sábado, 14 de janeiro de 2023

Economia pode tirar apoio e tempo que intentona terrorista deu a Lula, VTF FSP

 

SÃO PAULO

A intentona terrorista de 8 de janeiro teria causado uma comunhão democrática instantânea, um ajuntamento de apoios políticos e sociais que também beneficiaria Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente, um fiador da democracia, teria ganhado mais tempo para assentar seu governo, que começou sob críticas ao caráter restrito do que antes se prometia ser uma "frente ampla", na economia e na política.

É uma análise que se ouve por aí. Pode-se especular de maneira razoável que não há tempo. Nem Lula, nem o país democrata, nem a pobreza ainda mais degradada por uma década sem crescimento têm tempo.

Como se não bastassem os quatro anos de agitação e propaganda de Jair Bolsonaro, os dois meses e meio depois da eleição comprovaram a organização golpista. Para citar o óbvio, houve quebra-quebra diante da Polícia Federal no dia da diplomação de Lula, tentativa de ataque a bomba ao aeroporto de Brasíliadepredação de torres de transmissão de eletricidade, movimentos para bloquear a distribuição de combustíveis e envolvimento de militares na intentona.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em encontro para assinar medidas econômicas - Pedro Ladeira/Folhapress

Um mero começo de investigação encontrou um decreto golpista na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. Parlamentares da extrema direita, a maioria abrigada no PL, continuam a apoiar a subversão. Em recados pela imprensa, oficiais-generais dizem que são intocáveis.

Pesquisas de opinião mostram que o eleitorado bolsonarista de 2022 quase inteiro desaprova Lula. Eleitores lulistas desesperados, impacientes ou "terceira via" podem se desencantar. Governar desgasta.

Desgasta ainda mais nesta situação socioeconômica ruim. A economia esfriou no quarto trimestre de 2022; talvez tenha encolhido. A taxa de juros alta, que assim permanecerá até o final deste 2023, a incerteza sobre a política econômica de Lula 3 e a lerdeza mundial sugerem por ora um crescimento de 1% do PIB neste ano.

PUBLICIDADE

O aumento do número de pessoas empregadas, se ainda ocorrer, não será bastante para reduzir a taxa de desemprego, se tanto, com provável estagnação dos salários, ainda nos níveis mais baixos desde 2012. A inflação ainda deve aumentar quase outros 6% neste ano, com níveis de preços já altos.

Seria quase inevitável um aumento de impostos, qualquer o governo, que deve ser a via preferencial de ajuste fiscal de Lula 3 (com menos ênfase em contenção de gasto). É um sinal amarelo de conflito, que não deve melhorar com as tentativas de setores empresariais e da elite profissional de fugirem das consequências (necessárias) da reforma tributária.

Empresários, em particular bolsonaristas, já tentam derrubar as mudanças propostas pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) no sistema de solução de contenciosos da Receita Federal (Carf). A tentativa de tributar lucros e dividendos e de voltar a cobrar certos impostos é mais fonte de conflito.

O governo (e a economia e o ambiente) precisa da volta de impostos sobre combustíveis, cortados pela demagogia bolsonarista. É um assunto que já animou milícias caminhoneiras e locautes de empresas de transporte.

Em fevereiro, o Congresso volta a funcionar, com lideranças reeleitas, "empoderadas" e mais dispostas a arrancar benefícios de Lula (a mexida no butim das emendas de relator não foi digerida). Há partidos negocistas para cevar com cargos. A ver se a ameaça golpista ainda muito viva, investigações policiais, de Bolsonaro inclusive, e uma CPI mudam esse cenário.

Golpistas diversos podem se animar com uma perda de prestígio de Lula. A fim de evitar o risco, (também) o presidente precisa varrer a subversão, desbolsonarizar o país e deixar logo de bobagens na economia.


O fantasma do Mappin: Crise da Americanas lembra aspectos da falência da famosa rede paulistana, FSP

 Naief Haddad

SÃO PAULO

Caso estivesse na ativa, o Mappin, a primeira loja de departamentos de São Paulo, estaria perto de completar 110 anos.

Aberta em novembro de 1913 no centro da capital paulista, a empresa se fortaleceu nas décadas seguintes graças às vendas expressivas e ao prestígio raro –era o lugar para ver e ser visto. Porém, seu epílogo nos anos 1990 foi desolador, marcado por fraudes e endividamento crescente.

Fachada do Mappin, na praça Ramos de Azevedo, no centro de São Paulo, em 1982 - Folhapress

Sobretudo para quem já passou dos 40 anos, a crise que hoje abate as Lojas Americanas pode remeter em alguma medida ao apagar das luzes do Mappin, outrora uma gigante do varejo.

Na quarta (11), o executivo Sergio Rial anunciou que deixava o comando da Americanas apenas dez dias após assumir o cargo e apontou problemas contábeis na companhia, envolvendo R$ 20 bilhões relacionados a dívidas com fornecedores.

Em 1996, a empresária Cosette Alves, que detinha o controle acionário do Mappin desde 1982, aceitou a proposta de Ricardo Mansur, um outsider no ramo do grande varejo, pelo valor estimado no mercado entre US$ 20 e US$ 25 milhões.

PUBLICIDADE

Àquela altura, a empresa registrava prejuízos. "Foi um período extremamente difícil da economia brasileira. Tivemos estagnação da economia, inflação, juros altos, passamos por diversos planos de estabilização. Talvez, também, nós tenhamos retardado um pouco o nosso processo de reestruturação, necessário para que a loja tivesse uma melhoria na parte operacional", disse Cosette à Folha dias depois de sacramentar a venda.

Lázaro Brandão [em pé], presidente do Bradesco, observa Cosette Alves, do Mappin, e Ricardo Mansur, da United Indústria e Comércio, assinarem acordo da venda da loja de departamentos - Jorge Araújo 16.ago.1996/Folhapress

Mansur anunciou novo fôlego para a companhia, mas o que se viu foi o contrário. Três anos depois da aquisição, a empresa teve a falência decretada. Naquele momento, Mappin e Mesbla (outra rede adquirida por Mansur) deviam cerca de R$ 1,2 bilhão (R$ 9,4 bilhões em valores corrigidos) a fornecedores, bancos, funcionários, investidores, Receita Federal e governos estaduais.

"No Mappin, os indícios de fraude são gritantes", disse à Folha na época o advogado Alexandre Carmona, síndico da massa falida.

Em 2011, a Justiça condenou Mansur em dois processos criminais a uma pena de 11 anos e meio de prisão por gestão fraudulenta no Mappin e no banco Crefisul. Quase uma década depois, o empresário passou a cumprir prisão domiciliar.

Três anos atrás, um sinal de retomada. A Marabraz relançou a marca Mappin, agora no comércio online, voltada a produtos de cama, mesa e banho, além de decoração. Era uma iniciativa modesta diante do que a loja havia representado no século passado para o comércio varejista, mas ao menos mantinha a marca viva.

Hoje, porém, o endereço online tal qual foi lançado (mappin.com.br) está inativo. A reportagem procurou o departamento de marketing da Marabraz, mas não obteve resposta até a conclusão deste texto.

‘A NOSSA MACY´S’

Os derradeiros anos do Mappin não fazem jus ao que a loja representou para a vida econômica e social de São Paulo.

Aberto pelos britânicos John Mappin e John Kitching num momento em que a população da cidade não chegava a 400 mil habitantes, o Mappin logo se tornou um símbolo de elegância, principalmente para uma elite ligada ao café (fazendeiros e negociantes). A crise de 1929, no entanto, obrigou a loja a se adaptar a um novo cenário, diversificando seu público consumidor.

Manteve, contudo, a aura de sofisticação e a identidade com a cidade que se expandia. "Quando eram namorados, nos anos 1940, meus pais tinham a entrada do Mappin como ponto de encontro", conta Jaime Troiano, diretor da TroianoBranding, empresa dedicada a estratégias de marca.

Ao falar do Mappin frequentado por seus pais, Troiano se refere ao prédio em estilo art déco na praça Ramos de Azevedo, em frente ao Theatro Municipal, para onde a loja se mudou em 1939. Antes, tinha ocupado dois outros endereços: a rua 15 de Novembro, onde foi inaugurada, e a praça do Patriarca.

"O Mappin representou para os paulistanos um olhar para o Primeiro Mundo. Era a nossa Macy 's", diz o consultor, citando a loja de departamentos de Nova York, aberta em 1858. Ele se recorda especialmente das "espetaculares vitrines de Natal".

Fachada da Macy's em Manhattan, Nova York - Carlo Allegri - 19.out.2020/Reuters

"O Mappin se tornou uma referência muito forte para os consumidores, que iam ao centro paulistano para ver os lançamentos e as liquidações", afirma Eugenio Foganholo, sócio da consultoria de varejo Mixxer.

Segundo ele, Ricardo Mansur ajudou a afundar a empresa nos anos 1990, mas o declínio do Mappin havia iniciado duas décadas antes.

Para entender esse processo, diz o consultor, é preciso levar em conta que os formatos do varejo têm ciclos de vida. "No Brasil, um formato que perdurou por bastante tempo foi a loja de departamentos, na qual, sob um único teto, havia uma oferta varejista muito ampla: móveis, calçados, roupas, alimentos, eletrodomésticos, entre tantos outros".

Nos anos 1970, começaram a ganhar força novas práticas de comércio que desafiavam as lojas de departamentos. São três formatos principais que reviraram as peças desse xadrez varejista, segundo Foganholo: 1) as redes especializadas, como C&A (confecções) e G. Aronson (eletrodomésticos); 2) os shoppings, como Iguatemi e Ibirapuera; 3) os hipermercados, como o Carrefour.

"São transformações que passaram a minar as lojas de departamentos", diz o consultor. "A partir daí, o varejo começou a se deslocar do centro de São Paulo para as áreas radiais, tirando fluxo do Mappin".

Foganholo apresenta esse panorama para evidenciar as diferenças entre as crises do Mappin, que foi à falência, e da Americanas, cujo futuro é incerto. No primeiro caso, havia um novo contexto do varejo, que levou à decadência da loja –e Mansur acabou de enterrá-la. No segundo, a situação é, segundo ele, pontual: "Negócios como o da Americanas estão em crescimento, não têm tendência de desaparecer".

Crise vai, crise vem, o comércio pode fechar. Mas as marcas, quando fortes, são capazes de resistir, acredita Troiano. "As ações de Mansur afetaram o Mappin como negócio, mas não mexeram com a imagem idílica que guardamos da loja", diz o consultor, que arremata: "É a nostalgia".