sexta-feira, 1 de junho de 2018

Pressão sobre política de preços, após greve, levou à queda de Parente, FSP


Julio WiziackTalita Fernandes
BRASÍLIA
A pressão por mudanças na política de preços da Petrobras, agravada com a greve de caminhoneiros que paralisou o país por dias, levou à saída do presidente da empresa, Pedro Parente, anunciada nesta sexta (1º).
No Congresso e no governo cresciam os apelos para que a estatal praticasse uma política mais flexível de reajustes de preços —não só para o diesel mas também para a gasolina e o gás de cozinha.
Na quinta (31), Parente se reuniu em São Paulo com o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia.

Integrantes da equipe de Temer que acompanhavam as conversas afirmavam que Parente só aceitaria essa mudança se a Petrobras fosse ressarcida pelas variações diárias do dólar e do petróleo durante o mês em que os preços ficarão fixos.
Caso contrário, ainda segundo eles, Parente disse a Temer que deixaria o cargo.
No governo, o presidente da Petrobras era chamado de "cabeça-dura".
Isso porque Temer considera que o fim dos subsídios da ex-presidente Dilma Rousseff —e que levaram a petroleira a uma grave crise financeira— já foi suficientemente compensado com a política de atualização diária dos preços, que vigora desde julho de 2017. A Petrobras agora é lucrativa e viável.
Por isso, antes da greve, Temer já vinha discutindo com Pedro Parente flexibilidade na política da estatal diante da alta elevada dos preçospara a população.
Mesmo assim, o governo diz que Parente se recusava a entender que era preciso dar uma folga. Ministros próximos a Temer criticavam a inflexibilidade do executivo especialmente porque, para eles, Parente "esteve do outro lado do balcão".
Ele foi ministro-chefe da Casa Civil entre 1999 e 2003 (governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso) e liderou o grupo que, naquela ocasião, enfrentou a crise do apagão elétrico.
Essa tensão atingiu o ápice no final de quarta-feira (23). Para tentar aplacar a greve dos caminhoneiros, que protestavam pelo preço elevado do diesel, o governo propôs inicialmente zerar a Cide(Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) —R$ 0,05 por litro. Os recursos sairiam do projeto da reoneração da folha de pagamento, que tramitava no Congresso.
No final da tarde de quarta (23), o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) expôs publicamente a situação.
"Esta política (de preços) deu à Petrobras a condição que ela tem. Agora chegou o momento em que o presidente Michel Temer resolveu fazer com que nós analisássemos de novo o que nós temos que fazer em relação a isso", afirmou Padilha.
O chefe da Casa Civil lembrou que Parente ocupa "um cargo de confiança do presidente da República", levantando dúvidas sobre sua permanência no comando da estatal. Questionado, Padilha negou a demissão de Parente.
A Petrobras respondeu cerca de uma hora depois com um desconto de 10% no diesel nas refinarias durante 15 dias. Parente disse que era "um sinal da boa vontade da empresa" para que o governo tivesse tempo para negociar com os grevistas. Reforçou que se tratava de uma decisão da companhia e que ela não comprometia a política de preços.
No dia seguinte, reforçou sua posição para Temer: caso houvesse qualquer alteração na política de reajuste —sem que a estatal fosse compensada por isso— entregaria o cargo.
Na sequência, o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, anunciou, em entrevista à Folha, que o governo estuda a criação de um "colchão" permanente para subsidiar a Petrobras, que passará a fazer repasses mensais de preço de combustíveis, incluindo a gasolina.
Na segunda-feira (28), o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, apressou-se ao informar que não há recursos para um plano desse tipo. E que, para subsidiar a gasolina e o gás de cozinha, será preciso aumentar impostos.
Isso arranhou ainda mais a desgastada imagem de Pedro Parente no Congresso. Para boa parte dos parlamentares, é inadmissível rechear esse "colchão" com dinheiro da arrecadação.
"É penalizar o cidadão mais pobre", disse o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que defendeu a demissão de Parente.
Até senadores favoráveis à liberdade de preço da Petrobras criticaram Parente.
O senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), pai do ex-ministro de Minas e Energia Fernando Coelho Filho (MDB-PE), disse que "a Petrobras cometeu um erro".
"Faltou previdência à direção [da estatal] para que criasse amortecedores [ao câmbio e ao petróleo], para que se evitasse uma política de reajustes de sete vezes em uma semana e que terminou gerando a ira dos caminhoneiros", disse Coelho.
O senador Armando Monteiro (PTB-PE), outro defensor da autonomia da estatal, concordou que a "política maluca" da estatal levou à greve. "Houve imprevidência do poder [da Petrobras]", disse.
"O remédio [para recuperar a Petrobras] foi bem aplicado, mas concordo que a dose foi um pouco a mais", disse o senador Athaydes Oliveira (PSDB-TO).
Nesse período, as ações com voto da Petrobras caíram de R$ 27,15, na quarta (23), para R$ 22,26, na quinta (30). Pessoas próximas afirmam que Parente se mantinha firme porque acredita que, se cedesse neste momento, a perda de valor da companhia será maior.

Intervenção branca na Petrobras levou Parente a pedir demissão,fsp

Raquel LandimJulio Wiziack
SÃO PAULO e BRASÍLIA
O estopim para o pedido de demissão de Pedro Parente da presidência da Petrobras foi a percepção de que a política de preços da estatal já está sofrendo uma “intervenção branca” da administração de Michel Temer.
O executivo —que acabou concordando com a redução temporária do preço de óleo diesel para apaziguar os caminhoneiros em greve —percebeu que também teria de aceitar a política de subvenção do governo para gasolina e para o gás de cozinha.
Os efeitos sobre o caixa da Petrobras tendem a ser nocivos. O cenário é que a estatal volte a operar no vermelho. Diante dessa perspectiva, Parente, que foi o responsável por recuperar a Petrobras após o escândalo da Lava Jato e a interferência política do governo Dilma sobre as operações da estatal, preferiu sair.
Segundo pessoas que acompanham o assunto de perto, a “intervenção branca” na política de preços da Petrobras seria feita por um artifício técnico na fórmula de cálculo da subvenção a ser paga pelo governo à estatal pela redução do preço do óleo diesel.
A subvenção será determinada pela diferença entre o preço de referência, definido com base na cotação internacional do petróleo, e o preço de comercialização, que será praticado nas refinarias. Se o preço de comercialização for inferior ao de referência, o governo vai subsidiar até o limite de R$ 0,30 por litro – acima disso autorizará o repasse.​
O embate entre a Petrobras e o Ministério da Fazenda girou em torno do preço de referência. A Petrobras pleiteou o direito de estabelecer ela mesma esse valor, enquanto a Fazenda defendeu que essa é uma atribuição da Agência Nacional de Petróleo (ANP). A posição do ministério prevaleceu.
Sob condição de anonimato, pessoas próximas à estatal dizem que basta a ANP não repassar corretamente a variação do petróleo para que o governo - que controlaria na prática os preços de comercialização e de referência - determine o tamanho da subvenção conforme sua disponibilidade de caixa.
Além disso, o preço do petróleo no mercado internacional é apenas um dos itens que a Petrobras considera para definir seus preços. Também estão embutidos no seu cálculo variáveis como despesas administrativas, investimentos e margens de lucro. Na prática, a empresa perdeu autonomia na sua política de preços e sofreu um tabelamento indireto.
O embate está travando a publicação do decreto que vai regulamentar a segunda fase do programa de subvenção ao óleo diesel, que estabelecerá as regras para a subvenção até o final do ano.
Nesta sexta-feira (1), antes de anunciar a demissão de Parente, a Petrobras comunicou ao mercado que sua diretoria executiva aprovou a adesão à primeira fase do programa de subvenção ao óleo diesel, mas frisou que a decisão “não vincula a companhia à segunda fase”.
A primeira fase, na qual a Petrobras se compromete a reduzir o diesel em R$ 0,07 e será totalmente ressarcida pelo Tesouro Nacional, só dura até o dia 7 de junho, quando é encerrada. A partir daí, valeria a segunda fase, que garantiria o desconto de no máximo R$ 0,30 até o fim do ano.

Parente por Nassif

Encontrei pela ultima vez Pedro Parente meses atrás, em uma padaria dos Jardins. Aparentava ar cansado e estava a caminho do hospital. Nos cumprimentamos formalmente.
Conheci-o, e bem, no governo Fernando Henrique Cardoso, substituindo Clóvis Carvalho na Casa Civil. Era, de longe, o técnico mais preparado. É injusto taxá-lo de “pai do apagão”. Na verdade, coube a ele coordenar a Câmara que tentou resolver o imbróglioinfernal criado por FHC, com a desregulamentação do setor elétrico, que promoveu um choque tarifário similar ao que Parente tentou reeditar com o petróleo agora.
Historicamente, grandes funcionários públicos se tornaram executivos de grandes grupos econômicos. Nenhum mal nisso. Durante muito tempo, Banco do Brasil e Itamarati tiveram os melhores quadros técnicos da República. Muitos deles passaram a servir o setor privado sem perder a perspectiva de país.
Não foi o caso de Parente.
Sua atuação na Petrobras teve um mérito inegável: serviu para expor as vísceras de um modelo de corrupção público-privado que, nos tempos modernos, só encontra paralelo no que aconteceu na ex-União Soviética – e, antes disso, com o setor elétrico brasileiro.
Por aqui, a descontratação da energia das hidrelétricas significou uma explosão nas tarifas, tirando completamente a competitividade de setores relevantes da economia. Depois, a privatização para um bando de aventureiros internacionais, que abriam empresas em paraísos fiscais e tomavam financiamentos amplos do BNDES, dando como única garantia as ações das empresas privatizadas. Aliás, esse saque consumou-se no caso Celmar, adquirido pela Equatorial - do grupo Lehman – já no governo Lula. O resultado foi a crise de 1999, obrigando o país, como um todo, a pagar pela corrupção instalada no governo FHC.
Na Petrobras, a ação de Parente foi mais escandalosa. Elevou os preços dos derivados para viabilizar a importação e criar uma capacidade ociosa nas refinarias, de maneira a comprometer seus resultados e facilitar a venda.
Para uma empresa sem problemas de crédito no mercado, passou a queimar ativos usando o falso argumento de que a Petrobras estaria quebrada. Teve participação ativa na mudança da legislação do petróleo, ajudando a enterrar todos os investimentos feitos na indústria naval.
A estratégia de desmonte da Petrobras, no entanto, mostrou suas limitações. Era o gerentão, capaz e fazer andar um projeto desde que o CEO lhe desse as referências. Quando coube a ele montar a estratégia, o resultado foi o desastre, que não apenas desmascarou a corrupção soviética instalada no país, como acabou de vez com a farsa de Michel Temer.
E ainda deixou rastros que, em algum momento, deflagrarão investigações do Ministério Público. E sem poder recorrer à vara de Curitiba, de seu amigo Sérgio Moro.