sábado, 9 de novembro de 2019

Há cem anos, Monteiro Lobato eternizou cidade que pode ser extinta, OESP

Fernando Granato*, O Estado de S.Paulo
09 de novembro de 2019 | 16h00


Areias é uma cidade de 3,8 mil habitantes no chamado fundão do Vale do Paraíba, onde o tempo parece que parou. Os indicadores econômicos seguem na proporção inversa da maioria dos municípios paulistas, com um PIB per capita quatro vezes menor que o do Estado e a taxa anual de crescimento de 0,38%, enquanto São Paulo cresce 0,81%.
Na rua principal, calçada com pedras, um carro passa vez ou outra e os ruídos que mais se ouve são o assobio das andorinhas e a algazarra das maritacas. Antes não era assim: no auge do ciclo do café no Vale do Paraíba, em pleno século 19, a cidade já teve teatro com 300 lugares, no qual se apresentavam as mais famosas companhias de operetas do país. Teve uma população refinada, com modos e costumes afrancesados e um casario colonial que não chegava a dar inveja na então capital da República, Rio de Janeiro, mas tinha sua importância.
Ocorre que a alegria durou pouco e quando a terra se exauriu e a mão de obra ficou escassa, com a abolição da escravatura, a região entrou no mais profundo declínio. Coincide com essa época a chegada ao município de um jovem promotor público, com sobrancelhas grossas e unidas: José Bento Monteiro Lobato (1882-1948), responsável por colocar a cidade no mapa literário do país com o lançamento, em 1919, do livro Cidades Mortas.
Lobato
Ruas da cidade de Areias, eternizada no livro 'Cidades Mortas', de Monteiro Lobato Foto: Amanda Perobelli/Estadão
Formado em direito na Faculdade do Largo São Francisco, em São Paulo, em 1904, Lobato foi nomeado para servir em Areias três anos mais tarde e lá permaneceu até 1910. Nesse período, começou a se dedicar com mais afinco à leitura e a escrita, atividades para as quais já demonstrava aptidão desde os tempos de estudante. Mas ainda de forma amadora e desordenada. 
Para fugir da monotonia e da falta do que fazer, Lobato leu naqueles três anos em Areias praticamente tudo de importante que se produzira no mundo. Brincando com amigos, chegou a comentar: “Em Areias recomeçarei com a leitura, porque é impossível que haja lá criminosos que deem trabalho a um promotor”. Nesse percurso, encontrou matéria prima para sua futura literatura, na decadência da terra e do homem que ali habitava. 
Em carta de 2 de dezembro de 1907 a sua futura mulher, Maria Pureza da Natividade de Souza e Castro, a “Purezinha”, Lobato já reclamava do que sentia naquele lugar onde nada acontecia: “Que dose enorme de energia e paciência é preciso se ter para suportar o peso esmagador de um dia como o de hoje, chuvoso, quente, vazio, horrível.” Em outra correspondência, do dia 13 do mesmo mês, o jovem promotor falou novamente do tempo que não passava: “Tenho atordoado os meus dias por todas as formas, que é esse o melhor meio de enganar a insuportável lentidão em que eles correm”.
Monteiro Lobato
Escrivaninha em que Monteiro Lobato produziu 'Cidades Mortas' Foto: Amanda Perobelli/Estadão
Ainda em 1907, em carta ao amigo ao amigo Godofredo Rangel, Lobato mencionou pela primeira vez a intenção de escrever alguma coisa sobre a cidade em que estava morando, inspirado nos relatos do escritor Euclides da Cunha, que vinha de publicar seu clássico Os Sertões (1902), sobre o homem sertanejo e a Guerra de Canudos.
“Areias, Rangel! Isto dá um livro à Euclides (e, por falar, Euclides passou uns tempos aqui, ocupando exatamente o quarto que é o meu). Areias, tipo de ex-cidade, de majestade decaída. A população de hoje vive do que Areias foi. Fogem da anemia do presente por meio duma eterna imersão no passado.”
Em outro momento, reconsiderou e achou que dali não sairia literatura possível: “Desta Areias onde apodreço há três meses nem o gancho dum Shakespeare tirava sequer um título de drama”, disse em outra carta.
Em 1911, Lobato herdou uma fazenda do avô paterno, o Visconde de Tremembé, também no Vale do Paraíba, e lá viveu por um curto período, tentando tornar a propriedade produtiva. Desavenças com funcionários e decepções com o mundo rural, entretanto, o fizeram vender as terras sete anos depois. Com o dinheiro, comprou a Revista do Brasil, em São Paulo, na qual publicou seus dois primeiros livros: Urupês (1918) e Cidades Mortas (1919).
Em Urupês, trouxe a público o personagem que desenvolvera na temporada rural, como dono de fazenda: o “piolho da terra”, preguiçoso caipira mais preocupado em causar queimadas do que produzir. Surgiu ali o famoso Jeca Tatu.
Já em Cidades Mortas, valeu-se das anotações de Areias para falar da decadência daquela região do Vale do Paraíba, depois da saída do café. Já na abertura de uma das histórias, utilizou os rascunhos do tempo de promotor para fazer paralelo com uma cidade imaginária chamada Oblivion. “A cidadezinha onde moro lembra soldado que fraqueasse na marcha e, não podendo acompanhar o batalhão, à beira do caminho se deixasse ficar, exausto e só, com os olhos saudosos pousados na nuvem de poeira erguida além”.
Em outro conto do livro, que deu título a todo o volume, Lobato falou não só de Areias, mas do conjunto de cidades “moribundas” que se localizam na “depressão profunda que entorpece boa parte do chamado Norte” de São Paulo. “Ali tudo foi, nada é”, escreveu. “Não se conjugam verbos no presente. Tudo é pretérito”.
O livro logo alcançou grande repercussão e tornou seu autor figura nada bem vinda naquela região. “A expressão ‘Cidades Mortas’ gerou grande polêmica”, disse Marisa Lajolo, professora da Universidade Mackenzie e organizadora de Monteiro Lobato, Livro a Livro (Editora Unesp/2014), que reúne artigos que analisam a obra adulta do criador do Sítio do Picapau Amarelo. “Como se vê, desde seus primeiros livros, ele foi polêmico. Talvez hoje se possa pensar que essa é uma de suas grandes qualidades. E uma boa razão para lê-lo neste tempo nosso de certezas tão monolíticas.” 
*FERNANDO GRANATO É AUTOR DE 'O NEGRO DA CHIBATA' E DA SÉRIE 'MEMÓRIAS DO SERTÃO', SOBRE GUIMARÃES ROSA

Colunistas do 'Estado' relembram a queda do Muro de Berlim, OESP

Redação, O Estado de S.Paulo
09 de novembro de 2019 | 06h00

Há 30 anos, no dia 9 de novembro de 1989, caia o Muro de Berlim, estabelecendo também o fim da divisão entre capitalismo e socialismo que marcou o século 20. Dois colunistas do EstadoWilliam Waack e Helio Gurovitz, relembram suas coberturas do evento que mudou o curso da história. 

Queda do Muro mudou a ordem que Trump agora tenta sepultar (William Waack)

Foi uma cobertura do meu ponto de vista pessoal espetacular. Não que ela tivesse sido a cobertura espetacular, mas participar de um movimento histórico desses, do qual as pessoas ainda hoje falam para mim foi uma das grandes experiências profissionais e pessoais da minha vida.
As pessoas me conhecem hoje muito mais por eu ter sido apresentador de TV, mas o que eu mais fiz foi ir à rua cobrir coisas como, por exemplo, a queda do Muro de Berlim.
E eu usei um velho truque de repórter: como eu falo alemão, tinha morado na Alemanha e sido correspondente do Estadão, eu peguei um taxi e fui na Alemanha Oriental buscar pessoas que queriam visitar alguém na Alemanha Ocidental. E oferecia carona pra eles. No caminho eu vinha entrevistando o pessoal. Então eu registrava a primeira emoção de um alemão-oriental ao passar o muro da morte, que era um muro que se a pessoa tivesse coragem de tentar transpor acaba fuzilada, como aconteceu em dezenas de casos.

Muro de Berlim
Na noite da queda do Muro, as pessoas abriam garrafas de bebida para celebrar o fim de um mundo que estava dividido desde o final da 2.ª Guerra Foto: Jockel Finck / AP
Isso me proporcionou como repórter a extraordinária possibilidade de ver a psicologia daquelas pessoas, como que elas reagiam diante daquele fato histórico. Foi realmente uma daquelas coberturas que a gente, como jornalista, costuma dizer que foi emocionante.
Eu tinha como repórter na ocasião dois problemas: um era tentar abordar em uma linha de trabalho o que eram as evidentes, enormes consequências políticas daquilo, e que a gente está vivendo até hoje - ou seja, a ordem internacional criada com o fim do império soviético na Europa e a reunificação das Alemanhas, isso explica a ordem liberal que começa no fim da 2ª Guerra e termina agora com Trump.
O outro problema era evidentemente o aspecto humano de tudo aquilo. Quando a gente fala da divisão da Europa, não estamos falando apenas, embora também, de uma questão geopolítica. Estamos falando do destino de milhões de pessoas, como que elas se sentiam diante daquela brutalidade. Eu tentei explorar essas duas linhas de forma paralelas nas reportagens enviadas de Berlim para São Paulo.
Sobre a ascensão do nacionalismo hoje, particularmente na Alemanha, vejo como uma questão preocupante já que a Alemanha supera uma divisão artificial, mas reforça os regionalismos que levaram em boa parte à imobilidade da Angela Merkel - ela tem uma dificuldade muito grande de falar hoje numa totalidade de um eleitorado.

Muro de Berlim
Alemães do leste e do oeste se unem para celebrar o fim do país dividido Foto: AP
As ilusões da queda do muro se dissiparam com certa rapidez e entrou no lugar daquilo uma noção muito realista de duas Alemanhas: uma Alemanha de primeira classe, tradicional, ocidental, e uma Alemanha de segunda classe. E é essa noção de ser habitante de um país que é considerado subjetivamente de segunda classe que explica em boa medida o sucesso de grupos que no espectro político alemão nunca tiveram grande lugar, como o Alternativa para a Alemanha (AfD), que tem uma postura quase asquerosa, de repulsa ao outro e que explora alguns veios profundos que são desagradáveis.
O outros aspecto é o da Europa. A Alemanha volta a ser o centro da Europa, volta a ser a principal potência, não só do ponto de vista econômico, mas por suas questões afetarem todo bloco e, portanto, todo o relacionamento da chamada ordem liberal internacional, que o Trump está sepultando agora.
É o fim de uma época, sem dúvida, o que estamos vendo agora.  

Nenhum muro é capaz de conter a força da liberdade (Helio Gurovitz)
Como era duro! Parecia uma rocha. Para um fracote como eu, foi dificílimo arrancar um pedaço do Muro de Berlim, ainda de pé nas duas vezes em que visitei a cidade nas primeiras semanas de 1990. Não bastavam a marreta e o formão pontiagudo, emprestados de alguém mais precavido. Não adiantava bater com força. Nada parecia fazer ceder a mistura resistente de concreto e ferragem, engendrada com capricho pelos alemães-orientais. 
Da primeira vez, até arranquei uma lasca da superfície coberta de pichação (pedaço mais valioso). Da segunda, só depois de muito esforço soltei uma pedrinha do concreto. Se ninguém jogou no lixo, estão ambas guardadas nalgum lugar aqui em casa.
São a prova, com a foto tirada por uma amiga, de que também fui um Mauerspecht. Se alguém vier com aquela conversa de que o muro imaginário sempre foi maior e mais forte que a barreira física, bem, na certa é porque jamais teve de derrubar o muro de verdade.

Muro de Berlim
A emigração em massa para o oeste ou para o exterior de jovens adultos no início dos anos 1990 fez com que caísse a taxa de natalidade no leste Foto: Udo Weitz / AP
Àquela altura, já era só um símbolo. Estava cheio de buracos, nalguns trechos começava a ser demolido. Num subúrbio, dava para passar de um lado ao outro sem ninguém dar bola. Ainda havia Alemanha Oriental, mas todos sabiam que não duraria. Wiedervereinigung – reunificação – foi a primeira palavra nova que aprendi em alemão naquele tempo. Ninguém falava noutra coisa. 
Para quem vinha da Alemanha Ocidental, a viagem até Berlim ainda era uma aventura. Desde 1971, um acordo estabelecera os quatro caminhos que carros ocidentais poderiam usar para chegar ao enclave capitalista de Berlim Ocidental. Também era possível ir de trem. Da primeira vez viajei de ônibus, vindo do Sul da Alemanha.
Quando ele atravessou a fronteira entre Rudolphstein e Hirschberg, era flagrante o contraste da Autobahn ocidental com a estrada oriental, vigiada de ambos os lados, entradas e saídas fechadas, cercas de arame farpado em vários trechos. Em vez da pista dupla sem limite de velocidade, uma via de duas mãos, ultrapassagens raras e difíceis. Era preciso rodar abaixo de cem por hora. O asfalto tinha qualidade lastimável, cheio de buracos.
No meio do caminho, só era permitido parar numa loja duty free, onde comprei duas garrafas de vodca polonesa, pelo que lembro à pechincha de cinco marcos ocidentais cada uma. Para entrar em Berlim Ocidental, o ônibus cruzava a passagem de Drewitz conhecida como Checkpoint Bravo (irmã da Checkpoint Alfa, entre Helmstedt e Marienborn, usada por quem entrava na Alemanha Oriental vindo de Colônia, e da célebre Checkpoint Charlie dos romances de espionagem, entre as duas metades de Berlim).
A metrópole estava em transe. O clima de festa contaminava o festival de cinema, as discotecas subterrâneas do Ku’damm, os concertos da Filarmônica, as cervejarias de Charlottenburg. A Disneylândia, claro, estava do lado de lá, em Berlim Oriental.
Para entrar, o turista era obrigado a fazer um câmbio extorsivo no controle fronteiriço, instalado na única estação de metrô que continuava a conectar as duas metades da cidade depois da divisão: Friedrichstraße. Eram, se não falha a memória, 25 marcos à taxa de um para um. 

Muro de Berlim
Mais de 70% dos alemães consideram, de acordo com uma pesquisa recente, que continuam existindo "diferenças muito grandes" entre as duas partes do país Foto: Lionel Cironneau / AP
Em troca, o visitante recebia um carimbo da Alemanha Oriental no passaporte e notas que lembravam o dinheiro do Banco Imobiliário (até hoje guardo de lembrança uma de cinco marcos orientais). No lado socialista, o papel que nada valia de repente ganhava valor. Na Alexanderplatz, dava para comprar por nove pfenig um currywurst que do lado de cá não saía por menos de um marco.
A cerveja não era ruim. Mas, depois de visitar Nefertiti no Pergamon, dar uma volta por Unter den Linden, admirar as foices e martelos espalhadas pelos edifícios imponentes do governo, ver onde Bruce Springesteen tinha reunido milhares num show histórico, ninguém tinha muito mais o que fazer por lá. Os filmes, as discotecas, as orquestras, até as compras na KDW, tudo de interessante estava do lado ocidental – inclusive a chance de arrancar um pedaço do muro, ainda de pé.
Ele tinha começado a cair no ano anterior. Não em 9 de novembro, data que entrou para a história, mas premonitoriamente no dia 11 de setembro, quando foi aberto o primeiro rombo na Cortina de Ferro. Naquele dia, a Áustria retirou o arame farpado da fronteira com a Hungria, e milhares de alemães-orientais que passavam férias no país vizinho decidiram atravessar para o Ocidente.
Nos meses seguintes, outros buracos foram abertos. A embaixada alemã em Praga, na então Tchecoslováquia, começou a receber um fluxo enorme de refugiados buscando asilo. Cidades como Leipzig ou Dresden foram tomadas por protestos, aos gritos de “Gorbi! Gorbi!”, homenagem a Mikhail Gorbátchov. Organizações políticas, como o partido Novo Fórum, começaram a ganhar forma.

Muro de Berlim
Dois guardas da Alemanha Oriental fazem patrulha no Muro de Berlim. Ao fundo, o Portão de Brandemburgo. Foto: AP Photo/Jockel Finck
Quando o porta-voz Günther Schabowski anunciou por engano, na noite de 9 de novembro, que os alemães-orientais poeriam deixar o país sem autorização a partir daquele momento, parecia um mal-entendido. Dali a poucos minutos, foi impossível conter a onda humana que derrubou o muro. Viajando de trem no lado ocidental nas semanas seguintes, era comum encontrar jovens alemães-orientais que conheciam o próprio país pela primeira vez.
A mesma fronteira com a Áustria voltou a ser fechada em 2015 pela Hungria, para evitar a entrada de refugiados sírios em seu território. Como todo o Leste Europeu, o território da antiga Alemanha Oriental se tornou terreno fértil para a xenofobia, onde o nacional-populismo floresce no solo arado pelo comunismo.
Berlim não. Dividida ao meio por 28 anos, reunificada há 30, voltou a ser a metrópole cosmopolita de Albert Einstein e Bertolt Brecht, Marlene Dietrich e Fritz Lang, Schoenberg e Gropius. Traz, nos destroços do nazismo e do comunismo, a lição mais necessária para o mundo de hoje: nenhum muro contém a força da liberdade.

O STF e o pacto de 2022, João Domingos, OESP

08 de novembro de 2019 | 18h24

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibir a prisão após condenação em segunda instância tem tudo para se tornar um marco na História do País. Por alguns motivos em especial. Um, porque foi - e continuará sendo - um teste para se medir a força das instituições pilares da sustentação do Estado Democrático de Direito. Mesmo sob forte pressão para que mantivesse a jurisprudência de 2016, a favor da prisão, a Corte não se intimidou. A sessão foi transmitida ao vivo pela TV e quem quis pôde ver em detalhes como se comportou cada ministro. Goste-se ou não do resultado, ele está aí.
O motivo número 2 que fará com que o julgamento entre para a História existe porque, embora se trate de uma questão técnica - se um artigo do Código de Processo Penal é compatível com a Constituição -, o resultado principal foi político. Daqui para a frente começa a ser montado o palco da eleição presidencial de 2022. Agora, com todos os personagens que, de alguma forma, movimentarão as forças políticas do País, ou na frente de alguma chapa, ou nos bastidores.
O ex-presidente Lula, motivo de toda a barulheira em torno do julgamento, passa a ter liberdade de locomoção para continuar a fazer aquilo que sempre fez, e que não deixou de fazer nem na cadeia, que é política. Se será candidato ou não, isso é outra coisa. Lula está enquadrado na Lei da Ficha Limpa e, caso o STF não anule sua sentença, o que, se não é impossível, é muito difícil, não poderá se candidatar. Mas poderá percorrer o País para fazer campanha por um candidato do PT. Quer dizer que vencerá a eleição, como venceu com Dilma? Necessariamente não. Hoje a situação é muito diferente da de 2010. A rejeição ao PT é maior. Ninguém deve se esquecer que o processo de corrupção que arruinou o partido é recente, está na memória do eleitor e fez nascer novas forças políticas no País, uma delas no poder com Jair Bolsonaro. Mas o peso de Lula é grande.
Outro personagem que pode ser resgatado, embora no momento se encontre um pouco apagado, é o ministro da Justiça, Sérgio Moro. É possível que a decisão do STF reacenda a lembrança de que foi Moro que condenou Lula no processo do triplex do Guarujá. Não só Lula, mas dezenas de empresários até então intocáveis, dirigentes de partidos, parlamentares e burocratas de estatais. Não se deve esquecer ainda que foi Moro o maior responsável pelo impeachment de Dilma Rousseff. Ele divulgou o grampo de uma conversa entre Dilma e Lula, na qual a então presidente da República mandava a seu mentor o termo de posse na Casa Civil, o salvo-conduto para que não fosse preso. Tal grampo levou o ministro Gilmar Mendes a proibir a posse de Lula. Sem cargo no governo, Lula não pôde fazer nenhuma articulação política para salvar Dilma, que logo teria o mandato cassado.
A respeito de Moro, Jair Bolsonaro aproveitou ontem cerimônia de formatura de policiais federais para dizer que se não fosse o ex-juiz de Curitiba ele não estaria ali como presidente da República. “Parte do que acontece na política do Brasil devemos a Sérgio Moro”, afirmou. Nada mais verdadeiro. Para, em seguida, dizer essa frase enigmática, que pode ser interpretada de várias maneiras: “Ele (Moro) estava cumprindo uma missão. Se a missão não fosse bem cumprida eu também não estaria aqui”. Bolsonaro é outro personagem político que tende a se manter em evidência por causa da decisão do STF. Ainda encarado como o “anti-PT” e o “anti-Lula”, ele vai aguardar a forma como se comportará o ex-presidente. Se Lula radicalizar o discurso, ficará à vontade para também radicalizar o seu e tentar tirar o mesmo proveito do antagonismo com os petistas que tirou na eleição de 2018.