Hoje diríamos que ele era um multiartista ou, vá lá, um influenciador. Melhor é chamá-lo de azougue do samba, um notável pioneiro na criação, propagação e fixação daquele que se tornaria o ritmo musical do país. Mesmo assim, Heitor dos Prazeres não é reconhecido como tal —circunstância que a Vila Isabel quer mudar com o enredo em sua homenagem no Carnaval de 2026.
Pouca gente sabe que uma frase sua —"A praça Onze era uma África em miniatura"— levou a que se adotasse o termo Pequena África para definir a região do Rio dominada pela música, visual, sociabilidade e religiões de matriz africana.
Ali era seu berço. Nascido em 1898, cresceu ouvindo polcas, valsas e choros e, enquanto aprendia a tocar cavaquinho, frequentou a casa de Tia Ciata, com Donga, Pixinguinha e João da Baiana. Apesar de trabalhar como engraxate, jornaleiro e marceneiro, aos 13 anos foi preso por vadiagem. Seu crime era a pele negra, pela qual foi condenado a ficar dois meses na Ilha Grande, de onde raramente se saía vivo.
Heitor saiu para polemizar com Sinhô, então o Rei do Samba, mas a quem ele se referia como "rei dos meus sambas", acusando-o de ter roubado o sucesso "Gosto que me Enrosco". No Estácio —onde era chamado de Mano Heitor ou Mano Lino—, conviveu com os bambas que fizeram a revolução do samba batucado, suplantando o maxixe. É dele o primeiro registro no novo estilo, "Ora Vejam Só", de 1926.
Amigo de Cartola, ajudou a fundar a Mangueira; parceiro de Paulo, fez o mesmo na Portela. Com Noel Rosa, compôs a marchinha carnavalesca sobre o pierrô apaixonado que levou um chute e foi tomar vermute com amendoim.
A partir dos anos 1930 começou a pintar. Autodidata, usava cores fortes para retratar a vida de personagens negros nas favelas. Uma vez, Cartola o surpreendeu retocando uma tela. "Que quadrinho feio, Lino", disse. Não era a opinião de Rubem Braga, para quem a arte de Heitor expressa "um Rio de Janeiro atrapalhado e saboroso a que a miséria nunca pôde tirar o gosto intensíssimo da vida".
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