domingo, 14 de setembro de 2014

Fica, Guido! - ALEXANDRE SCHWARTSMAN


FOLHA DE SP - 10/09


Para colunistas econômicos à busca de temas, presença de Mantega é uma garantia contra bloqueios criativos


Passei o fim de semana desnorteado. A presidente antecipou a demissão do ministro da Fazenda, que agora que desfruta da inédita condição de ex-ministro em atividade, com consequências funestas para a temperatura de seu cafezinho (pelo que me lembro, o café da Fazenda já era particularmente abominável; frio então...), assim como para qualquer iniciativa que ainda pretenda tomar no campo da política econômica.

Funestas serão também as implicações para minha vida de colunista. Desde que aceitei o convite para escrever uma vez por semana neste espaço, sempre me angustiei com o tema da coluna. Suores frios, insônia, o tique-taque implacável, o cursor piscando na tela em branco... Nestas horas, porém, sempre pude contar com a contribuição inestimável de Guido Mantega: quase toda semana ele me ofereceu, de forma mais que graciosa, ideias para meus artigos, ideias que, francamente, minha parca imaginação jamais atingiria.

O desmantelamento do tripé macroeconômico, por exemplo, rendeu dezenas de colunas. A possibilidade de avaliar a tal da "nova matriz macroeconômica", em particular prever seu fracasso com anos de antecedência (não estou me gabando: qualquer bom aluno de graduação chegaria às mesmas conclusões), foi imprescindível para o enorme sucesso desta coluna entre todos os meus 18 leitores.

Não foram poucas também as chances de detalhar as várias instâncias de contabilidade criativa: o fundo soberano, os empréstimos para o BNDES, a contabilização da venda de ações da Petrobras em troca de direitos de exploração de petróleo como receita da União e, mais recentemente, a "pedalada", entre tantos outros. Cada uma destas foi objeto de mais de um artigo e, para ser sincero, este veio ainda não se esgotou.

Isso sem contar as oportunidades únicas de comparação de declarações ministeriais prestadas em momentos distintos e geralmente contraditórias. No dia 30 de maio deste ano, por exemplo, ao comentar o pibículo do primeiro trimestre, o ministro disse que "a Copa do Mundo deve ajudar a melhorar a economia do país, e que o resultado do PIB no segundo trimestre provavelmente será melhor que no primeiro".

Confrontado, porém, com a queda do PIB no segundo trimestre e a revisão para baixo do desempenho no primeiro, "o ministro culpou o cenário internacional, a seca (...) e a redução de dias úteis em razão da Copa pelo resultado negativo da economia brasileira". Por outro lado, segundo ele, não devemos nos preocupar, pois "provavelmente vai chover muito em 2015"...

Desconfio ter me empolgado, mas, pelos exemplos acima deve ficar claro que a presença de Guido Mantega no Ministério da Fazenda é garantia contra bloqueios criativos, pelo menos no caso de colunistas econômicos à busca de temas. Não é outro o motivo da minha preocupação com a crônica da demissão anunciada.

Ao contrário da revista " The Economist", que tempos atrás pediu de forma irônica a permanência do ministro, apelando à psicologia reversa, eu sou franco em meu apelo, ainda mais porque se trata, como se viu, de matéria do meu mais profundo interesse.

Acredito, inclusive, que seria caso de mantê-lo como ministro qualquer que seja o resultado da eleição. Não é que eu deseje o mal do país, mas poderíamos deixá-lo na mesma posição que hoje ocupa, isto é, sem qualquer relevância para a formulação ou execução da política econômica; apenas para nosso entretenimento.

AGRADECIMENTO

Aproveito o espaço para agradecer às muitas expressões de apoio e solidariedade referentes à tentativa frustrada do Banco Central em abrir queixa-crime contra mim por críticas à política adotada pela instituição, refletida na taxa de inflação acima da meta bem como acima do intervalo de dois pontos percentuais ao seu redor.

Tivesse mais do que os cerca de 3.800 caracteres desta coluna, agradeceria a cada um pessoalmente; na impossibilidade, manifesto aqui minha gratidão a todos.

Ilusões eleitorais - SUELY CALDAS


O ESTADÃO - 14/09


Lula e dona Marisa enviaram carinhosa mensagem de condolências à família do banqueiro espanhol Emilio Botín, dono do Santander, pela passagem de sua morte, na quarta-feira. Se a mensagem tivesse partido de Marina Silva ou de Aécio Neves, eles não escapariam de ser apresentados como representantes do capital financeiro internacional no programa eleitoral da candidata do PT. É triste, mas é este o nível desta campanha eleitoral. Para ganhar eleição vale tudo. Vale enganar a população distorcendo o significado da independência do Banco Central (BC) e vale até demitir publicamente o ministro mais importante do governo, desautorizando suas ações nos próximos meses de mandato.

A presidente Dilma Rousseff odeia quando questionam sua competência como economista, mas nesta eleição ela escolheu rasgar seu diploma ao corroborar com a propaganda enganosa em seu programa de TV. O comercial de 30 segundos afirma que independência do BC significa "entregar aos banqueiros o poder de decisão sobre sua vida e sua família, decisões sobre juros que você paga, seu emprego, preços e até salário". Nada mais disparatado e absurdo. Por que será que o ex-presidente Lula deu garantias ao ex-presidente do BC Henrique Meirelles de que ele teria total autonomia para tomar decisões durante seu mandato? Foram os banqueiros que governaram o País nos oito anos de Lula? Foram eles os responsáveis por demissões e reajustes de salário dos trabalhadores?

É, no mínimo, primário e inconsistente um economista ignorar que todos os países onde a autonomia do banco central virou lei hoje a valorizam como um bem público, importante avanço institucional para proteger a população contra influências e demandas políticas, que sempre se traduzem em liberação de verba, emissão de dinheiro e aumento da inflação. A história do Brasil está repleta de exemplos.

Nas gestões Sarney e Collor, era comum governadores endividados correrem à Brasília e arrancar do presidente amigo permissão para contrair mais dívidas, com a devida autorização do Banco Central. Quase sempre para gastar em campanhas eleitorais. Os bancos estaduais financiavam a farra dos políticos e a fiscalização do BC fazia vista grossa, não agia por temer retaliação e demissão de diretores. A partir de FHC, o BC passou a atuar sem interferência política e com autonomia, respeitada por ele e por Lula, mas sem o respaldo de uma lei específica, agora proposta pela candidata Marina Silva.

No mundo inteiro a missão central do BC é "assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda", como está escrito em destaque no site do BC brasileiro. A inflação é um imposto desumano, que empobrece os pobres e enriquece os ricos. Nos anos 80, de hiperinflação, os banqueiros ganharam muito com rendosas aplicações financeiras e quem nem conta bancária tinha via seu dinheirinho ser devorado pela inflação.

Afirmar que a autonomia do BC dá poderes aos banqueiros até para governar o País é inverter valores, enganar, tirar proveito da ingenuidade de quem desconhece o assunto.

Já demitir o ministro Guido Mantega em público, além de deselegante, não vai produzir efeito algum. Desta vez Dilma não fala com desavisados, mas com o mercado financeiro e investidores muito bem avisados e informados. E todos eles sabem que a verdadeira autora da fracassada política econômica dos últimos quatro anos é ela. Partiu dela a ideia de escolher empresas campeãs para receber dinheiro do BNDES, o que só resultou em dívidas transferidas ao banco, que delas virou sócio sem desejar. Também o fiasco da nova matriz econômica, que produziu juros altos, mais inflação e recessão; o represamento das tarifas de combustível, que desarticulou a Petrobrás, e de energia elétrica, que desorganizou e endividou as empresas do setor; a maquiagem fiscal, que agravou a falta de confiança de investidores; e, ainda, o PIB medíocre e a menor taxa de investimento da história são resultados de uma política econômica que tem na presidente a responsável maior.

Ela precisa, agora, dizer o que vai mudar nessa política, se for reeleita.

O galão d’água - MARTHA MEDEIROS


ZERO HORA - 14/09


Reproduzo o relato que minha filha recebeu pelo whatsapp de uma garota brasileira que mora no Japão: Ontem veio um homem aqui e deixou um galão dágua na frente da minha porta. Disse que durante a madrugada eles fariam uma vistoria nos encanamentos de água do bairro e por isso estavam passando para avisar, deixar o galão e pedir desculpas por terem que desligar o registro de água por algumas horas.

Eu disse para ele que não precisava deixar a água, afinal, estaríamos dormindo nesse horário, mas ele respondeu: Você paga suas contas todos os meses e nós temos obrigação de não deixar você sem água nem por um minuto. E ainda disse: Se precisar de mais, pode pedir. E assim seguiu a distribuir nas outras casas. Durante a madrugada, olhei pela janela e havia um grupo trabalhando nas ruas em silêncio. Hoje vieram novamente, casa por casa, só para agradecer.

Pois é. Não é assim que deveria ser tudo na vida? Decência, responsabilidade e educação: por que é tão raro, tão complicado? A simplicidade da cena: um galão d’água deixado de porta em porta para o caso de os moradores terem alguma eventual necessidade às duas horas da manhã, às três horas da manhã.

Não é caridade, e sim direito do cidadão que paga taxas e impostos. Eu não deveria me comover com isso, mas me comovo, porque a gente cumpre com os compromissos como qualquer japonês, qualquer sueco, qualquer canadense, mas onde está a contrapartida?

Acho que isso explica nossa desesperança de que uma eleição mude alguma coisa. Já não acreditamos que um candidato consiga não se deixar corromper pelo poder, que possa governar sem dever favores para outros partidos, que solucione as mazelas do povo em detrimento das negociatas de gabinete. Política passou a ter um sentido desvirtuado.

Ninguém obriga um homem ou uma mulher a se candidatar a um cargo público. Se ele se oferece para a missão de governar, deveria fazer isso unicamente por seu espírito altruísta. Mas soa como piada. Altruísmo na política brasileira? Tem graça.

Um galão d’água na porta. Um serviço de atendimento ao consumidor que funcione de forma fácil. Um policial em cada esquina. Nota fiscal entregue em todas as transações comerciais. Lixeiras por toda parte. Ruas bem sinalizadas. Transporte farto, barato e que cumpra horários. Hospitais com vagas dia e noite. Escolas eficientes. Confiança em vez de burocracia. Sinceridade em vez de enrolação. Agilidade em vez de empurrar com a barriga. Se todo mundo concorda que é assim que tem que ser, por que não acontece, quem emperra?

Não é só culpa de quem governa, mas dos governados também. Viciados em retórica, seduzidos por vantagens exclusivas e não coletivas, sempre nos perguntando “como posso faturar com essa situação?”, não permitimos que o Brasil se moralize e avance.

Galão d’água na porta de casa? Só com um troquinho por fora, meu irmão.