A intentona terrorista de 8 de janeiro teria causado uma comunhão democrática instantânea, um ajuntamento de apoios políticos e sociais que também beneficiaria Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente, um fiador da democracia, teria ganhado mais tempo para assentar seu governo, que começou sob críticas ao caráter restrito do que antes se prometia ser uma "frente ampla", na economia e na política.
É uma análise que se ouve por aí. Pode-se especular de maneira razoável que não há tempo. Nem Lula, nem o país democrata, nem a pobreza ainda mais degradada por uma década sem crescimento têm tempo.
Como se não bastassem os quatro anos de agitação e propaganda de Jair Bolsonaro, os dois meses e meio depois da eleição comprovaram a organização golpista. Para citar o óbvio, houve quebra-quebra diante da Polícia Federal no dia da diplomação de Lula, tentativa de ataque a bomba ao aeroporto de Brasília, depredação de torres de transmissão de eletricidade, movimentos para bloquear a distribuição de combustíveis e envolvimento de militares na intentona.
Um mero começo de investigação encontrou um decreto golpista na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. Parlamentares da extrema direita, a maioria abrigada no PL, continuam a apoiar a subversão. Em recados pela imprensa, oficiais-generais dizem que são intocáveis.
Pesquisas de opinião mostram que o eleitorado bolsonarista de 2022 quase inteiro desaprova Lula. Eleitores lulistas desesperados, impacientes ou "terceira via" podem se desencantar. Governar desgasta.
Desgasta ainda mais nesta situação socioeconômica ruim. A economia esfriou no quarto trimestre de 2022; talvez tenha encolhido. A taxa de juros alta, que assim permanecerá até o final deste 2023, a incerteza sobre a política econômica de Lula 3 e a lerdeza mundial sugerem por ora um crescimento de 1% do PIB neste ano.
O aumento do número de pessoas empregadas, se ainda ocorrer, não será bastante para reduzir a taxa de desemprego, se tanto, com provável estagnação dos salários, ainda nos níveis mais baixos desde 2012. A inflação ainda deve aumentar quase outros 6% neste ano, com níveis de preços já altos.
Seria quase inevitável um aumento de impostos, qualquer o governo, que deve ser a via preferencial de ajuste fiscal de Lula 3 (com menos ênfase em contenção de gasto). É um sinal amarelo de conflito, que não deve melhorar com as tentativas de setores empresariais e da elite profissional de fugirem das consequências (necessárias) da reforma tributária.
Empresários, em particular bolsonaristas, já tentam derrubar as mudanças propostas pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) no sistema de solução de contenciosos da Receita Federal (Carf). A tentativa de tributar lucros e dividendos e de voltar a cobrar certos impostos é mais fonte de conflito.
O governo (e a economia e o ambiente) precisa da volta de impostos sobre combustíveis, cortados pela demagogia bolsonarista. É um assunto que já animou milícias caminhoneiras e locautes de empresas de transporte.
Em fevereiro, o Congresso volta a funcionar, com lideranças reeleitas, "empoderadas" e mais dispostas a arrancar benefícios de Lula (a mexida no butim das emendas de relator não foi digerida). Há partidos negocistas para cevar com cargos. A ver se a ameaça golpista ainda muito viva, investigações policiais, de Bolsonaro inclusive, e uma CPI mudam esse cenário.
Golpistas diversos podem se animar com uma perda de prestígio de Lula. A fim de evitar o risco, (também) o presidente precisa varrer a subversão, desbolsonarizar o país e deixar logo de bobagens na economia.