segunda-feira, 19 de maio de 2025

Desaceleração da China faz Vale diminuir teor de minério de ferro, na contramão de aço mais limpo, FSP

 Pedro Lovisi

São Paulo

Vale vai lançar nos próximos meses um novo produto de minério de ferro com teor menor do que o geralmente vendido pela empresa. O lançamento visa atender a demanda das siderúrgicas chinesas, que têm operado com lucros menores do que o habitual devido à desaceleração da economia da China.

O país asiático absorve 62% das vendas da Vale e, por isso, tende a direcionar as estratégias da mineradora. No final de abril, o vice-presidente executivo comercial e desenvolvimento da empresa, Rogerio Nogueira, afirmou a investidores que a empresa criará um produto de médio teor feito com o minério de Carajás, de alta qualidade.

A imagem mostra um posto de controle em uma área de mineração. O posto é coberto por uma tenda marrom e possui uma porta azul. Ao redor, há cercas de segurança com postes vermelhos e brancos, além de sinalizações visíveis. O terreno é árido e rochoso, com uma grande parede de rocha ao fundo.
Complexo minerário S11D, em Canaã dos Carajás - Felipe Borges/Folhapress

Segundo uma pessoa ligada à Vale, a mineradora vai usar parte do estéril (material sem valor econômico), antes descartado na extração, para combiná-lo com o minério de altíssimo teor de Carajás e, assim, criar um produto com teor entre 60% e 63%, com características metalúrgicas diferentes dos feitos com o minério de Minas Gerais.

Hoje, o minério de ferro extraído em Carajás tem teor de 66% e o produto principal da mineradora (feito a partir de uma mistura com o minério de MG) tem teor de 62%.

"Nossos clientes estão operando com margens muito baixas, porque os preços do carvão de coque estão muito baixos, então o que vemos hoje é uma menor necessidade de produtividade. E, assim, os prêmios de qualidade estão em seu nível mais baixo, e o que os clientes realmente estão buscando são minérios de ferro de grau médio", disse Nogueira na ocasião.

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De forma geral, o movimento chama atenção, porque o minério de ferro de Carajás é frequentemente chamado de ovo de ouro da Vale, visto seu teor altíssimo, o que aumenta a produtividade de siderúrgicas. Além disso, em um mundo que corre em direção à descarbonização, esse tipo de minério é essencial para a fabricação de um aço mais limpo, sem o uso de carvão, material poluente.

Mas a atual preferência dos chineses pelo minério de menor teor escancara a dificuldade da economia internacional de privilegiar a descarbnonização em detrimento de ganhos de curto prazo. O portal MySteel, especializado em siderúrgicas chinesas, publicou na semana passada que a maior demanda dos chineses por minério de ferro com menor teor fez a diferença de preço entre minérios de grau médio e baixo diminuir.

Como exemplo, o portal aponta que a diferença entre a tonelada do minério de 56,5% da australiana Fortescue e a do de 61,5% da também australiana Rio Tinto caiu US$ 1,63 na última semana, saindo de US$ 19,63 para US$ 18. Isso devido ao aumento de US$ 3,55 na tonelada do minério de baixo teor da Fortescue e de apenas US$ 1,9 no de médio teor da Rio Tinto. Junto com a BHP, as duas empresas são as principais concorrentes da Vale.

A Rio Tinto anunciou recentemente que reduzirá o teor de seu principal produto de 61,6% para 60,8%. O operador comercial de uma trading internacional que atua no Brasil disse à Folha que outras mineradoras brasileiras também têm intensificado a venda de produtos com menor teor.

"É um recorte do momento que está bastante ligado com a situação da China, o maior produtor de aço. Hoje há um movimento muito grande de exportação de aço pela China, o que significa que eles não estão consumindo tudo o que produzem, então naturalmente essa oferta em excesso pressiona o preço e consequentemente as margens diminuem", afirma Artur Bontempo, analista de aço e minério de ferro da consultoria Wood Mackenzie.

O minério de ferro de alto teor pode ser usado tanto na rota de redução direta quanto nos altos-fornos, que necessitam de carvão. A primeira rota, apesar de ser a mais limpa e essencial para a descarbonização do aço, ainda é minoria em todo o mundo e não chega nem a 5% da produção chinesa. Assim, o minério de ferro de alto teor na China é usado para intensificar a produção de ferro-gusa (um material intermediário na produção de aço), o que reduz a quantidade de carvão queimado e, consequentemente, de CO2 emitido na atmosfera.

Mas com a queda da procura por minerais de alto teor, as mineradoras com produtos de teor elevado, como a Vale, têm diversificado seus portfólios.

Em evento na semana passada com investidores, por exemplo, a gerente de estratégias corporativas da Vale, Debora Doblas, destacou que a intenção da mineradora é atender o momento de seus clientes. "A Vale hoje tem minério de alta qualidade, mas também tem uma ampla gama de produtos, inclusive de especificações únicas que permitem que a gente tenha mais flexibilidade no portfólio", afirmou.

"E, por a gente acreditar que a descarbonização vai acontecer de forma gradual, no curto prazo a gente está olhando mais para o que o cliente precisa. Então hoje a siderurgia com margem apertada e o preço do carvão mais deprimido acabam não incentivando a aceleração da agenda de descarbonização", acrescentou.

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