terça-feira, 8 de agosto de 2023

Vale lembrar julgamento que celebrou maluquice da defesa da honra, Elio Gaspari - FSP

 Com a decisão do Supremo Tribunal Federal esfarelando a teoria da legítima defesa da honra para safar assassinos, vale lembrar o julgamento que celebrizou essa maluquice.

Na noite de 31 de março de 1964, o advogado Pedro Aleixo usou-a e conseguiu a absolvição das irmãs Ethel e Edina Poni. Dois anos antes, Ethel havia derrubado Lourdes Calmon, que vivia com o ex-marido de Edina. Ela, campeã de tiro, matou Lourdes com dois tiros na cabeça.

Ministros do Supremo Tribunal Federal durante sessão de julgamento - Carlos Moura-27.abr.23/SCO/STF

O destino mandou a conta a Pedro Aleixo cinco anos depois. Ele era o vice-presidente da República, o marechal Costa e Silva estava incapacitado por uma isquemia cerebral, e os três ministros militares (mais alguns generais palacianos) impediram que assumisse. Ele, com sua honra, resignou-se em silêncio.

BOA NOTÍCIA

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, planeja isentar os imóveis da cracolândia do pagamento de IPTU.

A ideia é boa e devia ser seguida por todos os prefeitos do país que cobram esse imposto a donos de imóveis que foram degradados por sucessivas administrações que perderam a autoridade em áreas de suas cidades.

O DINHEIRO DO AGRO

Houve um tempo em que empresários rurais pediam conselhos para a compra de apartamentos em São Paulo.

Há poucos anos a pergunta tornou-se outra:

"Você não arruma um edifício para eu comprar?"

LEIA OUTROS TEXTOS DA COLUNA DE ELIO GASPARI

A miséria da cognição, Muniz Sodré, FSP

 Nas redes, uma cena penosa do que se pode hoje chamar de miséria da cognição: a tentativa de diálogo entre um sênior professor de direito e uma jovem deputada na Câmara Federal. Ele procura explicar que toda compreensão implica um recorte da realidade, mas aferrar-se ao recorte com uma visão particular de mundo torna impossível o conhecimento. Ela reage, dizendo-se ofendida por ter ele ousado afrontar o plenário com "conceitos acadêmicos".

O incidente pode soar irrisório, mas é um caso sintomático do que Gramsci chama de "molecular", isto é, o processo reflexivo sobre formação da subjetividade, em que se declina o problema político da compreensão crítica de si mesmo, e não apenas do social. Implica pesquisar mudanças psíquicas: "as pessoas de antes não são mais as pessoas de depois", diz o pensador. Molecular, e não macrossocial com suas grandes categorias, é a base conceitual para se entender processos afetivos e protofascistas atuantes na quebra de contenções psíquicas, morais e cognitivas inerentes ao modo civilizatório.

Deputada Caroline de Toni (PL - SC), que se envolveu em discussão com o professor José Geraldo na Cãmara
Deputada Caroline de Toni (PL - SC), que se envolveu em discussão com o professor José Geraldo na Câmara - Câmara dos Deputados

Objetivamente, há uma realidade fantasmática, que se teme. Serve de pretexto para afecções misóginas, racistas e ignorantistas latentes na consciência reacionária. Azeitadas pelo ódio, elas emergem de supetão, como um clique no teclado. Uma dama descobre-se político-anarquista e, enrolada na bandeira, ajuda a depredar símbolos da República. Assombrado por fantasmas comunistas, um empresário financia atos antidemocráticos. Sem pestanejar, uma família inteira avança contra um ministro do Supremo e sua família no exterior, agredindo. É variada a cartografia da disrupção.

O singular do incidente na Câmara é que, na visão da parlamentar, conceito acadêmico seja o mesmo que ofensa. O tom didático do interlocutor despertou outro aspecto do fenômeno reacionário: aversão ao discurso docente. Provém dessa estrutura emocional a crença errônea de que só ensina quem não sabe fazer. Houve governante pós-ditadura, culto, com horror visceral ao magistério, que estendia aos médicos.

Isso é miséria da cognição, outra face da indigência afetiva, um retardo no processo de conhecimento, que inicialmente é mero anti-intelectualismo, mas logo transformado em rancor dirigido à educação criativa: Paulo Freire simboliza o inimigo. Pedagogo ideal seria o adestrador cívico-militar: nostalgia da disciplina nazifascista e perspectiva de treinamento de robôs. Sem freios, aparece o recalcado assim como a dificuldade de entender e de falar com padrões mínimos de razoabilidade. Agora, em face do desestímulo crescente da vocação docente, atordoante é vislumbrar uma legislação feita por apedeutas, impermeáveis à compreensão da centralidade da educação no presente e no futuro do país.