quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Estudo associa microbiota intestinal e episódios de delirium em idosos, FSP

 Maria Fernanda Ziegler

AGÊNCIA FAPESP

Entre 8% e 20% dos idosos que por algum motivo precisam ser hospitalizados apresentam episódios de delirium, distúrbio agudo e geralmente reversível da consciência e da cognição.

Nesses casos, o indivíduo fica desorientado, com um discurso desconexo e é comum que não reconheça entes queridos. Trata-se de um quadro diferente do delírio –como são popularmente conhecidas as alucinações causadas por doenças mentais– e de um importante sinal de que o cérebro do idoso está em sofrimento.

Em busca de biomarcadores que ajudem a diagnosticar o problema e também de alvos terapêuticos, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) analisaram a microbiota intestinal de 133 pacientes acima de 65 anos internados no Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FM-USP). Os resultados da pesquisa foram divulgados em The Journals of Gerontology.

Idoso está sentado em cama hospitalar ao lado de uma médica
O trabalho faz parte de um projeto que investiga marcadores de diagnóstico e prognóstico em pacientes graves atendidos em serviço de emergência - Freepik

"Identificamos que os idosos com uma microbiota menos diversa tinham maiores chances de desenvolver delirium. E que os pacientes que de fato desenvolveram o quadro portavam uma quantidade maior de enterobactérias –microrganismos associados a vias pró-inflamatórias e à modulação de neurotransmissores importantes", conta Flávia Garcez, primeira autora do artigo.

A médica colabora com as atividades de pesquisa do Serviço de Geriatria do HC-FM-USP e recebeu, em 2019, o prêmio NIDUS Junior Investigator Award, que concede financiamento a pesquisas sobre delirium.

O trabalho com os idosos internados no Hospital das Clínicas integra um projeto maior, apoiado pela Fapesp, que investiga marcadores de diagnóstico e prognóstico em pacientes graves atendidos em serviço de emergência.

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"A microbiota intestinal tem ganhado atenção nos últimos anos. Ela já foi associada a várias condições, como obesidade, resistência à insulina e doença inflamatória intestinal. Distúrbios na microbiota também têm sido relacionados a doenças neuropsiquiátricas crônicas, como depressão e doença de Alzheimer. No entanto, pouco se sabia ainda sobre a relação entre microbiota e delirium, um distúrbio que, embora seja muito prevalente, ainda está carregado de mistérios", afirma Heraldo Possolo de Souza, coordenador do estudo apoiado pela Fapesp.

EIXO CÉREBRO-INTESTINO

Segundo Garcez, a associação entre microbiota e delirium já era esperada e o trabalho mostrou que essa relação é possivelmente bidirecional, com um influenciando o outro.

"Existe o eixo cérebro-intestino, ligado pelo nervo vago que serve como comunicação bidirecional entre o trato gastrointestinal e o cérebro. Fora isso, estudos anteriores já haviam demonstrado a relação entre microbiota e uma doença-irmã do delirium, o Alzheimer", afirma a pesquisadora.

No entanto, ela ressalta, o trabalho avançou no entendimento dessa relação. "O interessante nesse estudo é que pudemos avaliar a microbiota de um mesmo indivíduo repetidas vezes, antes e depois de ele ter delirium. Com isso, encontramos que o conjunto de microrganismos no trato intestinal mudava quando o mesmo paciente entrava e saía do delirium", destaca.

Para a pesquisa, foram coletados dados sociodemográficos, clínicos e laboratoriais ao longo de todo o período de internação. A microbiota intestinal foi analisada a partir de amostras obtidas por swabs retais (uma espécie de cotonete que é passada na região do ânus) logo na admissão e 72 horas após os pacientes darem entrada no hospital.

Uma terceira amostra foi coletada assim que o voluntário apresentava delirium. O grupo utilizou o Confusion Assessment Method (CAM) para avaliar, duas vezes ao dia, a presença do distúrbio durante a internação.

Foram excluídos da análise candidatos que, até 24 horas antes da admissão hospitalar, fizeram uso de probióticos, prebióticos ou nutrição artificial, bem como aqueles que apresentavam distúrbios gastrointestinais agudos, traumatismo cranioencefálico grave, histórico de hospitalização recente ou de institucionalização.

Além de analisar a microbiota, o grupo também investigou fatores relacionados à inflamação, como o nível circulante de citocinas –moléculas que sinalizam ao sistema imune a necessidade de enviar mais células de defesa ao local da infecção. No entanto, não foram encontradas diferenças significativas entre os pacientes que tiveram ou não delirium.

"O delirium é a alteração neuropsiquiátrica mais comum em pacientes internados e pode ser definido como o cérebro em sofrimento. Por isso é tão importante avançar na investigação e identificar marcadores. Quando se fala em insuficiência renal, existe o exame de sangue. Para insuficiência respiratória, é possível ver o paciente com falta de ar. Mas para uma insuficiência cerebral, como o delirium, ainda não existe um marcador definitivo", explica Júlio César Garcia de Alencar, professor do curso de Medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB-USP) e coautor do estudo.

Alencar ressalta que pacientes que apresentam delirium têm duas vezes mais chance de morrer. E que os fatores conhecidos de predisposição são: sexo masculino, alteração prévia da consciência ou quadro de demência, desidratação e abuso de álcool e outras drogas. "Além disso, é provável que haja um componente ligado ao estresse que a internação provoca."

Vale destacar que os fatores de risco para delirium são os mesmos da disbiose, condição clínica caracterizada pelo desequilíbrio entre bactérias benéficas e patogênicas no trato digestivo.

Para Garcez, no entanto, a expectativa é que para o delirium sejam encontrados vários marcadores em vez de apenas um. "Como muitos fatores podem causar esse distúrbio, é possível que existam diferentes gatilhos", avalia.

O estudo Association Between Gut Microbiota and Delirium in Acutely Ill Older Adults pode ser lido aqui.

Se tiverem que escolher entre segurança e direitos humanos, poucos terão dúvida, Joel Pinheiro da Fonseca, FSP

 Em pouco mais de um ano, o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, conseguiu cortar pela metade os homicídios no país, bem como dar à população a segurança de andar pelas ruas sem prestar satisfação a nenhuma gangue. Como o continente todo sofre com a violência e com as gangues —o Brasil, nem se fala— é inevitável que seu modelo queira ser copiado.

Bukele declarou estado de exceção em março de 2022 e passou a prender jovens suspeitos de integrar as gangues que mandavam no país; sem acusações formais, sem julgamento, às vezes a partir de uma simples denúncia anônima. A data do julgamento é marcada para dali seis meses, depois é adiada, remarcada; de modo que os jovens continuam presos por quase dois anos sem perspectiva de quando serão julgados. No máximo, passaram por alguma audiência coletiva. Foram mais de 70 mil presos até o momento. Menos de 10% foram soltos. O regime de exceção deveria durar um mês, mas já foi estendido 15 vezes.

Prisão em Tecoluca, a 74 km da capital de El Salvador, San Salvador - Divulgação Governo El Salvador via AFP - 15.mar.23

A primeira pergunta é factual, sem qualquer juízo de valor: a política é sustentável? A redução drástica da violência continuará enquanto durar o encarceramento em massa ou ela apenas causou uma desorganização temporária nas gangues, que logo encontrarão meios de se erguer e recrutar novos adeptos? Por enquanto, ninguém sabe.

Setenta mil num país de 6,3 milhões de pessoas são pouco mais de 1% da população. Se o Brasil quisesse fazer igual, teria que prender 2,1 milhões de homens jovens. Difícil saber onde enfiar tanta gente, mas imagino que condições prisionais não figurem entre as prioridades dos defensores da política.

Outra pergunta: quantos dos presos —que estão passando privação, com pouco alimento e condições insalubres— são inocentes? Provavelmente muitos. A defesa acrítica da política de segurança de Bukele só é possível por parte de quem sabe —devido à sua condição social— que não estará entre esses presos.

A partir de um ponto, a percepção de violência é tão opressora que a população passa a se segurar na violência policial indiscriminada como pedra de salvação. Assim como Bukele é enormemente popular em El Salvador, engana-se quem acha que Tarcísio em São Paulo (ou Jerônimo Rodrigues na Bahia) irá perder votos por celebrar ações da PM que resultam em mortes.

A verdade é que boa parte da população não vê problema na execução de membros de facções. Por isso a revolta contra órgãos de imprensa quando denunciam as mortes causadas por policiais omitindo o fato de que as vítimas eram criminosos.

Não há aula de direitos humanos que vá mudar isso. É preciso políticas reais que entreguem resultado. E enquanto a direita vai se entregando à pura truculência, a esquerda segue sem proposta nenhuma quando o tema é segurança pública. Desconversa, fala de educação e combate à desigualdade. Trata qualquer medida que envolva a polícia como suja, má; quando sabemos que a polícia é imprescindível na garantia da ordem e no combate ao crime. As cidades americanas que apostaram na loucura do "defund the police" logo aprenderam sua lição.

Permitir a expansão do poder do crime organizado é violar os direitos humanos de quem será por ele vitimado. Se tiverem que escolher entre uma abstração como direitos humanos e o sentimento de segurança, poucas pessoas terão dúvida. Ante a barbárie de uma política de segurança baseada na violência indiscriminada, é preciso apresentar não sentimentos humanitários, e sim alternativas que funcionem. De preferência, antes que o pacote Bukele chegue por aqui.

Parada há três anos, obra de ponte para ligar Pirituba à Lapa já consumiu quase R$ 34 milhões, FSP

 

SÃO PAULO

Aguardada há mais de 40 anos pelos moradores de Pirituba, na zona norte de São Paulo, as obras de uma ponte que ligaria o bairro à Lapa, na zona oeste, estão paradas há pouco mais de três anos por decisão judicial e já consumiram R$ 33,9 milhões dos cofres públicos.

A Prefeitura de São Paulo afirmou incorrer em prejuízo de R$ 3,5 milhões com os canteiros desativados, pagando mensalmente serviços de segurança e manutenção desde que o empreendimento foi paralisado, em abril de 2020, pela 8ª Vara de Fazenda Pública do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo).

Iniciada em maio de 2019, a ponte ampliaria e alargaria a avenida Raimundo Pereira de Magalhães nos trechos de acesso à nova ligação, com duas faixas para carros, além de corredores exclusivos de ônibus, ciclovias e passeio público.

Os pilares já construídos para a ponte que ligaria Pirituba à Lapa, na capital paulista, estão pichadas e com sinais de envelhecimento
Os pilares já construídos para a ponte que ligaria Pirituba à Lapa, na capital paulista, estão pichadas e com sinais de envelhecimento - Eduardo Knapp - 28.jul.23/Folhapress

Ministério Público do Estado de São Paulo, contudo, entrou com uma ação para anular as licenças ambientais do projeto argumentando que, originalmente, o plano não contemplava a construção das alças de acesso pela marginal Tietê.

A Justiça estadual, então, ordenou a interrupção da obra. A prefeitura recorreu, e o processo está agora na segunda instância.

Para subsidiar uma nova decisão, o TJ-SP determinou a realização de uma perícia técnica para analisar documentos e avaliar a situação atual. De acordo com o Executivo municipal, 14% das obras foram concluídas. A Prefeitura de São Paulo diz aguardar a deliberação do Judiciário para retomar a construção.

Para a primeira parte do projeto —construção da ponte, alargamento da Raimundo Pereira de Magalhães e intervenções para drenagem— foi celebrado um contrato de R$ 209,5 milhões.

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O valor total da intervenção, que inclui gastos com desapropriações, enterramento de rede elétrica e de telefonia, compensações ambientais e fiscalização da obra, seria, inicialmente, de R$ 386,5 milhões.

Atualmente, moradores de Pirituba que utilizam a avenida e vão para a Lapa ou acessam o bairro como alternativa para outros trajetos precisam usar as pontes da Anhanguera e do Piqueri para atravessar a marginal.

A inauguração da ponte desafogaria estes dois acessos, criando uma alternativa para atravessar o rio Tietê e sua marginal. Isso representaria, por dia, uma economia de até 36 minutos em viagens de transporte público entre os terminais dos dois bairros, após o remanejamento das linhas de ônibus da região, segundo estudo de tráfego da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego).

Para os usuários do transporte individual, seriam 15 minutos a menos nos trajetos diários.

Sérgio Ejzemberg, mestre em transportes pela Escola Politécnica da USP, afirma que a ponte, além de aumentar o fluxo viário em uma região residencial da Lapa, não resolveria inteiramente o problema do trânsito carregado.

"Do ponto de vista conceitual, acredito ser dinheiro jogado no lixo. Investir em ponte e viaduto e não investir em trilho é garantir que o congestionamento será levado a metros adiante. Eu deixo de perder tempo em um ponto e perco tempo no resto", afirma.

Quanto ao transporte sobre trilhos, ele ressalta a importância de investimento em metrô, principalmente.

"A prefeitura tem que dar as mãos ao estado e parar de separar o Plano Diretor do plano de transporte, unir investimentos e investir em metrô. Em uma cidade carente de transporte por trilho, nenhum outro meio pode encarar a demanda."

A ponte é uma reivindicação de mais de 40 anos dos moradores de Pirituba e beneficiaria 115 mil pessoas, que utilizariam diariamente o novo acesso.

Segundo a estudante Giovanna Mendes Casteluchi, 21, que mora atualmente em um prédio no entorno da avenida Raimundo Pereira de Magalhães, a infraestrutura atual do bairro não comporta mais o número de moradores na região, que cresceu.

"A [avenida] Raimundo não estava preparada para esse tanto de morador que chegou. Essa ponte já era uma necessidade urgente, e a partir do momento que você promete uma ponte, chegam milhares de habitantes e ela não é construída, vira um caos", disse.