nem se vai efetivamente fazer isso.

A lição é que criar gigantes às vezes é mais fácil do que fazer com que eles trabalhem a favor do acionista, do consumidor e da economia. Anúncios podem trazer euforia e valorização, mas a análise fria dos planos para depois do casamento pode evitar armadilhas.

Consumidores temem pagar a conta por transição energética, diz estudo, FSP

 Alex Sabino

SÃO PAULO

Por desconfiar que vai ter de pagar a conta, parte da população mundial ainda duvida do discurso sobre a urgência da transição energética.

Pesquisa realizada pela consultoria multinacional EY, com cerca de 100 mil pessoas em 21 países, aponta que apenas 31% dos entrevistados estão dispostos a investir mais dinheiro em nome da energia limpa, e 69% afirmaram não estarem dispostos a fazer mais do que já fazem pela causa.

No Brasil, foram entrevistadas 22.956 pessoas.

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Painéis solares em área rural de Campinas - Eduardo Knapp/Folhapress

Quase o mesmo percentual (67%) respondeu não ter como absorver em seu orçamento um aumento na conta de energia elétrica superior a 10%. São 66% os que disseram que, apesar de terem interesse em produtos e serviços da transição energética, como carros elétricos ou placas de energia solar, não pretendem gastar dinheiro com isso nos próximos três anos.

"Enquanto a oferta no lado da transição energética está crescendo, precisamos de uma mudança radical em como engajamos e ativamos o comportamento do consumidor", afirma Greg Guthdridge, líder de energia global e transformação da experiência do consumidor da EY.

De acordo com a empresa, foram pesquisados consumidores que quitam contas de energia ou moram em casas em que outros pagam pelo serviço, em todas as faixas etárias e renda mensal.

"As pessoas parecem ter a sensação de que tudo o que poderia ser feito já foi, o que pode ser problemático. A parte boa é que as mais jovens acreditam mais na transição energética", completa Miguel Leão, sócio de Business Consulting da EY Brasil.

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Pelo Acordo de Paris, assinado em 2015, os países signatários (o Brasil entre eles) se comprometeram a metas de redução de emissão de gases de efeito estufa.

O investimento em fontes de energia de baixo carbono foi de US$ 1,77 trilhão no planeta em 2023. O crescimento foi de 17% em relação ao ano anterior, segundo dados do Energy Transition Investment Trends, publicado pela BloombergNEF. De acordo com o documento, o transporte elétrico é o setor que recebeu mais dinheiro, com US$ 634 bilhões, incluindo veículos e a infraestrutura necessária.

"No nosso dia a dia é perceptível que a minoria está disposta a pagar pelas mudanças. Quantos estão dispostos a pagar mais por alimentos orgânicos ou um prêmio pelo produto na gôndola com selo verde?", questiona Erik Eduardo Rego, especialista em mercado de energia, professor da Fundação Vanzolini e do Departamento de Engenharia de Produção da USP (Universidade de São Paulo).

"Pode-se apresentar inúmeros exemplos de que a maioria dos consumidores toma decisões baseadas somente em critérios econômicos. E como criticar essa escolha quando a renda dele é baixa e ele anda a pé para economizar na condução e conseguir fazer mercado?", diz.

Na opinião do engenheiro Marcelo Tavares Coelho, especialista em energias renováveis e professor da Unisanta (Universidade Santa Cecília), é nítido que o consumidor em geral, inclusive o brasileiro, aceita muito bem o tema da sustentabilidade.

"Ele vê e conhece sua importância no cenário mundial, porém não enxerga que deveria pagar mais por isso para garantir um futuro do planeta mais limpo. Não bastam campanhas energéticas ou marketing verde sem que se incentive o consumidor a ver o valor financeiro para ele, não só para o planeta", afirma.

Para o estudo da EY, há uma exaustão do consumidor com o tema da transição energética, já que precisa lidar com preços mais altos e volatilidade política no leste europeu e no Oriente Médio.

Para melhorar o humor do público consumidor, o estudo da consultoria sugere o investimento em novas tecnologias para conferir maior poder de controle ao cliente. A maioria dos entrevistados disse se sentir confortável com recursos de inteligência artificial para aprender e utilizar energia limpa.

Quanto mais jovem, mais favorável. Da chamada geração Z (os nascidos entre 1995 e 2010), 85% são favoráveis. O número vai a 80% para os millenials (nascidos na década de 1980 até a metade da década de 1990), 69% para os geração X (entre 1965 e 1980) e 53% entre os boomers (1946 e 1964).

A EY também defende que as empresas estejam dispostas a serem flexíveis nas soluções, tecnologias e modelos operacionais para que os consumidores sejam mais abertos à transição energética.

"O cenário pode mudar com novos hábitos e incentivos econômicos. Quando o consumidor entender que o momento ‘nunca imaginei que isso fosse acontecer comigo’ já está acontecendo, e são inúmeros exemplos, a começar pela calamidade atual no Rio Grande do Sul", diz Rego. "As consequências não se resumem a grandes eventos, mas o preço dos alimentos já sobe como consequência das mudanças climáticas. Ele já está pagando a conta."

O outro caminho é pelo incentivo econômico, afirma. "Por exemplo, tributação mais elevada em produtos 'sujos' e isentar de impostos produtos limpos até que sejam competitivos, mantendo a mesma arrecadação de hoje, mas redistribuindo entre a origem produtiva", diz.