terça-feira, 17 de janeiro de 2012

VISÃO GLOBAL: Como vai o sonho?


Se Luther King visse os EUA de hoje sentiria que sua obra não está minimamente terminada
POR PAUL KRUGMAN, DO THE NEW YORK TIMES*
“Eu tenho um sonho”, declarou Martin Luther King em um discurso que não perdeu nada de sua força inspiradora. E parte desse sonho tornou-se realidade. Quando Luther King falou no verão de 1963, os Estados Unidos eram uma nação que negava direitos básicos a milhões de cidadãos simplesmente porque sua pele era da cor errada. Hoje, o racismo não está mais embutido na lei. E, embora ele não tenha sido em absoluto banido dos corações dos homens, sua influência é bem menor do que já foi.
Para dizer o óbvio: basta olhar uma foto do presidente Barack Obama com seu gabinete para ver um grau de abertura racial – também para mulheres – que pareceria inconcebível em 1963. Quando observamos o aniversário de Luther King, temos alguma coisa de muito real a comemorar: o movimento pelos direitos civis foi um dos momentos mais grandiosos dos EUA e tornou o país uma nação mais fiel aos seus ideais.
Mas se Luther King pudesse ver os EUA de hoje, acredito que ficaria desapontado e sentiria que sua obra não está minimamente terminada. Ele sonhou com uma nação na qual seus filhos “não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo conteúdo de seu caráter”. Mas aquilo em que realmente nos tornamos é uma nação que julga pessoas não pela cor de sua pele – ao menos, não tanto como no passado – mas pelo tamanho de seu salário. E, nos EUA, mais do que na maioria dos outros países ricos, o tamanho do salário de alguém está fortemente ligado ao tamanho do salário de seu pai.
Sai Jim Crow, entra sistema de classe. A desigualdade econômica não é inerentemente uma questão racial, e a desigualdade crescente seria perturbadora mesmo que não houvesse uma dimensão racial. Mas sendo a sociedade americana o que é, há implicações raciais no modo como nossas rendas foram se distanciando. E, de todo modo, Luther King – que estava fazendo campanha por aumentos salariais quando foi assassinado – certamente teria considerado a desigualdade crescente como um mal a ser enfrentado.
Voltando à dimensão racial: nos anos 60, era amplamente aceito que o fim da discriminação aberta melhoraria tanto a economia quanto a situação legal de grupos minoritários. E no começo isso parecia estar ocorrendo. Nas décadas de 60 e 70, um número substancial de famílias negras deslocou-se para a classe média e até para a classe média alta; a porcentagem de famílias negras nos 20% superiores da distribuição de rendas quase dobrou.
Em 1980, a posição econômica relativa dos negros nos EUA parou de melhorar. Por quê? Uma parte importante da resposta é, certamente, que, por volta de 1980, as disparidades de renda nos EUA começaram a se alargar dramaticamente, transformando-nos em uma sociedade mais desigual do que nunca desde os anos 20.
Pensem na distribuição de renda como uma escada, com pessoas diferentes em diferentes degraus. A partir de 1980, aproximadamente, os degraus começaram a se distanciar cada vez mais, afetando adversamente o progresso econômico dos negros de duas maneiras. Primeiro, como muitos negros ainda estavam nos degraus inferiores, eles foram deixados para trás à medida que a renda no topo da escada crescia enquanto a renda perto da base estagnava. Segundo, à medida que os degraus se afastavam, ficava mais difícil subir a escada.
O New York Times reportou recentemente uma revelação bem estabelecida que ainda surpreende muitos americanos: embora ainda nos vejamos como a terra das oportunidades, a verdade é que temos menos mobilidade econômica intergeracional que outros países avançados. Isto é, as chances de alguém nascido em uma família de baixa renda terminar com alta renda, e vice-versa, é significativamente menor que no Canadá ou na Europa. E há boas razões para acreditar-se que a baixa mobilidade econômica nos EUA tem muito a ver com o alto nível de desigualdade de renda no país.
Na semana passada, Alan Krueger, presidente do Conselho de Consultores Econômicos do presidente, fez um importante pronunciamento sobre desigualdade de renda, apresentando uma relação que chamou de “Curva Grande Gatsby”. Países altamente desiguais, ele mostrou, têm baixa mobilidade: quanto mais desigual uma sociedade, maior a medida em que uma situação econômica individual é determinada pela situação de seus pais. E, como assinalou Krueger, essa relação sugere que os EUA em 2035 terão ainda menos mobilidade do que têm hoje, que serão um lugar onde as perspectivas econômicas das crianças refletirão, em grande medida, a classe na qual nasceram.
Não devemos aceitar de cabeça baixa esse desenvolvimento. Mitt Romney diz que só deveríamos discutir a desigualdade de renda, se é que deveríamos discuti-la, em “salas silenciosas”. Houve um tempo em que as pessoas diziam a mesma coisa sobre desigualdade racial. Felizmente, houve pessoas como Martin Luther King que rejeitaram ficar em silêncio. E nós deveríamos seguir seu exemplo hoje. Pois o fato é que o aumento da desigualdade pode fazer dos EUA um lugar diferente e pior – e precisamos reverter essa tendência para preservar tanto valores quanto sonhos americanos.
*É COLUNISTA
TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

O desabrochar da energia eólica


Do blog do Nassif
Coluna Econômica - 17/01/2012
2011 foi o ano da maturidade da energia eólica. Nos leilões de energia, firmou-se como a segunda energia mais barata, logo após a hidrelétrica. Substituiu as térmicas a gás, pelo fato dos projetos em curso já terem absorvido a produção nacional de gás até 2020. Mostrou-se mais competitiva que a biomassa e as PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas). Neste caso, devido aos altos custos da construção civil, em um mercado aquecido.
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O principal avanço do setor foi o custo do capital, que caiu muito nos últimos anos. Quando foi lançado o Proinf (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica), em 2002, o custo de capital era de R$ 6,4 milhões por MWh. Hoje em dia, está em R$ 3,4 milhões.
A principal razão dessa queda foram os ganhos tecnológicos decorrentes da experiência acumulada de 2004 para cá. O fator líquido de capacidade (quanto da capacidade instalada se converte em energia efetiva) saltou de 32% para 45%.
Contribuíram para isso, de um lado, a elevação das torres, que saltaram de 50 metros de altura para 108 metros, captando ventos mais fortes e constantes. Depois, avanços nos motores e nas hélices, a partir de tecnologia importada da aeronáutica, no perfil aerodinâmico da pá, na capacidade de retirar o máximo da força do vento e transformar o movimento da hélice em energia.
Mas o principal fator de diferença de preços entre Brasil e Europa é a qualidade dos ventos nacionais. E ainda há uma vantagem extra de que as energias eólica e hidráulica são complementares: quando chove muito, venta menos; e vice-versa. Assim, em tempos de estiagem há maior produção de energia eólica. Apenas Canadá e Noruega possuem essa característica.
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Houve contribuição, também, dos estudos meteorológicos.
Em 2001 foi publicado o primeiro Atlas Eólico Brasileiro. Mediram-se os ventos a uma altura de 45 metros. Este ano sairá a versão atualizada, mas aí medindo as correntes de vento a uma altitude de 100, 120 metros.
Os estudos estão sendo conduzidos pelo CEPEL (Centro de Pesquisa e Tecnologia de Eletricidade da Eletrobras) junto com o Coppe, trabalhando em estreito contato com o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas Aeropespaciais).
Provavelmente o potencial eólico medido será o triplo do Atlas 2001. Naquele, o potencial total era estimado em 143 GWh; no novo, em 300.
Além disso, descobriram-se potenciais de vento fora do litoral, especialmente no interior da Bahia, em uma faixa que se estende por Ceará e Piauí.
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A expansão do setor tem dois momentos cruciais. O primeiro, em 2004, quando surge o Proinf regulamentando lei de 2001, criada na época do racionamento. O segundo, quando a então Ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff, precisou regulamentar o setor. Foram necessários os primeiros incentivos para sinalizar os fabricantes de bens de capital, esperando colher os frutos no futuro.
Hoje em dia, praticamente todas as grandes empresas de energia elétrica investem em energia eólica. Também entraram no setor grupos não-tradicionais.

domingo, 15 de janeiro de 2012

O PM genérico


GUARACY MINGARDI - O Estado de S.Paulo Aliás 15/jan/12
Quanto maior e mais antiga a instituição, mais difícil é sua evolução. O tempo transforma os costumes em tradição e depois em regra, e condiciona o recruta desde seu ingresso. Por isso as mudanças são normalmente lentas e necessitam de um empurrão externo.
Para promotores, a operação na cracolândia causou 'dor e sofrimento' desnecessários' - Nilton Fukuda/AE
Nilton Fukuda/AE
Para promotores, a operação na cracolândia causou 'dor e sofrimento' desnecessários'
A Polícia Militar de São Paulo é antiga, grande, e passou nos últimos 20 anos por uma série de mudanças. Parece, porém, que algumas delas não foram completamente assimiladas por todos os grupos internos. Acontecimentos recentes mostram que certos comportamentos persistem, apesar do empenho de alguns policiais. Dois exemplos, flagrados pela imprensa, sustentam essa tese.
Um foi o caso da agressão de um estudante da USP, filmado e transmitido em rede nacional, por um sargento sem condições de trabalhar nas ruas. Ainda mais em um local povoado por pessoas que normalmente se ressentem da presença da polícia. Quem acompanhou o noticiário dos últimos meses sabe da movimentação de alguns alunos da USP contra a presença da PM no câmpus.
O segundo exemplo é a operação na cracolândia batizada Ação Integrada Centro Legal, que, segundo o Ministério Público paulista, foi desastrosa. Os promotores informaram que vão instaurar inquérito civil para identificar os objetivos da ação e também verificar se houve excesso de violência. Segundo eles, a ação foi precipitada, sem coordenação com a Prefeitura, e usou muita violência, causando "dor e sofrimento" desnecessários.
Esses exemplos relatam situações muito diferentes e vão da questão local e do erro individual a ações "planejadas" e coletivas. E a explicação para cada um deles pode ser diferente, mas permanece o fato de que ocorreram num pequeno período de tempo. Portanto, vamos analisá-los, primeiro individualmente, depois em conjunto.
A agressão ao estudante pode ter sido motivada por stress, como alega o sargento. Apesar de a profissão ser mesmo estressante, existem dois fatores na vida dos policiais paulistas que também influem. Um é o baixo salário, que obriga soldados e suboficiais a trabalharem em dias alternados na PM e no "bico", de forma que passam semanas sem uma folga de verdade. Outro motivo do stress profissional é a ideia do "PM genérico", aquele que serve para tudo. É uma visão militar, que implica que todos devem exercer todas as funções, trabalhar em qualquer local e com qualquer público. A ideia da especialização ainda não tem muito espaço na instituição, e atinge poucas funções, principalmente de oficiais. Vendo a discussão entre ele e os estudantes, fica claro que o sargento não é adequado para trabalhar com uma "clientela" que contesta sua autoridade.
Já o confronto na cracolândia não pode ser creditado a um problema individual. Dezenas de policiais agiram na repressão aos "noias". A operação foi, de acordo com a Secretaria de Segurança, pensada, planejada e comandada do começo ao fim. E então, se houve falha, ela deve ter ocorrido na concepção, na execução ou mesmo nos dois extremos. Portanto, o erro foi institucional, independendo do stress dos soldados ou da inadequação de alguns deles para essa ação em particular.
À primeira vista, é difícil encontrar os fatores que liguem as duas falhas. Afinal, uma é individual e a outra, coletiva. O conhecimento da história da PM, aliado à lentidão das mudanças mencionada no início do artigo permite, porém, levantar duas hipóteses sobre o ocorrido.
Um antigo ditado, usado pelos policiais militares que ingressaram no tempo da ditadura militar, é que "paisano é bom, mas tem muito". Ele é fruto de uma ideia vigente na época, que separava a estrutura militar do restante, distanciava o soldado do cidadão comum. Essa visão foi se atenuando, mas nunca desapareceu totalmente. Apesar de a instituição estar mais próxima da sociedade do que há 20 anos, alguns grupos ainda não foram completamente aceitos pela ideologia militar. Em ambas as ações o confronto se deu com o "outro", pessoas de fora da instituição e que estão além dos parâmetros normais. Estudantes contestatórios e usuários de droga em situação miserável.
O segundo fator a ser considerado é menos sociológico e mais político. Logo depois da manifestação dos promotores o secretário de Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, saiu em defesa da operação na cracolândia. Disse que eles eram "oportunistas" e que os beneficiários da investigação do MP eram os traficantes. Essas palavras, aliadas às nomeações feitas por Ferreira Pinto nos cargos de comando, mostram que a velha guarda esta voltando à instituição. Se não são os antigos coronéis, já reformados, são aqueles que pensam como antigamente. Alias, o secretário, além de procurador de Justiça, é um ex-oficial da PM que ingressou na instituição durante o período mais duro da ditadura.
O coronel Camilo, atual comandante da PM, tem uma formação mais moderna e ideias mais progressistas, mas não é escolha do secretário. Infelizmente ele vai para a reforma em dois meses. Estamos torcendo pra que não assuma seu posto um desses "coronéis das antigas". O passado não volta e a evolução da PM não pode parar. 
* GUARACY MINGARDI  É DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP, PESQUISADOR DA DIREITO/GV