segunda-feira, 13 de maio de 2013

Filhos criados - MARTHA MEDEIROS



ZERO HORA - 12/05

Mãe é para sempre, presença necessária em qualquer etapa da vida, tanto que, nos nossos momentos mais difíceis, é nela que pensamos mesmo que ela já tenha falecido. Mãe é um consolo universal, pois sabemos que ninguém nos ama ou amou tanto quanto ela. Na hora do sufoco, entre rogar a Deus ou à nossa adorada progenitora, Deus fica de estepe e nem se atreve a reclamar.

Porém, abnegação tem limite. Mães são amorosas e dedicadas aos seus filhotes, mas, secretamente, contam os dias para vê-los bem criados, tocando suas próprias vidas profissionais e afetivas, dando a elas o descanso merecido e a certeza da missão cumprida.

Como filha, fiz minha parte: com 19 anos já trabalhava, com 24 morava sozinha, com 27 estava casada e aos 29 engravidei e comecei a formar minha própria família, enquanto minha mãe, no mesmo período, foi fazer faculdade (aos 40 anos), trabalhar, viajar, reposicionar-se na sociedade – claro que sempre por perto a fim de paparicar as netas, só que agora de um jeito desobrigado, só love, só love.

Pois as coisas mudaram bastante. Filhos saindo de casa na faixa dos 20 anos, abrindo mão de mordomia? Melhor não contar com isso.

Não faz muito tempo, na faixa dos 20, todos cumpriam os cinco marcos da vida adulta: finalizavam seus estudos, conquistavam independência financeira, casavam, tinham filhos e seu próprio endereço. Hoje, raros cumprem cedo essas metas. Entre os 20 e 30, ainda estão zonzos diante de tantas opções e preferem adiar o amadurecimento até... até que suas mães os expulsem de casa. Só que mãe não expulsa filho. E eles, óbvio, vão ficando.

Em defesa deles, há um estudo que diz que há uma área do córtex cerebral que leva realmente até 30 anos para se formar, justamente a área responsável por planejamentos e priorizações. Hum, chegou em boa hora essa desculpa científica. Porém, depois dos 30, como se explica que ainda haja adultos vivendo com os pais, sem darem um rumo certo à vida?

O fato é que os jovens andam comodistas, relutando em se jogar no mundo sem alguma garantia. Mas que garantia? Ninguém constrói a própria história sem arriscar, errar, se frustrar, tentar de novo, passar por dificuldades, erguer-se, cair, erguer-se outra vez. Como irão amadurecer sem viverem essas experiências? Enquanto eles analisam calmamente a questão, as mães veem o tempo passar e continuam servindo o almoço todos os dias para marmanjos que ainda não decidiram o que querem ser quando crescer.

Você não deve ser um desses filhos, claro. Meus leitores são autônomos, donos do próprio nariz, e visitam as mães por amor e saudade, não para pedir arrego. Mas, se por uma hipótese remota, você ainda for um kidult, como se diz lá fora (mistura de kid + adult), dê uma trégua para sua mãe ao menos nesse domingo. Leve flores, e não sua roupa para ela lavar.

O bandido e o frentista - LUIZ FELIPE PONDÉ



FOLHA DE SP - 13/05

Todos ficam preocupados com o direito dos bandidos. E os direitos de quem trabalha?


A população está entregue às traças, enquanto nos palácios, gente inteligentinha de todo tipo (com o mesmo caráter da aristocracia pré-revolucionária de Versailles) discursa sobre "direitos humanos dos bandidos", toma vinho chileno, paga escola de esquerda da zona oeste de São Paulo que custa 3 mil reais mensais e vai para Nova York brincar de culta.

A inteligência ocidental está podre, mergulhada em seus delírios de reconstrução do mundo a partir de seus três gnomos Marx, Foucault e Bourdieu.

Nós, desta casta de ungidos, desprezamos o povo comum porque pensamos que o que eles pensam é coisa de gente ignorante.

Outro dia fui abordado por um frentista num posto perto da minha casa na zona oeste (perto daquela praça destruída aos domingos pelas bikes --"bicicletas" na língua de pobre). Ele disse: "O senhor não é aquele filósofo da televisão?". E continuou: "Não pense que porque somos proletários, não entendemos o que o senhor fala na televisão".

Quem advinha do que ele queria falar? Este posto sempre foi 24 horas e agora não é mais. Por quê? Disse ele que estavam todos, do dono aos funcionários, cansados de serem assaltados toda noite. Disse ele: "O ladrão vem na sua moto, para, põe a arma na nossa cara, rouba tudo, ameaça nos matar e vai embora. Nada acontece".

E mais: "E fica todo mundo preocupado com o direito dos bandidos. Onde ficam os direitos de quem trabalha todo dia?".

Vou dizer uma blasfêmia, dirão alguns dos meus amigos da casta inteligentinha: se preocupar com direitos dos bandidos é apenas um modo chique de continuar se lixando para o "povo", assim como os coronéis nordestinos sempre se lixaram, a diferença agora é que a indiferença para com o destino das pessoas comuns vem regada a vinho chileno e leituras de Foucault.

A "elite branca letrada" é completamente indiferente para com o destino desse frentista.

Ele pede para que a polícia "acabe com os bandidos para ele poder trabalhar e a mulher e filhos dele não serem mortos". Ingênuo? Simplista? Talvez, mas nem por isso menos verdadeiro na sua demanda "por direitos".

A verdade é que estamos mergulhados num blá-blá-blá pseudocientífico das razões que levam alguém a ser bandido, seja qual for a idade, e enquanto isso esse frentista se ferra.

O que terá acontecido, que de repente a elite letrada e pública ficou tão "sensível ao sofrimento social" e tão indiferente ao sofrimento desta "pequena gente honesta"? Até escuto alguns de nós dizer: "São uns mesquinhos que só pensam nas suas vidinhas". Quem sabe alguns mais anacrônicos arriscariam: "Isso é resquício do pensamento pequeno burguês".

A verdade é que nós estamos pouco nos lixando para o que essa gente que anda de metrô, trem e quatro ônibus sofre. Todo mundo muito "alegrinho" com a PEC das empregadas domésticas, mas entre elas e os bandidos a vítima social são os bandidos.

A pergunta que não quer calar é: por que em países islâmicos, por exemplo, com alto índice de pobreza, não existe criminalidade endêmica? Será que tem a ver com medo da terrível punição corânica?

Dirão os inteligentinhos que a causa da criminalidade é social. Hoje em dia, "causa social" serve para tudo, como um dia foram os astros e noutro a vontade dos deuses.

Não nego que existam componentes sociais de fome e sofrimento na causa do comportamento criminoso, mas ninguém mais leva em conta que a maioria que vira bandido porque não quer trabalhar todo dia como esse frentista.

Ser bandido é, antes de tudo, um problema de caráter. E esse frentista, pobre também, sabe disso muito bem, só quem não sabe é minha casta de inteligentinhos.

O que dirão os inteligentinhos quando esse contingente de verdadeiras vítimas sociais do crime começarem a se organizar e matar os bandidos a sua volta? Pedirão a alguma ONG europeia para proteger os bandidos dessa gente "mesquinha" que só pensa em sua casinha, seus filhinhos e seu dinheirinho?

Acusarão essa gente humilhada e assaltada de não ter "sensibilidade social"? Dirão que soltar bandidos na rua é "justa violência revolucionária"?

domingo, 12 de maio de 2013

A classe operária vai à CLT, por Ricardo Antunes


'Flexibilizar' é a forma branda de dizer que é preciso desconstruir os direitos do trabalhador

04 de maio de 2013 | 17h 02

Ricardo Antunes*
Em nosso curioso país, muitas conquistas acabam tendo vida efêmera, enquanto muita construção estranha acaba longeva. E assim o país caminha, quase prussianamente, em seus avanços e atropelos. O que explica, então, a longa duração de nossa CLT, criada em 1943?
CLT no Brasil foi criada em 1943 - Reprodução
Reprodução
CLT no Brasil foi criada em 1943
Sabemos que a Consolidação das Leis do Trabalho se originou em uma conjuntura especial, intimamente vinculada à chamada Revolução de 1930, que foi mais do que um golpe e menos do que uma revolução. Rearranjo necessário entre nossas classes dominantes - cuja fração cafeeira começava a perder seu acentuado espaço no poder -, o movimento político-militar que levou Vargas à Presidência da República recompôs o equilíbrio entre as distintas frações da oligarquia, cujo resultado mais expressivo, entretanto, foi o desenvolvimento de um projeto industrializante, nacionalista e com forte presença estatal. E Vargas sabia que a montagem desse novo projeto não poderia se efetivar sem o envolvimento da classe trabalhadora, que não encontrava espaço no liberalismo excludente da chamada República do Café.
O enigma da incorporação da classe trabalhadora por Vargas pode ser desvendado pelos múltiplos significados presentes quando da decretação da CLT. Desde logo ela consolidava a totalidade da legislação social (e sindical) do trabalho iniciada em 1930. Mas é imperioso enfatizar que houve um movimento dúplice nessa história: o operariado brasileiro lutava, desde meados do século 19, por direitos básicos do trabalho, por meio da realização de greves. E esse movimento se expandiu ao longo das primeiras décadas do século 20 - de que foi exemplo, entre tantas, a grande greve geral de 1917 - quando os trabalhadores reivindicavam, entre outras bandeiras, melhores condições de salário e de trabalho, a regulamentação da jornada, o direito de férias e do descanso semanal, etc.
Aqui o mito encontrou sua origem e densidade: Vargas "converteu" autênticas reivindicações operárias em doações do Estado, realizadas quase sempre em atos de 1º de Maio oficialistas, em que se assumia como responsável pelo Estado benefactor, para recordar Werneck Vianna. Aquilo que a classe operária reivindicava em suas lutas concretas - na primeira metade dos anos 1930 houve a eclosão de inúmeras greves no Brasil - Vargas assumia como sua criação. E foi assim, oscilando entre luta e outorga, que chegamos à decretação da CLT em 1943 e à criação do mito do Pai dos Pobres.
Do lado varguista, construía-se a clara percepção de que o projeto industrial carecia de uma necessária regulamentação e controle do trabalho. Do lado dos assalariados, um exame das pautas das greves permitia constatar que os direitos do trabalho estavam entre suas principais reivindicações. A título de exemplo: se para a classe trabalhadora a criação do salário-mínimo nacional era imprescindível para garantir sua reprodução e sobrevivência, para o projeto industrializante de Vargas era imperioso regulamentar a mercadoria força de trabalho e desse modo consolidar o mercado interno pela instituição de um salário mínimo basal.
Mas a CLT foi também uma espécie de faca de dois legumes, para lembrar o célebre Vicente Matheus. Isso porque, no que diz respeito à estrutura sindical, ela teve em sua origem um predominante sentido controlador, coibidor e cupulista que cultuava um fetichismo de Estado que não foi plenamente eliminado nem mesmo pela Constituição de 1988. Bastaria lembrar que o imposto e a unicidade sindical estabelecidos por lei, dois pilares do sindicalismo atrelado, não foram eliminados pela nova Constituição.
Certamente, não são por esses motivos sindicais que o empresariado quer hoje desmantelar a CLT. O eufemismo "flexibilizar" é a forma branda encontrada por essas forças para dizer que é preciso desconstruir os direitos do trabalho, arduamente conquistados, em tantas décadas de embates e batalhas. Basta olhar o que se passa hoje com a Europa e constatar lá também o receituário é flexibilizar, acentuando ainda mais o desmonte dos direitos dos trabalhado.
Foi exatamente por consolidar um código efetivamente protetor do trabalho que a CLT tornou-se duradoura e logrou ganhar sólido apoio popular ao longo de suas décadas de vigência. As flexibilizações, terceirizações, o aumento da informalidade e a ampliação do desemprego serão consequências imediatas se a CLT for desfigurada.
Mas não será fácil essa nova empreitada de demolição pretendida pelo empresariado, pelo simples fato de que a CLT é considerada como uma verdadeira Constituição pela classe trabalhadora, ao consagrar conquistas que ela sabe que se perder, não haverá no horizonte próximo nenhuma possibilidade de recuperar. Ainda mais numa conjuntura de destruição intensa e em escala global dos direitos do trabalho.
* RICARDO ANTUNES É PROFESSOR TITULAR DE SOCIOLOGIA DO TRABALHO NA UNICAMP. SEU NOVO LIVRO RIQUEZA E MISÉRIA DO TRABALHO NO BRASIL, VOL. II (BOITEMPO) ESTARÁ NAS LIVRARIAS AINDA NESTE MÊS. SEU LIVRO OS SENTIDOS DO TRABALHO ACABA DE SER PUBLICADO NA INGLATERRA E PORTUGAL