domingo, 12 de maio de 2013

A classe operária vai à CLT, por Ricardo Antunes


'Flexibilizar' é a forma branda de dizer que é preciso desconstruir os direitos do trabalhador

04 de maio de 2013 | 17h 02

Ricardo Antunes*
Em nosso curioso país, muitas conquistas acabam tendo vida efêmera, enquanto muita construção estranha acaba longeva. E assim o país caminha, quase prussianamente, em seus avanços e atropelos. O que explica, então, a longa duração de nossa CLT, criada em 1943?
CLT no Brasil foi criada em 1943 - Reprodução
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CLT no Brasil foi criada em 1943
Sabemos que a Consolidação das Leis do Trabalho se originou em uma conjuntura especial, intimamente vinculada à chamada Revolução de 1930, que foi mais do que um golpe e menos do que uma revolução. Rearranjo necessário entre nossas classes dominantes - cuja fração cafeeira começava a perder seu acentuado espaço no poder -, o movimento político-militar que levou Vargas à Presidência da República recompôs o equilíbrio entre as distintas frações da oligarquia, cujo resultado mais expressivo, entretanto, foi o desenvolvimento de um projeto industrializante, nacionalista e com forte presença estatal. E Vargas sabia que a montagem desse novo projeto não poderia se efetivar sem o envolvimento da classe trabalhadora, que não encontrava espaço no liberalismo excludente da chamada República do Café.
O enigma da incorporação da classe trabalhadora por Vargas pode ser desvendado pelos múltiplos significados presentes quando da decretação da CLT. Desde logo ela consolidava a totalidade da legislação social (e sindical) do trabalho iniciada em 1930. Mas é imperioso enfatizar que houve um movimento dúplice nessa história: o operariado brasileiro lutava, desde meados do século 19, por direitos básicos do trabalho, por meio da realização de greves. E esse movimento se expandiu ao longo das primeiras décadas do século 20 - de que foi exemplo, entre tantas, a grande greve geral de 1917 - quando os trabalhadores reivindicavam, entre outras bandeiras, melhores condições de salário e de trabalho, a regulamentação da jornada, o direito de férias e do descanso semanal, etc.
Aqui o mito encontrou sua origem e densidade: Vargas "converteu" autênticas reivindicações operárias em doações do Estado, realizadas quase sempre em atos de 1º de Maio oficialistas, em que se assumia como responsável pelo Estado benefactor, para recordar Werneck Vianna. Aquilo que a classe operária reivindicava em suas lutas concretas - na primeira metade dos anos 1930 houve a eclosão de inúmeras greves no Brasil - Vargas assumia como sua criação. E foi assim, oscilando entre luta e outorga, que chegamos à decretação da CLT em 1943 e à criação do mito do Pai dos Pobres.
Do lado varguista, construía-se a clara percepção de que o projeto industrial carecia de uma necessária regulamentação e controle do trabalho. Do lado dos assalariados, um exame das pautas das greves permitia constatar que os direitos do trabalho estavam entre suas principais reivindicações. A título de exemplo: se para a classe trabalhadora a criação do salário-mínimo nacional era imprescindível para garantir sua reprodução e sobrevivência, para o projeto industrializante de Vargas era imperioso regulamentar a mercadoria força de trabalho e desse modo consolidar o mercado interno pela instituição de um salário mínimo basal.
Mas a CLT foi também uma espécie de faca de dois legumes, para lembrar o célebre Vicente Matheus. Isso porque, no que diz respeito à estrutura sindical, ela teve em sua origem um predominante sentido controlador, coibidor e cupulista que cultuava um fetichismo de Estado que não foi plenamente eliminado nem mesmo pela Constituição de 1988. Bastaria lembrar que o imposto e a unicidade sindical estabelecidos por lei, dois pilares do sindicalismo atrelado, não foram eliminados pela nova Constituição.
Certamente, não são por esses motivos sindicais que o empresariado quer hoje desmantelar a CLT. O eufemismo "flexibilizar" é a forma branda encontrada por essas forças para dizer que é preciso desconstruir os direitos do trabalho, arduamente conquistados, em tantas décadas de embates e batalhas. Basta olhar o que se passa hoje com a Europa e constatar lá também o receituário é flexibilizar, acentuando ainda mais o desmonte dos direitos dos trabalhado.
Foi exatamente por consolidar um código efetivamente protetor do trabalho que a CLT tornou-se duradoura e logrou ganhar sólido apoio popular ao longo de suas décadas de vigência. As flexibilizações, terceirizações, o aumento da informalidade e a ampliação do desemprego serão consequências imediatas se a CLT for desfigurada.
Mas não será fácil essa nova empreitada de demolição pretendida pelo empresariado, pelo simples fato de que a CLT é considerada como uma verdadeira Constituição pela classe trabalhadora, ao consagrar conquistas que ela sabe que se perder, não haverá no horizonte próximo nenhuma possibilidade de recuperar. Ainda mais numa conjuntura de destruição intensa e em escala global dos direitos do trabalho.
* RICARDO ANTUNES É PROFESSOR TITULAR DE SOCIOLOGIA DO TRABALHO NA UNICAMP. SEU NOVO LIVRO RIQUEZA E MISÉRIA DO TRABALHO NO BRASIL, VOL. II (BOITEMPO) ESTARÁ NAS LIVRARIAS AINDA NESTE MÊS. SEU LIVRO OS SENTIDOS DO TRABALHO ACABA DE SER PUBLICADO NA INGLATERRA E PORTUGAL
  

TJ vê corrupção em hotel. Após 16 anos

Funcionários públicos recebiam hóspedes sem cobrar em quartos de luxo de Cananeia que pertenciam ao Estado; 4 foram condenados

12 de maio de 2013 | 2h 01
RODRIGO BURGARELLI, ENVIADO ESPECIAL A CANANEIA - O Estado de S.Paulo
Um hotel de luxo construído pelo governo estadual nos anos 1970, com suítes e piscinas de frente para o mar, está abandonado em Cananeia, no litoral sul. Por trás dessa história, há um caso de corrupção. Durante anos, funcionários públicos receberam hóspedes sem cobrar, usaram notas frias para justificar despesas inexistentes e colocaram um vigia para administrar todo o hotel. Tudo isso foi constatado em 1997, mas só agora, 16 anos depois, o Tribunal de Justiça condenou quatro funcionários estaduais pelos fatos.
Essa é a história do Cananeia Gloria Hotel, batizado dessa forma para lembrar o luxuoso Hotel Glória, no Rio. Ele foi construído durante o governo de Laudo Natel (1971-1975), em uma tentativa de estimular o turismo local, oferecendo um serviço de qualidade. Mesmo abandonado, o luxo do imóvel impressiona. Os amplos tetos de madeira, as duas piscinas de frente para o mar e os quartos totalmente abertos para a bela vista do litoral são exemplos desse requinte. Até hoje, nenhum dos novos hotéis construídos depois dele é tão grande quanto o Glória.
Suas portas, porém, estão fechadas desde que o esquema de corrupção foi denunciado pelo Ministério Público, em 1997. Segundo o órgão, um grupo de seis funcionários estaduais praticaram várias irregularidades. Entre elas está a hospedagem de pessoas que passaram meses gratuitamente no local. Uma auditoria feita à época apontou que a quantidade de diárias gratuitas chegou a exatas 1.132 - ou seja, 3 anos, 1 mês e 7 dias de hospedagem que não renderam nenhum centavo ao Estado.
Frango. Houve também acusações de uso de notas frias para justificar despesas falsas. Uma antiga funcionária do hotel afirmou em depoimento que, dos R$ 1,7 mil em uma nota de gasolina, apenas R$ 360 haviam sido de fato gastos com essa despesa. Em outra ocasião, o hotel comprou 131 kg de frango, 10 kg de contrafilé, 150 kg de batata e 125 kg de tainha - mas o local não servia nem almoço nem jantar, apenas café da manhã. Também era prática comum a emissão de notas para serviços repetidos: só em 1996, notas para jardineiros foram emitidas em todos os meses de março a julho.
Mesmo com tantas evidências, o caso demorou mais de uma década até ser julgado na primeira instância, em Cananeia. Todos os réus foram condenados à perda do cargo e a pagar indenização, com exceção de Augusto Salomon (ex-servidor estadual) e José Sebastião Lázaro Miziara (ex-delegado de turismo), que morreram nesse período. Houve recurso e, em março deste ano, o TJ-SP confirmou a sentença. Nesse período, o Gloria Hotel acabou vendido a investidores locais, mas as portas continuam fechadas e ninguém sabe quando podem voltar a abrir.

Até delegado e juiz saíram sem pagar a pedido do prefeito

Em 1995, magistrado chegou a ocupar a suíte com vista para o mar por seis meses sem desembolsar nada

12 de maio de 2013 | 2h 02
O Estado de S.Paulo
Juízes, promotores, médicos e delegados estão entre os hóspedes que ficaram meses no Cananeia Glória Hotel sem pagar nenhuma diária. Segundo a acusação do Ministério Público Estadual, funcionários públicos de alto escalão que chegavam à cidade ganhavam a estadia de graça a pedido do próprio prefeito à época.
Esse foi o caso de um juiz local, que ficou de abril a setembro de 1995 ocupando uma das 33 suítes com vistas para o mar sem pagar um centavo. Uma promotora, cujas atribuições também incluíam a fiscalização do poder público local, passou seis meses de graça no hotel nesse mesmo ano. Um dos acusados pelas irregularidades, Augusto Salomon, não ocupou apenas um, mas dois quartos em pleno carnaval de 1995, segundo a Promotoria.
O prejuízo causado pelas hospedagens gratuitas foi de ao menos R$ 284 mil - o que, em valores atuais, se aproxima de R$ 1 milhão. Mas o valor total do dano causado ao erário não foi calculado. "Passados 15 anos desde a constatação das irregularidades, seria hoje inviável calcular o exato valor do dano causado. O cálculo retardaria ainda mais o andamento do feito e serviria apenas para que os requeridos se eximissem, com a morte, do pagamento de indenização ao Estado", escreveu a juíza Bárbara Donadio Chinen.
A saída encontrada por ela foi condená-los ao pagamento de multa civil de 50 vezes o valor da última remuneração que receberam como funcionários estaduais na ativa. O Tribunal de Justiça não só manteve a multa como afirmou que o total do prejuízo deve, sim, ser calculado para que os danos ao erário sejam totalmente ressarcidos.
Os advogados dos réus não concordam com a decisão e devem recorrer da sentença. O representante de Fausto Rosseto, servidor estadual que deveria ter fiscalizado os gastos do hotel, afirmou que ele ocupou o cargo por pouco tempo e não se envolveu em irregularidades. O mesmo afirmou o advogado de Guilherme Wendel Magalhães, que era diretor do órgão responsável pelo hotel e alegou que havia outros funcionários encarregados da fiscalização.
A reportagem não conseguiu contato com o advogado do ex-administrador do hotel Vladimir Matheus - que, à Justiça, afirmou que não poderia ser responsabilizado pois era apenas vigia e ocupava o cargo de administração indevidamente - e da ex-servidora Lamara Miranda, que teria se hospedado no hotel durante um feriado. / R. B.


Ameaça à indústria, por Celso Ming


Ainda não caiu a ficha do empresário brasileiro de que a revolução do gás nos Estados Unidos pode ser mortal para grande número de setores da indústria brasileira, especialmente para a petroquímica, química básica e segmentos altamente dependentes de suprimento de energia elétrica (eletrointensivos).
A mobilização parece tímida e, quando se trata de modernizar o sistema produtivo, o governo brasileiro parece atrelado a conceitos conservadores de política industrial.
É inevitável agora que setores industriais inteiros sejam transferidos para os Estados Unidos, de maneira a aproveitar os preços substancialmente mais baixos do gás natural produzido a partir do microfraturamento do xisto (rochas impregnadas de hidrocarbonetos). Isso significa que, se não houver pronta resposta, nova rodada de perda de competitividade ameaça a indústria brasileira.
O desinteresse pelo assunto parece, em parte, resultado da alta segmentação das questões energéticas no Brasil. Energia elétrica e petróleo, por exemplo, são coordenados e regulados por instâncias diferentes. Na falta de visão integrada, as questões que envolvem o gás natural ficam para segundo plano.
O diretor-superintendente da Comgás, Luiz Henrique Guimarães (foto), chama a atenção para a grande transformação do sistema produtivo global, que vai transferindo o eixo da competitividade centrada na mão de obra barata para o da energia barata. E a energia barata está estreitamente dependente da obtenção de gás de xisto, a preços que, hoje, são cerca de 80% mais baixos do que os obtidos pelo gás natural na Europa e aqui no Brasil.
A única objeção séria à utilização dessa tecnologia são as ameaças à contaminação dos lençóis freáticos pelos produtos químicos que vão na mistura de gás e areia injetados a alta pressão nos reservatórios de xisto.
Mas Guimarães não vê problema ambiental relevante. A ação desses produtos químicos, entre os quais o benzeno, avisa ele, pode ser inteiramente controlada. Além disso, a utilização de gás natural em substituição ao carvão e ao óleo combustível nas termoelétricas concorre para despoluição atmosférica. Nessas condições, o gás de xisto pode ser um aliado na luta para o controle do aquecimento global.
O Brasil conta com enormes reservatórios de xisto que, no entanto, permaneceram intactos até este momento, por falta de tecnologia de exploração, que só agora ficou disponível.
Os Estados Unidos saltaram à frente nesse mercado por uma conjunção de fatores favoráveis. Não dependem de concessões do Estado porque a exploração do subsolo cabe ao proprietário do solo (e não ao Estado, como é aqui e na Europa), contam com enorme rede de infraestrutura (oleodutos, gasodutos, portos, ferrovias, estradas, etc.) e têm à sua disposição a enorme rede de serviços, imprescindíveis para o desenvolvimento do negócio.
O Brasil corre o risco de chegar atrasado. A falta de urgência para assegurar a competitividade do setor produtivo ante a revolução em curso nos Estados Unidos não se circunscreve apenas ao governo. Também as lideranças empresariais parecem desatentas.