A tecnologia serve para resolver problemas práticos. Não serve para resolver problemas existenciais. E, no entanto...
E, no entanto, basta escutar os mandarins da tecnologia, com suas togas imaginárias, dissertando sobre o assunto com verdadeiro fervor religioso. Eles não querem apenas melhorar as condições materiais da espécie. Querem melhorar a própria espécie e, se possível, encaminhar a humanidade para a terra de leite e mel que era coutada exclusiva das religiões do passado.
O exemplo mais recente, e mais deprimente, é Mark Zuckerberg. A solidão é um problema feio, disse ele, como se tivesse descoberto uma praga única nunca vista na história da humanidade. Os norte-americanos, acrescenta Mark, têm em média três amigos apenas. É um ultraje.
Mas existe uma cura para isso: a inteligência artificial, claro. Em breve, será possível ter um amigo virtual que nos conhece e nos aceita, preenchendo o buraco que existe em nossas vidas.
Tem piada: Zuckerberg contribuiu para o buraco com a rede social que criou. Um mundo de mil amigos onde não existe um só de verdade.
Acreditar que será ele agora a tapar o buraco com uma nova utopia tecnológica é uma forma de fé que ainda não está descrita nos manuais de teologia.
Mas o problema nem é esse. O problema é a ignorância do homem sobre a natureza da amizade. É a forma artificial e autocentrada como ele entende o conceito, revelando ao mundo a sua inadequação para lidar com o problema.
Para Zuckerberg, a amizade é uma mistura de utilidade e prazer, que vamos usando consoante as nossas necessidades. Um amigo, real ou virtual, existe para nos beneficiar ou divertir, consoante as circunstâncias. É como ir ao self-service: cada um pega o que quer.
Haverá forma mais pobre de olhar para o assunto?
Não há, diria Aristóteles, o mais importante pensador sobre estas matérias. Na sua "Ética", o filósofo apresenta três tipos de amizade que não devem ser confundidos.
O primeiro tipo apresenta o amigo como alguém que é útil para nós. Mantemos a amizade porque o seu fim seria um prejuízo, muitas vezes no sentido mais básico do termo.
No mundo profissional, é um tipo de amizade comum: os amigos do trabalho são, na realidade, elementos que nos convêm para cumprir tarefas ou obter ganhos pessoais.
A instabilidade dessa relação é óbvia: finda a utilidade da relação, a amizade desaparece tão rapidamente como apareceu.
O segundo tipo de amizade, segundo Aristóteles, acredita que o amigo é uma fonte de prazer, como acontece com certas drogas ou certos líquidos. Como escreve o filósofo, os jovens são especialmente propensos a esse hedonismo calculado.
Mas também aqui a precariedade é notória: quando o amigo deixa de ter valor lúdico, é hora de encontrar um novo "entertainer". Essa é uma das razões pelas quais as amizades de juventude são tão intensas e, paradoxalmente, tão facilmente descartáveis e substituídas.
Qual é, então, o conceito mais elevado de amizade?
É a amizade por virtude: dois seres humanos reconhecem-se como humanos, valorizam mutuamente a excelência do outro e, pormenor fundamental, desejam o bem do outro sem pensar em benefício próprio.
É uma forma de amor, feita de admiração e confiança, onde as sujidades do ego ocupam um plano secundário.
Eis o teste da verdadeira amizade: olharmos para o amigo como um fim, não como um meio. Desejarmos o seu bem, não para o nosso bem —mas porque ele é quem é e nós somos quem somos, na belíssima definição de Montaigne sobre o amigo Étienne de La Boétie.
Sem surpresas, amigos desses são raros. Raríssimos. Exigem tempo, dedicação, às vezes sacrifício. De mim falo: conto pelos dedos de uma mão os amigos que correspondem à descrição do filósofo. Não sei se é um amor correspondido, mas acredito que sim.
A amizade virtual falha o teste aristotélico. Para começar, só por piada um algoritmo deseja o nosso bem. Ele pode ter sido programado para isso, mas a autenticidade que procuramos no amigo não existe. Existe apenas um simulacro de autenticidade que só amplifica a nossa solidão primordial.
Por outro lado, seria absurdo desejar o bem de uma máquina. A reciprocidade nem sequer existe nesse contexto, porque uma máquina não tem virtudes ou necessidades. Uma vez mais, existimos apenas nós com uma ilusão de amizade.
Hoje, o inefável Zuckerberg lamenta que os americanos tenham apenas três amigos em suas vidas. Pobre Mark. Soubesse ele o que é a amizade e esses três amigos, se fossem verdadeiros, já seriam um tesouro e uma multidão.
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