segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Conselho julga nesta terça-feira três casos que podem afastar Deltan da Lava Jato, FSP



BRASÍLIA

O CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) tem na pauta de julgamento desta terça-feira (18) três casos que envolvem o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava Jato no Paraná.

Dois procedimentos foram instaurados a partir de representações enviadas aos CNMP pelos senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Kátia Abreu (PP-TO). Um terceiro, mais antigo, foi aberto a partir de reclamação da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Deltan é acusado nestes três casos de cometer diferentes irregularidades no exercício de suas atribuições como procurador da República. Como medida mais drástica, o CNMP pode afastá-lo da Lava Jato.

O julgamento causa apreensão porque o procurador-geral da República, Augusto Aras, um crítico da Lava Jato, decide nos próximos dias se prorroga ou não a designação de procuradores para atuar na força-tarefa de Curitiba.

Em recursos apresentados ao STF (Supremo Tribunal Federal) na semana passada, a defesa de Deltan pediu a suspensão dos procedimentos relativos às acusações de Renan e Kátia Abreu. O ministro Celso de Mello é o relator dos pedidos no Supremo.

O CNMP é um órgão de controle externo do Ministério Público e de seus integrantes. Entre suas atribuições está a fiscalização disciplinar.

É composto por 14 conselheiros, entre integrantes do Ministério Público, juízes, advogados e dois cidadãos indicados por Câmara dos Deputados e Senado. Quem o preside é o procurador-geral da República, cargo atualmente ocupado por Aras.

Nos últimos dias, conselheiros têm analisado a tendência do colegiado no julgamento desta terça-feira e concluído que o fato de o CNMP estar desfalcado pode ser desfavorável a Deltan. Três indicações aguardam aprovação do Senado, sendo duas de nomes pertencentes aos quadros do Ministério Público.

O ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro afirmou nesta segunda-feira (17) em uma rede social que entre as prerrogativas que a Constituição garante aos integrantes do Ministério Público está a de não ser removido. "Essa é a garantia para poder trabalhar com independência", afirmou Moro.

"O trabalho da força-tarefa da Lava Jato, coordenada por Deltan Dallagnol, é um marco para o combate à corrupção."

​Em nota divulgada na quinta-feira (13), procuradores da força-tarefa da Lava Jato manifestaram apoio a Deltan, na qual afirmaram serem “testemunhas da atuação correta, dedicada e corajosa do procurador Deltan Dallagnol”.

Para os colegas do coordenador da Lava Jato, “o que está em jogo é a capacidade institucional de proteger promotores e procuradores que trabalham contra a grande corrupção estabelecida em diversas esferas de governo no Brasil”.

Um dos itens contra Deltan na pauta do CNMP é um processo administrativo disciplinar instaurado a partir da representação de Renan, investigado na Lava Jato pela PGR. O alagoano acusa Deltan de quebra de decoro.

O parlamentar alegou que o procurador foi às redes sociais para atacá-lo e tentar interferir nas eleições ao comando do Senado em 2019 —o que configuraria ato político-partidário, vetado em lei aos integrantes do Ministério Público. Renan era candidato à presidência da Casa.

O segundo procedimento contra o procurador é fruto de representação de Kátia Abreu e tramita na forma de um pedido de providências.

A parlamentar pede que Deltan seja transferido para outra unidade do Ministério Público Federal, deixando de atuar na Lava Jato, em razão, entre outros argumentos, do grande número de reclamações disciplinares a que responde no CNMP.

O conselho incluiu também na sessão de julgamento desta terça-feira um terceiro procedimento contra Deltan. De iniciativa da defesa do ex-presidente Lula, o caso é relativo ao episódio do powerpoint, quando a Lava Jato de Curitiba concedeu entrevista coletiva à imprensa para explicar detalhes sobre a denúncia contra o petista.

Os advogados de Lula acusaram o coordenador e demais integrantes da força-tarefa de transgredir deveres funcionais ao criar constrangimento público ao ex-presidente e à ex-primeira-dama Marisa Letícia.

Deltan projetou uma imagem de powerpoint para acusar o petista de ter ligação com todos os fatos relacionados à corrupção na Petrobras.

Sob a justificativa de um grande volume de processos a serem analisados na sessão do último dia 7 de julho, o caso havia sido retirado de pauta e agora retorna.

Nos recursos ao STF, Deltan alegou que as acusações foram analisadas e rejeitadas pelo CSMPF (Conselho Superior do Ministério Público Federal), órgão de deliberação administrativa da procuradoria.

No caso de Renan, o procurador afirma que a mensagem publicada nas redes não foi ofensiva e apenas relatou a existência de investigações contra Calheiros, além de agregar uma análise de cenário sobre o futuro das reformas anticorrupção em análise no Parlamento com base nas manifestações ou atuação pretérita do senador alagoano.

Deltan já foi alvo de mais de 30 representações no CNMP, das quais um terço já foi arquivada. Parte dessas representações foi baseada em reportagens após o vazamento de mensagens trocadas por integrantes da Lava Jato no aplicativo Telegram e obtidas pelo site The Intercept Brasil.

O pacote divulgado no ano passado incluiu mensagens privadas e de grupos da força-tarefa a partir de 2015, incluindo também diálogos travados entre o coordenador da Lava Jato e o então juiz Sergio Moro.

No caso de Deltan, as mensagens trocadas pelo Telegram indicam, entre outros pontos, que o procurador incentivou colegas em Brasília e Curitiba a investigar os ministros do STF Dias Toffoli e Gilmar Mendes sigilosamente.

A legislação brasileira não permite que procuradores de primeira instância, como é o caso dos integrantes da força-tarefa, façam apurações sobre ministros de tribunais superiores.

Conforme revelou a Folha em parceria com o Intercept, Deltan também montou um plano de negócios de eventos e palestras para lucrar com a fama e contatos obtidos durante a Lava Jato.

Ele e o colega Roberson Pozzobon cogitaram abrir uma empresa em nome de suas mulheres para evitar questionamentos legais. Deltan fez uma palestra remunerada para uma empresa que havia sido citada em um acordo de delação.

Deltan e seus colegas da Lava Jato também contornaram limites legais para obter informalmente dados sigilosos da Receita Federal em diferentes ocasiões.

Os diálogos indicam que integrantes da força-tarefa do caso em Curitiba buscaram informações do Fisco sem requisição formal e sem que a Justiça tivesse autorizado a quebra do sigilo fiscal das pessoas que queriam investigar.

No caso de Moro,​ em resumo, indicou testemunha que poderia colaborar para a apuração sobre o ex-presidente Lula, orientou a inclusão de prova contra um réu em denúncia que já havia sido oferecida pelo Ministério Público Federal, sugeriu alterar a ordem de fases da operação Lava Jato e antecipou ao menos uma decisão judicial.

Nas mensagens, o ex-juiz ainda sugeriu recusar a delação do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB) e se posicionou contra investigar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Caso haja entendimento de que Moro estava comprometido com a Procuradoria (ou seja, era suspeito), as sentenças proferidas por ele poderão ser anuladas.

Isso inclui o processo contra Lula no caso do tríplex de Guarujá, que levou o petista à prisão em 2018, está sendo avaliado pelo STF e deve ser julgado ainda no segundo semestre deste ano. A relatoria é do ministro Gilmar Mendes.

Moro tem repetido que não reconhece a autenticidade das mensagens, mas que, se verdadeiras, não contêm ilegalidades.

Segundo o Código de Processo Penal, “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se “tiver aconselhado qualquer das partes”. Afirma ainda que sentenças proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas.

Já o Código de Ética da Magistratura afirma que "o magistrado imparcial” é aquele que mantém “ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito".

Grupo do PCC domina cargos e licitações da Saúde e da coleta de lixo em cidade da Grande SP, OESP

Valmar Hupsel e Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo

17 de agosto de 2020 | 10h00

Investigação da Polícia Civil de São Paulo identificou atividades de um ramo do Primeiro Comando da Capital (PCC), cujo nível de organização e penetração no poder público é semelhante ao das máfias italianas. Ela mostra que bandidos da facção não só dominaram o setor de saúde de uma cidade da Grande São Paulo, como também dominavam a coleta de lixo. E, assim, fraudavam licitações, empregavam seus protegidos no governo, ameaçavam concorrentes e até desviavam medicamentos comprados pelo município para misturar à cocaína vendida pelo grupo. 

A Operação Soldi Sporchi (dinheiro sujo, em italiano), deflagrada pelo 4.º Distrito Policial de Guarulhos, desbaratou a organização criminosa que agia em Arujá, cidade com 90 mil habitantes na Grande São Paulo. De acordo com o delegado Fernando José Santiago, o esquema tinha a participação do vice-prefeito da cidade, Márcio José de Oliveira (PRB), que chegou a ser preso no dia 30, junto com outros sete acusados de envolvimento no esquema que nasceu como uma forma de lavar dinheiro do tráfico de drogas e agregou à organização criminosa os crimes surgidos pelo domínio da administração da cidade.

Para especialistas em crime organizado ouvidos pelo Estadão, o esquema é muito semelhante ao mantido por organizações mafiosas, como a ‘Ndrangheta, a máfia de origem calabresa, hoje a mais poderosa da Europa. “Nunca havia visto nada parecido”, afirmou o promotor Lincoln Gakyia, que há mais de 15 anos investiga as atividades da cúpula do PCC. O grupo teria recebido R$ 77 milhões em contratos da Prefeitura. O acusado de liderar o grupo era Anderson Lacerda Pereira, o Gordo, um dos maiores do PCC.

Gordo está foragido. Ele manteria ligações com André Oliveira Macedo, o André do Rap, um dos maiores traficantes do PCC. Preso em 2019, André do Rap mantinha ligações com a ‘Ndrangheta para enviar droga para a Europa e com integrantes do cartel de Sinaloa, o mais importante do narcotráfico do México.

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 Anderson Lacerda Pereira, o Gordo, integrante do PCC, acusado de liderar organização criminosa em Arujá. Foto: Polícia Civil de SP

André do Rap e Gordo foram condenados pela Justiça pelo envio de toneladas de cocaína apreendidas no porto de Gioia Tauro, na Calábria, na Itália. De acordo com a polícia, Gordo é dono de um patrimônio que envolve sítios, casas, carros de luxo e embarcações. Além de políticos de Arujá, ele teria sido flagrado mantendo contatos com deputados de São Paulo. “Ele tinha o traficante colombiano Pablo Escobar como modelo. Tinha até um jacaré em uma de suas propriedades, um sítio”, afirmou o delegado.

Em Arujá, a ação do grupo começou em 2016, durante a campanha para prefeito, quando Gordo procurou o vice-prefeito da cidade, Márcio Oliveira. Gordo ofereceu a Oliveira dinheiro para a campanha do prefeito José Luiz Monteiro (MDB) em troca da promessa de, caso a chapa fosse eleita, o traficante teria o controle dos serviços de saúde e coleta de lixo da cidade. De acordo com o delegado, o bandido do PCC entregou ao candidato o dinheiro, mas o vice teria se apossado da quantia.

Após a eleição, Anderson passou a cobrar, inclusive por meio de ameaças, o cumprimento do trato. Segundo o inquérito, o vice Márcio Oliveira levou o prefeito José Luiz Monteiro a uma reunião na casa de Gordo, onde, segundo relatos colhidos pela polícia, “havia uma quantidade razoável de pessoas em postura intimidatória”. Neste encontro, ainda segundo a Polícia Civil, o prefeito teria tomado conhecimento do acordo feito por seu vice e, ao retornar à prefeitura, afirmou a auxiliares que, se o município não permitisse a entrada de pessoas jurídicas ligadas a Gordo nos contratos da saúde, “todos iriam morrer”. 

A partir daí, segundo a investigação, licitações da prefeitura passaram a ser fraudadas e direcionadas para empresas ligadas a laranjas de Anderson. A essa altura, Anderson já dominava 60 clínicas médicas e odontológicas em diversas cidades da Grande São Paulo que seriam usadas para lavagem de dinheiro. Primeiro, o traficante passou a dominar a coleta de lixo da cidade. Para tanto, o grupo de Gordo montou uma empresa - a Center Leste - e a registrou em nome de laranjas. Para vencer a licitação, a organização criminosa ameaçou outras empresas que tentaram participar da concorrência.

Em 2018, o grupo do traficante resolveu expandir seus negócios com a Prefeitura, passando a dominar dois institutos, usados como organizações sociais que deviam administrar um hospital e um posto de Saúde da cidade. Gordo não só conseguiu dominar as entidades, como empregou nelas parentes e conhecidos de pessoas ligadas à sua organização, dominando setores essenciais, como o responsável pelas compras.

“Não é exagero algum dizer que a organização criminosa é dona da Saúde de Arujá”, afirmou o delegado em seu relatório. De acordo com ele, o Hospital Maternidade Dalila Ferreira Barbosa e o posto de atendimento do Barreto “são administrados por laranjas e familiares de Anderson desde 2018”. A gestão da unidade, segundo a polícia, foi marcada por má gestão, falta de manutenção de equipamentos, desvio de recursos, atraso no pagamento de funcionários e fornecimento de comida estragada. O contrato era de R$ 17 milhões.

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Hospital Maternidade Dalila Ferreira Barbosa e o posto de atendimento do Barreto são administrados por laranjas e familiares de Anderson desde 2018, segundo a investigação. Foto: Polícia Civil de SP

Em um documento apreendido pela polícia, os criminosos resumiram o que pensavam sobre as empresas geridas pela organização: “(Se) Uma empresa agir como organização criminosa, ela tem êxito; (se) uma organização criminosa agir como empresa, estará fadada ao fracasso”.

Remédios

A investigação da Polícia Civil revelou a criação de toda uma cadeia logística que mesclava as atividades da organização dentro do Poder Público com os negócios do grupo ligados ao tráfico de drogas. Na primeira fase da Operação Soldi Sporchi, os agentes descobriram que Gordo, em 2009, havia adquirido o controle de uma indústria química para ter acesso a insumos necessários para batizar a cocaína distribuída no Estado. Assim, o criminoso conseguiria desviar lidocaína e cafeína sem despertar a suspeita da polícia.

Ao assumir o controle do setor de Saúde da cidade, a organização criminosa, segundo o delegado, manteve o “mesmo modus operandi”. “A diferença é que, em vez de adquirir o controle de uma indústria química, hoje Anderson (Gordo) assumiu o controle de unidades de saúde e de todo o serviço público de um município inteiro.” Desta forma, o bandido comprava medicamentos como morfina e opióides (drogas com efeito analgésico semelhante ao ópio) em grande quantidade e com o prazo de validade próximo do vencimento.

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Gordo, em 2009, havia adquirido o controle de uma indústria química para ter acesso a insumos e remédios necessários para batizar a cocaína distribuída no Estado Foto: Polícia Civil de SP

Pagava-se mais barato e deixava-se a droga vencer. O remédio com o prazo vencido se tornava lixo hospitalar e, assim, devia ser descartado. Mas, em vez de ser colocado pelos administradores do hospital e do posto em sacos com o lixo hospitalar, os remédios eram colocados em sacos de lixo comum, que eram recolhidos pelos caminhões da coleta de lixo dominada pelo traficante de drogas. Em vez de ir para um aterro sanitário, o material era recuperado pelos criminosos para ser misturado com cocaína trazida da Bolívia e do Peru.

Os investigadores apreenderam com um dos acusados uma receita sobre como misturar substâncias para batizar a cocaína e assim aumentar o seu peso e o lucro - nos pontos de venda da droga só 20% do total entregue aos usuários era de cocaína. Além de morfina, os investigadores detectaram o desvio do remédio Fentanest, feito com o opióide cloridrato de fentanila, além de outros medicamentos misturados ao entorpecente.

Superfaturamento 

Os policiais descobriram, por fim, que o desvio dos remédios da Saúde pública de Arujá para o tráfico de drogas não era o único crime cometido pelo grupo ao administrar o setor na cidade. Os policiais encontraram ainda indícios de superfaturamento dos contratos da saúde e de lixo na cidade em cerca de 50%.

Em documentos apreendidos pela polícia, as organizações sociais dominadas por Gordo cobravam da Prefeitura até 50% a mais do que pagavam para fornecedores ou para empresas que eram subcontratadas pela organização criminosa. “Desses 22 lançamentos, encontramos 13 registros com tais características que indicam superfaturamento, onerando os cofres públicos e alimentando a organização criminosa”, escreveu o delegado no relatório.  

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Gordo ofereceu ao vice de Arujá, Márcio Oliveira, dinheiro para a campanha do prefeito José Luiz Monteiro em troca do controle dos serviços de saúde e coleta de lixo da cidade  Foto: Polícia Civil de SP

Além de cobrar mais caro, o grupo também entregava produtos de péssima qualidade ou com validade vencida. Foi isso que foi constatado, por exemplo, quando se fiscalizou a cozinha industrial usada para fornecer comida para o hospital da cidade. Além de baratas, os policiais encontraram produtos vencidos que eram usados para fazer a comida dos doentes. O grupo de Gordo teria criado até uma padaria - em nome de laranjas - para fornecer comida para a Prefeitura.

Em razão das investigações feitas pela polícia, a Câmara Municipal da cidade abriu uma Comissão Especial de Investigações (CEI) e tomou os depoimentos do vice-prefeito e de secretário do município. Um deles confirmou as negociações com Gordo e contou que o traficante passou a cobrar as promessas feitas na campanha, ameaçando o vice-prefeito.

A polícia concluiu a segunda fase da operação e, por meio dos documentos, depoimentos e escutas telefônicas decidiu abrir novos inquéritos, pois encontrou indícios do envolvimento do grupo de Gordo com crimes diversos, “como tráfico de drogas, posse armas de uso restrito, sequestro e cárcere privado e até mesmo armazenamento de imagens eróticas infantis (pedofilia)”. 

Outro lado

O Estadão procurou o vice-prefeito de Arujá e a prefeitura do município, mas não obteve resposta. O vice-prefeito foi solto e responde hoje às acusações de lavagem de dinheiro e organização criminosa em liberdade. O prefeito não foi acusado nessa fase das investigações. A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Gordo.  

Morre Mercedes Barcha, viúva e cúmplice de García Márquez, FSP

 Sylvia Colombo

BUENOS AIRES

Quando Gabriel García Márquez (1927-2014) terminou de escrever "Cem Anos de Solidão", em 1966, ele e sua mulher, Mercedes, estavam na Cidade do México e não tinham dinheiro para enviar o manuscrito completo para a editora Sudamericana, em Buenos Aires, que havia se comprometido a publicá-lo.

Gabo contava que foi de Mercedes a ideia: primeiro enviaram uma metade com os poucos trocados que tinham. Depois, voltaram para casa, venderam os eletrodomésticos que sobravam e, com o dinheiro, enviaram o restante do livro.

Não se sabia, então, que a obra ajudaria Gabo a ganhar um Nobel de Literatura. Uma vez colocada no correio, Mercedes apenas disse ao marido, em tom de advertência: "Só o que me falta agora é que esse romance seja ruim".

Esta era uma das muitas anedotas que o escritor colombiano contava de sua mulher, sempre em tom de elogio e de homenagem. Sem ela, dizia, ele não teria conseguido construir sua obra.

Gabo e Mercedes sentados em trem olhando em direção à janela
Gabriel García Márquez e Mercedes Barcha chegam de trem a Aracataca, na Colômbia, em foto tirada em 30 de maio de 2007 - Alejandra Vega/AFP

Mercedes Barcha Prado morreu na noite de sábado (15), aos 87, na Cidade do México, onde o casal vivia há tempos. Além de companheira e cúmplice literária de Gabo, Mercedes também esteve atuante na Fundação Gabo (antes conhecida como Fundação Novo Jornalismo Iberoamericano), criada pelo marido para estimular a formação de jovens jornalistas e reunir os profissionais da América Latina.

Barcha nasceu em 1932, em Magangué, no norte da Colômbia, de uma família de origem egípcia. Tinha seis irmãos e o pai era farmacêutico. Gabo a conheceu em 1941, quando ela tinha 9 anos e ele 13, em Sucre.

O escritor havia crescido em Aracataca, com avós e tias, mas visitava Sucre com frequência, onde seus pais viveram uma época. Ambos se casaram em 1958, na cidade litorânea de Barranquilla, e tiveram dois filhos, Rodrigo e Gonzalo.

No primeiro volume de suas memórias, "Vivir para Contarla", Gabo conta que havia pedido Mercedes em casamento aos 13 anos, mas que apenas a reencontrou alguns anos depois. Na ocasião, pela primeira vez "ela aceitou um convite meu e fomos dançar no domingo seguinte no hotel do Prado". Até aí, Gabo contava ter recebido quatro "nãos" de Mercedes.

É possível conhecer mais dessa história no documentário "Gabo, a Criação de Gabriel García Márquez", de Justin Webster (Netflix).

Mercedes se abana com um leque
Mercedes Barcha, viúva de Gabriel García Márquez, em cerimônia realizada em 22 de maio de 2016 no antigo mosteiro La Merced, em Cartagena, na Colômbia - Luis Acosta/AFP

Em uma entrevista à revista "Playboy", em 1982, Gabo contou que, até fazer sucesso na literatura, o casal passou por muitas dificuldades financeiras, e que Mercedes tinha ficado com todos os afazeres da casa, da criação dos filhos às finanças domésticas, para que ele ficasse liberado para escrever.

"Ela mantinha a casa em pé, enquanto eu estava no front. Foi capaz de proezas maravilhosas", afirmou, referindo-se inclusive a empréstimos pedidos a amigos para o sustento da família. "Diariamente, ela ainda conseguia cigarros, cadernos, canetas, o que eu precisasse para escrever", resumiu Gabo.

Quando o casal viajou a Buenos Aires para o lançamento mundial de "Cem Anos de Solidão", Gabo pediu a seu editor que o pagamento pelo manuscrito fosse feito "em notas pequenas". Com isso, forrou a cama do hotel em que o casal se hospedava, para mostrar a Mercedes que o sacrifício, afinal, valera a pena, e que o romance era, de fato, bom.

A Fundação Gabo publicou a nota de pesar: "Incondicional e silenciosa, ela se manteve sempre ao lado do escritor, vivendo com ele todas as aventuras do ofício literário".

Alejandra Fausto, ministra da cultura do México, afirmou, nas redes sociais: "Era a cúmplice indiscutível de Gabo, mãe de Rodrigo e Gonzalo. Voam as borboletas amarelas", referindo-se a uma passagem de "Cem Anos de Solidão".

Em seus últimos anos, Mercedes seguia ativa tanto na Fundação Gabo como na organização do legado literário do marido.