quinta-feira, 22 de maio de 2025

Proposta da JBS muda sede para Holanda e concentra poder nos Batista com dupla listagem, FSP

 Alexa Salomão

São Paulo

No mercado financeiro brasileiro, o tema segue pacificado, mas no mundo dos fundos globais o debate esquentou nesta semana. Causa divergências a reestruturação sugerida pela família Batista para a JBS, maior empresa de proteína animal do mundo e o coração dos negócios da holding J&F Investimentos, controlada pelos irmãos Joesley e Wesley.

As mudanças, que serão avaliadas pelos minoritários nesta sexta-feira (23), projetam uma escalada de ganhos financeiros para os acionistas porque incluem dupla listagem a partir da NYSE, bolsa de Nova York, a que mais movimenta dinheiro no mundo. Documentos divulgados pela companhia nesta quinta (22) indicam, por enquanto, uma votação apertada, com 52% dos votos até agora em oposição ao plano.

As alterações dependem de uma reestruturação internacional que mexe na governança: muda a sede para o exterior e concentra o poder de decisão nos controladores.

A imagem mostra uma instalação da JBS, com um grande edifício azul ao fundo. Há uma escada amarela visível na lateral do edifício e um balão amarelo preso em um mastro. O logotipo da JBS está em destaque na parte inferior direita da imagem.
Detalhe de fachada da JBS em Montenegro (RS); empresa afirma que fará investimento de R$ 15 bi no Brasil se dupla listagem for bem-sucedida - Diego Vara/REUTERS

Pela proposta, serão instituídas novas empresas: uma na Holanda (JBS NV), sede da companhia e emissora das ações, outra em Luxemburgo (LuxCo) e uma terceira no Brasil, a Brazil HoldCo (veja detalhes das mudanças no infografia).

A estrutura foi qualificada como muito inteligente por especialistas em organização societária. Aproveita, por exemplo, acordos internacionais com a Holanda, que evitam bitributação, e a legislação de Luxemburgo, flexível para holdings. Ao mesmo tempo, não dá um cavalo de pau tributário, transferindo subsidiárias para o exterior, o que poderia atrair animosidade à Receita Federal do Brasil.

"Em linhas gerais, é um modelo de planejamento societário e tributário muito bem estruturado, similar ao adotado por outras empresas globais", explica José Andrés Lopes da Costa, sócio do DCLC Advogados.

O ponto de divergência gira em torno dos efeitos da operação em Bolsas. A JBS NV, da Holanda, vai emitir duas classes de ações, a Classe A (com 1 voto por ação), que será listada em Nova York e no Brasil, via BDRs (recibos depositários de ações), e a Classe B (com 10 votos por ação), não negociável e que tende a ficar concentrada nas mãos dos Batista.

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Na relação de poder econômico nada muda para os minoritários. Mas a participação dos Batistas medida pelo poder político de voto aumenta. Passará de cerca de metade para algo entre 83% e 85% nas tomadas de decisões.

Concluída a transação, as ações ordinárias da JBS S.A. não serão mais listadas na B3 ou em qualquer outra Bolsa. A JBS S.A. se tornará uma subsidiária integral da Brazil HoldCo.

Minoritários podem pleitear a conversão para a Classe B, dentro de algumas regras, até 31 de dezembro de 2026. Como a Classe B não será negociada em Bolsa, então, está meio dado que eles vão preferir a Classe A. A frase no mercado é: investidor compra para negociar, não para guardar.

No mercado de capitais, um lado diz que não há surpresa aí. Outros empresários fazem gestão via ações especiais, na proporção de 10 por um, especialmente na área de tecnologia, e já a partir dos IPOs (termo em inglês para ofertas públicas iniciais). É assim que Mark Zuckerberg tem controle total da Meta, por exemplo.

Outros lembram que família Tyson, concorrente da JBS, tem super ação e vem sendo pressionada por fundos para desistir desse modelo. Há também empresas de commodity que chegam a ter capital pulverizado, caso da mineradora Vale.

Os irmãos Wesley e Joesley Batista, da J&F
Os irmãos Wesley (à esq.) e Joesley Batista, da JBS - Iara Morselli e Marina Malheiros/Divulgação CNN Brasil

No mercado financeiro brasileiro, quem chamou a atenção para concentração foi a Genial Investimentos.

O analista Igor Guedes manteve a recomendação de compra por causa dos inequívocos ganhos econômicos, mas explicou que a concentração pelo super voto é um dado técnico, e o minoritário precisa ter conhecimento de todos os efeitos da reestruturação.

"A formatação proposta dá ao minoritário a valorização das ações e concentra ainda mais o poder de controle. Como diz o nome do nosso relatório, é uma escolha entre uma coisa ou outra: não dá para ter as duas", afirma.

Em nota enviada à Folha, a JBS ainda reforçou que fundadores são vitais para a saúde de suas empresas, fazendo referência ao caso em que Steve Jobs foi expulso da Apple por executivos e chamado de volta quando a empresa estava à beira da falência, em 1997.

"Exato dez anos depois, Jobs lançava o iPhone", destaca o texto da companhia. "No caso da indústria de proteína animal, pela complexidade do negócio, é ainda mais evidente a importância de um controlador que entenda do ramo e que saiba lidar com as sazonalidades, custos altos e margens apertadas."


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