quinta-feira, 2 de maio de 2019

Grandes mudanças nas relações de trabalho, Celso Ming, OESP



O desemprego é uma experiência tão traumática que tende a deformar a percepção das pessoas sobre tudo quanto diz respeito ao tema. Especialmente num momento histórico, como o de agora, em que a própria relação de trabalho, tal como se conhece, está em forte mutação.
Uma dessas deformações, observa o especialista em Economia do Trabalho Hélio Zylberstajn, em artigo recente no jornal Valor Econômico, é a de que a sociedade tende a tratar o emprego com uma visão maniqueísta. É a que vê tudo apenas em branco e preto, incapaz de considerar os inevitáveis tons de cinza. Emprego bom só é aquele que proporciona carteira de trabalho assinada, com todos os direitos trabalhistas a ela associados como férias, 13.° salário, plano de saúde, etc. Outras formas de ocupação, como o trabalho terceirizado, ocupações por conta própria e prestações de serviços temporários são todas, empurradas para dentro do mesmo balaio, o do trabalho precário.
Trabalho informal
As novas tecnologias e o uso crescente de aplicativos vêm criando novas ocupações, que dispensam contrato com um empregador Foto: Marcos Müller/Estadão
E, no entanto, 11,1 milhões de trabalhadores brasileiros não têm emprego com carteira assinada (estão no trabalho informal) e operam como autônomos, prestadores de serviços intermitentes ou sazonais. As novas tecnologias e o uso crescente de aplicativos vêm criando novas ocupações, que dispensam contrato com um empregador. É o caso dos motoristas do Uber, do 99 e do Cabify; das locações proporcionadas pelo Airbnb; dos motoqueiros do iFood e de grande variedade de prestações de serviços, como os de cuidadores de idosos, enfermeiros particulares, personal trainers, passeadores de cães e maridos de aluguel.
Em algumas localidades, as autoridades vêm tentando enquadrar as novas ocupações a um vínculo qualquer de emprego, mais como forma de salvar do desaparecimento algumas atividades tradicionais, como a dos taxistas ou a da rede hoteleira de baixo custo, do que de proporcionar proteção trabalhista adequada a esses novos profissionais. Mas a grande proliferação dessas novas atividades tende a atropelar iniciativas desse tipo. Como observa outro especialista da área, o professor da Universidade de São Paulo José Pastore, “se hoje são 25% os que vivem do trabalho flexível, dentro de dez anos, ou menos, serão 50%”.
Muitas vezes, os trabalhadores tiram seu sustento de ocupações fragmentadas, de grande mobilidade de locais e tipos de serviços, de maneira que é praticamente impossível determinar. Como atesta Pastore com base em pesquisa recente, essas não são apenas novidades impostas pela vida moderna, digamos assim, mas aspiradas por pelo menos 55% dos jovens brasileiros. Estes preferem trabalhar por conta própria e, assim, abrir mão dos direitos trabalhistas do que se sujeitar a horários fixos e às regras impostas por um contrato de trabalho padrão.
É uma realidade que se sobrepõe a outra aspiração crescente entre a população de baixa e média rendas, que é a de deixar de procurar um emprego convencional e tomar a iniciativa de exercer certo tipo de empreendedorismo.
Essa não é uma tendência apenas brasileira. No mundo inteiro, a tecnologia da informação, a automação e as novas arrumações do sistema de produção estão produzindo transformações importantes nas relações de trabalho.
As consequências são de enorme importância econômica, política e social. Os sindicatos e os acordos coletivos, por exemplo, saem enfraquecidos, até mesmo porque já não dispõem nem dos portões nem dos chãos de fábrica para mobilizar a companheirada. O financiamento dos sistemas de previdência baseados na contribuição do empregado e do empregador tende a definhar, as leis e as regras de proteção ao trabalhador estão sendo fortemente questionadas.
Diante disso, a atitude prevalecente até aqui de denunciar a “precarização” do trabalho sob o olhar conivente ou omisso das autoridades não leva a lugar nenhum, porque ignora o fenômeno mais poderoso, que é a irreversível transformação das relações de trabalho no mundo inteiro.
O que precisa ser feito é, em primeiro lugar, aceitar as mudanças e, em segundo, ajustar as leis trabalhistas e as demais instituições de proteção do emprego a essa nova realidade, de maneira a assegurar não propriamente o emprego tal como conhecido, mas ocupação à população.
Também não dá para ignorar todo o sistema de ensino de treinamento. A escola não pode mais se limitar a formar mão de obra para o exercício de ocupações convencionais do mercado de trabalho. Têm de dar acesso à tecnologia de ponta e, mais do que tudo, têm de ensinar a aprender.

PRB vai mudar de nome e virar ‘Republicanos’, OESP

Renata Agostini, O Estado de S.Paulo
02 de maio de 2019 | 05h00


BRASÍLIA - Criado em 2005, quando abrigou José Alencar, então vice-presidente de Luiz Inácio Lula da Silva, ainda no início da era PT, o PRB quer deixar para trás a aliança com a esquerda e se posicionar como opção para o eleitorado conservador. A legenda, que construiu nos últimos anos uma das maiores bancadas no Congresso, passará a se chamar somente “Republicanos” e se denominará, daqui para a frente, um partido de centro-direita.
A classificação é calculada. O partido quer criar um movimento independente do bolsonarismo, que é descrito como um exemplo de uma direita “radical”. As linhas de trabalho, porém, serão as mesmas de Jair Bolsonaro na campanha vencedora do ano passado: os Republicanos serão conservadores nos costumes e liberais na economia. A diferença, dizem, é que o discurso será menos extremado e haverá mais convicção no liberalismo.
Marcos Pereira
Marcos Pereira, vice-presidente da Câmara Foto: Dida Sampaio/Estadão
Diferenciar-se de outras siglas que militam no campo conservador, especialmente do PSL de Bolsonaro, atende a uma estratégia: a legenda  já mira em 2022. O plano é aumentar o número de prefeitos e vereadores no ano que vem de forma significativa para, se possível, ter um nome competitivo na próxima disputa presidencial. “Não mudaremos só de nome. Mudaremos de postura. Estamos preparando o partido agora para os próximos 15 e 20 anos”, diz o deputado Marcos Pereira (SP), vice-presidente da Câmara e presidente nacional do PRB desde 2011.
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O partido vem crescendo a cada eleição. Passou de 54 prefeitos em 2008 para 106 em 2016. No mesmo período, o número de vereadores saltou de 780 para 1.604. A bancada na Câmara tem hoje 31 deputados federais e é a oitava maior da Casa, à frente de legendas tradicionais como o PSDB e o DEM.
Na avaliação da cúpula, porém, para dar um salto daqui em diante seria preciso dar ideologia à sigla, que tinha um programa generalista. Isso ficou claro, segundo Pereira, já em 2016, onde a busca por um nome de fora da política apareceu nas eleições municipais, sinalizando o desgaste das siglas tradicionais.
No fim de 2017, Pereira montou então um grupo para estudar qual seria a cara do “novo PRB”. Era preciso se distanciar de siglas vistas como “fisiológicas”. Faltava identidade ao partido, que tinha histórico de participar de administrações variadas.
Histórico. A sigla foi fundada em torno de José Alencar, empresário que foi vice de Lula em seus dois mandatos. Compôs o ministério dos dois governos de Dilma Rousseff – até ser o primeiro aliado a apoiar o impeachment. E finalmente embarcou no governo Michel Temer, ocupando um ministério.
Ao mesmo tempo, ficou conhecido como o “partido da Igreja Universal”. A sigla tem número grande de candidatos egressos da denominação religiosa, liderada pelo bispo Edir Macedo. Com o crescimento da legenda, a participação de católicos e outros evangélicos aumentou de forma significativa, mas a ligação com a Universal permanece – Pereira, por exemplo, é bispo licenciado. 

quarta-feira, 1 de maio de 2019

Um modelo para as damas, Leandro Karnal ,OESP

Há imensos silêncios sobre o feminino e o poder num mundo que ainda precisa repensar valores

Leandro Karnal, O Estado de S. Paulo
01 de maio de 2019 | 02h00
A presidência de uma república, como concebemos hoje, foi reinventada no fim do século 18. Na esteira da revolução americana, o novo país adotou o modelo antes restrito a poucas cidades italianas e áreas menores. Era um fato notável e implicava adaptações. Uma delas foi como tratar o seu líder, o chefe do Executivo. Para evitar associação com monarquia ou concentração de poderes, usou-se, depois de muito debate, a fórmula Mr. President, Senhor Presidente. Era respeitoso, mas prosaico, lembrando a quem estivesse no cargo sua origem como cidadão comum.
Das muitas coisas que foram levantadas naquele debate, não passou pela cabeça dos pais-fundadores a ideia de mulheres na presidência da República. Embora Abigail Adams tivesse escrito ao marido: remember the ladies, na hora de fazer leis inclusivas no novo país, ninguém sonhava com cidadania plena para elas, quanto mais colocá-las no topo do poder político. De fato, até hoje, os EUA nunca tiveram uma presidente. 
Foi apenas no século 19 que movimentos sufragistas espocaram. Obtiveram ainda mais força no século 20. Mulheres ganharam direitos políticos, mas ainda nem sequer eram cogitadas à presidência pela maioria votante. A primeira mulher eleita para cargo executivo máximo foi na República de Tuva, em 1940 (Khertek Anchimaa-Toka).
No nosso continente, tivemos mulheres presidentes na Argentina (duas vezes), Nicarágua, Panamá, Guiana, Costa Rica, Chile e Brasil. Houve interinas na Bolívia, Haiti e Equador. No cargo de primeira-ministra, alguns exemplos notáveis: Índia, Alemanha, Israel e, recentemente, Nova Zelândia. Rainhas não contam, pois não foram eleitas e fogem ao nosso levantamento parcial. Ainda assim, soberanas foram notáveis na Rússia, Havaí e Inglaterra. Mesmo que a política não seja mais um lugar exclusivamente masculino, está bem longe de ser um campo do feminino. O debate que houve no Brasil recente sobre o gênero da palavra presidente mostra que o tema do empoderamento feminino é pouco usual para muitos. 
Em um universo dominado por cargos masculinos, surge a figura republicana mais comum: a primeira-dama. É uma quase “instituição curiosa”, pois seu pressuposto é o de uma mulher que não tenha carreira, apenas acompanhe o marido em eventos públicos. Espera-se que seja simpática, fale pouco, corte fitas e dê apoio ao eleito. Deve gerenciar instituições beneméritas, promover atividades caritativas e, acima de tudo, claro, ser e parecer honesta, como convém à mulher de César. 
Os norte-americanos amaram Eleanor Roosevelt, Jackie Kennedy (enquanto foi Kennedy), Barbara Bush e Michelle Obama. Nem sempre tiveram relação simpática com Hillary Clinton. No mundo, há as internacionalmente atacadas: Imelda Marcos e Elena Ceausescu. 
No Brasil, o título foi inaugurado pela esposa do Marechal Deodoro, Mariana Cecília de Sousa Meirelles da Fonseca. O mundo elitizado da capital da República se encantou com o casamento de Nair de Tefé com o presidente Hermes. Ela era uma mulher talentosa, pioneira na arte da caricatura e pianista que escandalizava os palacianos tocando maxixe. A esposa de Getúlio, Dona Darcy, criou a Legião Brasileira de Assistência (LBA), que, no começo, era voltada aos familiares dos nossos expedicionários. Nos “anos dourados”, dona Sara, esposa de JK, foi muito louvada. Os atritos do casal nunca chegaram à grande imprensa. A mulher de Jango, Maria Teresa, era destacada pela beleza. A imagem de Costa e Silva no hospital com sua esposa ao lado (a curitibana Iolanda) comoveu muita gente. Era um modelo esperado de devoção matrimonial. Ruth Vilaça Correia Leite Cardoso (esposa de FHC, a única que de fato conheci, pois foi minha professora) era uma intelectual respeitada e detestava o título de primeira-dama. Talvez seja a preferida da classe média brasileira. Dona Marisa Letícia pouco falou em oito anos. Sua sucessora foi lembrada pela tatuagem com o nome do marido na nuca. A atual primeira-dama, Michelle Bolsonaro, causou excelente impressão inicial com seu discurso em Libras. 
Houve esposas que “quase” alcançaram o título. Alice era mulher do presidente cuja posse o movimento de 1930 impediu: Júlio Prestes. Em 1969, Mariquita Aleixo seria primeira-dama, porém, os militares acharam melhor que o vice não seguisse a Constituição. Importante trazer à memória o nome de Risoleta Neves, mulher de grande equilíbrio em meio a crises. O tamanho da crônica não permite citar todas. 
Tudo o que eu falei antes evidencia um mundo ainda precisando repensar valores. As mulheres dos presidentes são lembradas, dominantemente, por serem bonitas ou não, simpáticas ou não, tatuadas ou não e bem menos se foram pessoas autônomas. Ao lado dos fatos isolados que alcançaram a mídia, existem imensos silêncios sobre o feminino e o poder. A própria memória de tudo já mostra opções de gênero a serem repensadas. Independente da beleza, simpatia ou discrição: ainda existe um mundo para uma primeira-dama? A opção política de um marido deve envolver a esposa necessariamente? Seriam funções cerimoniais inócuas ou seria o símbolo de perpetuação de um domínio já insustentável na prática? Uma primeira-dama seria um mau exemplo para as meninas que pensam em carreira e autonomia ou algo que devemos preservar?
A própria palavra “dama” implica o controle aveludado do cavalheirismo? Por fim, lembremos de Gauthier Destenay, casado com o primeiro-ministro de Luxemburgo, Xavier Bettel, que posou para fotos e participou de atividades ao lado de outras primeiras-damas em reuniões atendidas por seu marido. São boas questões para o debate. É preciso ter esperança.