sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A armadilha da zona do confortou pegou o governo Dilma


Blog do Nassif
Coluna Econômica - 20/01/2012
No melhor momento, desde que assumiu, o governo Dilma Rousseff está prestes a cair em uma armadilha terrível: o da chamada zona do conforto.
Praticamente não existe mais oposição. José Serra tornou-se um personagem patético, quase um vulto andando de noite pelo Twitter disparando mensagens óbvias e sem repercussão.
Depois de bater no teto superior, a inflação começa a refluir, reduzindo as ansiedades nessa área. Apesar da crise mundial, há condições do país atravessar com poucos danos aparentes a próxima temporada de crise.
Em céu de brigadeiro, o comandante sempre tende a relaxar, a descuidar-se do futuro e justamente no meio da maior janela de oportunidade que o país dispõe desde os anos 70.
Há uma explosão no preço das commodities, garantindo provisoriamente as contas externas; o mercado inteiro ganhou uma dimensão nunca vista; a médio prazo, tem o pré-sal para permitir ao governo dormir um pouco mais sobre os louros presentes… e futuros.
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Enquanto isto, os importados vão entrando em todos os poros do tecido econômico nacional, dos bens de consumo a, principalmente, os bens intermediários.
Não se trata de um risco futuro. Neste exato momento, há cadeias produtivas inteiras sendo desmanchadas sob o peso das importações, há uma enorme rede de pequenos, médios e grandes importadores fincando os pés na China.
Do lado do governo, acenam com medidas  - como as desonerações do programa Brasil Maior – que são meros paliativos, perto dos desajustes produzidos pelo câmbio. Não se criou uma defesa comercial robusta, não se utilizam ferramentas antidumping. O governo limita-se a administrar o varejo, concedendo aumentos de alíquotas na importações de bens específicos, um varejão que cria conflitos, nubla a visão de conjunto e abre espaço para favorecimentos.
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Ter-se-iam todos os elementos para um grande pacto desenvolvimentista. O desenvolvimento da indústria não interessa apenas às empresas e trabalhadores do setor. Os planos estratégicos do setor bancário passam pelo aumento do crédito. O próprio mercado começa a sair da renda fixa e buscar alternativas na economia real.
No governo, no plano conceitual o chamado desenvolvimentismo tem a adesão das principais cabeças – de Dilma ao Ministro da Fazenda Guido Mantega, Nelson Barbosa, Márcio Holland, Luciano Coutinho, Aloizio Mercadante, Fernando Pimentel.
O que falta? Nos trabalhos com que justificava o controle do pré-sal pela União, o principal argumento de Dilma era justamente a possibilidade de fazer política industrial.
Como presidente, está sucumbindo à zona do conforto.
Falta pressão da opinião pública e um governo que consiga planejar minimamente o futuro sem ser conduzido pela mídia. É o único canal de opinião pública que chega em Brasilia.
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A confraria da Selic continua tendo mais espaço nas discussões midiáticas do que a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) – cujo presidente Flávio Skaf tem mais preocupações com sua carreira política do que com a entidade que representa.
Aliás, deveria haver uma reforma nos estatutos das federações, confederações e associações empresariais proibindo voos políticos para seus presidentes.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O jogo de damas da política econômica


do blog do Nassif
Coluna Econômica - 18/01/2012
Um dos maiores erros da análise econômica é levantar dados do momento e projetá-los para o futuro – sem a devida avaliação dos ciclos históricos ou da dinâmica da economia.
Lembro-me de um seminário que participei na cidade de Santander, Espanha, em 2002, promovido pela Universidad Menendez Pelayo. Presentes jornalistas da imprensa financeira espanhola, acadêmicos e representantes de multinacionais espanholas que tinham vindo para o Brasil.
Na época, vivia-se a grande crise Os jornalistas malhavam sem dó suas multi, por terem ido investir o dinheiro das velhinhas da Espanha em “republiquetas corruptas”.
Os jornalistas brasileiros reagimos. Mostramos o vício de mercado de pegar uma situação momentânea e projetar por anos. Fizeram isso nas primeiras privatizações das quais participaram as espanholas e passaram para os leitores a ideia de que haveria um crescimento exponencial permanente. Depois, na primeira crise, projetaram os dados do momento para prever a bancarrota.
Dissemos, em bom tom, que a economia brasileira era mais pujante que a espanhola, tínhamos empresas melhor administradas, um agronegócio muito superior. A única vantagem das empresas espanholas era terem ido antes a mercado e adquirido algumas de nossas estatais. Se não fosse o Brasil, a Telefonica já teria sido absorvida pela Deutsch Telecom.
Bom, hoje em dia, não fossem os lucros brasileiros, Telefonica, Banco Santander e tantas outras teriam sido vendidos.
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Lembro esses fatos a propósito da atual zona de conforto da economia brasileira.
Nos últimos anos, a economia brasileira deu um salto. Criou um mercado de consumo de massa apetitoso, atraiu investimentos externos. Mas toda essa base foi possível em cima de uma situação conjuntural: a explosão das cotações de commodities em função da emergência da China. Foram os superávits gerados pelas exportações de commodities que permitiram ao país apostar no mercado interno e atravessar com poucos danos a crise de 2008.
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Nesse período pouco foi feito para fortalecer a produção interna. Pior: o país está aceitando passivamente o papel de fornecedor de matéria prima e consumidor de produto acabado da China. Da mesma maneira que fez com a Inglaterra no século 19 e com os EUA em períodos do século 20.
A defesa da produção nacional se resume a declarações recorrentes de Ministros, de medidas de defesa comercial pontuais, beneficiando um ou outro setor. O principal preço da economia, o principal instrumento de política econômica – o câmbio – continua ao sabor da conjuntura internacional.
Pouco antes da campanha eleitoral, a então chefe da Casa Civil Dilma Rousseff apresentou um programa minucioso de investimento setorial a partir do pré-sal.
No fundo, a política industrial parece ter se convertido no exercício de tapar buracos da peneira cambial, sem nenhuma visão estratégica.
O país já possui todas as peças do tabuleiro para jogar xadrez de bom nível. Mas a visão estratégica não vai além de um jogo de damas.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

VISÃO GLOBAL: Como vai o sonho?


Se Luther King visse os EUA de hoje sentiria que sua obra não está minimamente terminada
POR PAUL KRUGMAN, DO THE NEW YORK TIMES*
“Eu tenho um sonho”, declarou Martin Luther King em um discurso que não perdeu nada de sua força inspiradora. E parte desse sonho tornou-se realidade. Quando Luther King falou no verão de 1963, os Estados Unidos eram uma nação que negava direitos básicos a milhões de cidadãos simplesmente porque sua pele era da cor errada. Hoje, o racismo não está mais embutido na lei. E, embora ele não tenha sido em absoluto banido dos corações dos homens, sua influência é bem menor do que já foi.
Para dizer o óbvio: basta olhar uma foto do presidente Barack Obama com seu gabinete para ver um grau de abertura racial – também para mulheres – que pareceria inconcebível em 1963. Quando observamos o aniversário de Luther King, temos alguma coisa de muito real a comemorar: o movimento pelos direitos civis foi um dos momentos mais grandiosos dos EUA e tornou o país uma nação mais fiel aos seus ideais.
Mas se Luther King pudesse ver os EUA de hoje, acredito que ficaria desapontado e sentiria que sua obra não está minimamente terminada. Ele sonhou com uma nação na qual seus filhos “não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter”. Mas aquilo em que realmente nos tornamos é uma nação que julga pessoas não pela cor de sua pele – ao menos, não tanto como no passado – mas pelo tamanho de seu salário. E, nos EUA, mais do que na maioria dos outros países ricos, o tamanho do salário de alguém está fortemente ligado ao tamanho do salário de seu pai.
Sai Jim Crow, entra sistema de classe. A desigualdade econômica não é inerentemente uma questão racial, e a desigualdade crescente seria perturbadora mesmo que não houvesse uma dimensão racial. Mas sendo a sociedade americana o que é, há implicações raciais no modo como nossas rendas foram se distanciando. E, de todo modo, Luther King – que estava fazendo campanha por aumentos salariais quando foi assassinado – certamente teria considerado a desigualdade crescente como um mal a ser enfrentado.
Voltando à dimensão racial: nos anos 60, era amplamente aceito que o fim da discriminação aberta melhoraria tanto a economia quanto a situação legal de grupos minoritários. E no começo isso parecia estar ocorrendo. Nas décadas de 60 e 70, um número substancial de famílias negras deslocou-se para a classe média e até para a classe média alta; a porcentagem de famílias negras nos 20% superiores da distribuição de rendas quase dobrou.
Em 1980, a posição econômica relativa dos negros nos EUA parou de melhorar. Por quê? Uma parte importante da resposta é, certamente, que, por volta de 1980, as disparidades de renda nos EUA começaram a se alargar dramaticamente, transformando-nos em uma sociedade mais desigual do que nunca desde os anos 20.
Pensem na distribuição de renda como uma escada, com pessoas diferentes em diferentes degraus. A partir de 1980, aproximadamente, os degraus começaram a se distanciar cada vez mais, afetando adversamente o progresso econômico dos negros de duas maneiras. Primeiro, como muitos negros ainda estavam nos degraus inferiores, eles foram deixados para trás à medida que a renda no topo da escada crescia enquanto a renda perto da base estagnava. Segundo, à medida que os degraus se afastavam, ficava mais difícil subir a escada.
O New York Times reportou recentemente uma revelação bem estabelecida que ainda surpreende muitos americanos: embora ainda nos vejamos como a terra das oportunidades, a verdade é que temos menos mobilidade econômica intergeracional que outros países avançados. Isto é, as chances de alguém nascido em uma família de baixa renda terminar com alta renda, e vice-versa, é significativamente menor que no Canadá ou na Europa. E há boas razões para acreditar-se que a baixa mobilidade econômica nos EUA tem muito a ver com o alto nível de desigualdade de renda no país.
Na semana passada, Alan Krueger, presidente do Conselho de Consultores Econômicos do presidente, fez um importante pronunciamento sobre desigualdade de renda, apresentando uma relação que chamou de “Curva Grande Gatsby”. Países altamente desiguais, ele mostrou, têm baixa mobilidade: quanto mais desigual uma sociedade, maior a medida em que uma situação econômica individual é determinada pela situação de seus pais. E, como assinalou Krueger, essa relação sugere que os EUA em 2035 terão ainda menos mobilidade do que têm hoje, que serão um lugar onde as perspectivas econômicas das crianças refletirão, em grande medida, a classe na qual nasceram.
Não devemos aceitar de cabeça baixa esse desenvolvimento. Mitt Romney diz que só deveríamos discutir a desigualdade de renda, se é que deveríamos discuti-la, em “salas silenciosas”. Houve um tempo em que as pessoas diziam a mesma coisa sobre desigualdade racial. Felizmente, houve pessoas como Martin Luther King que rejeitaram ficar em silêncio. E nós deveríamos seguir seu exemplo hoje. Pois o fato é que o aumento da desigualdade pode fazer dos EUA um lugar diferente e pior – e precisamos reverter essa tendência para preservar tanto valores quanto sonhos americanos.
*É COLUNISTA
TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK