18 de maio de 2014 | 2h 06
Moisés Naím
Foi o que ocorreu. Denunciar o 1% da população muito rica ao passo que a vida de 99% dos indivíduos é cada vez mais precária tornou-se um slogan mundial. Em 2012 o número de artigos sobre a desigualdade econômica aumentou 25% em relação a 2011 (e 237% em relação a 2004).
Muito mais importante foi o fato de o papa Francisco e Barack Obama se referirem a ela como o problema que define o nosso tempo. Como combatê-la é assunto de debate eleitoral em todo o mundo, incluindo países como o Brasil, onde a desigualdade diminui.
Agora, dois anos após meu prognóstico, chegou Thomas Piketty. Dizer que ele é um economista francês, autor de O Capital no Século 21, best seller mundial, é fazer-lhe injustiça.
Piketty é muito mais do que isto. É um surpreendente fenômeno político, midiático e editorial. Sua tese é de que a desigualdade econômica é um efeito inevitável do capitalismo e se não for combatida continuará aumentando até chegar a níveis que acabarão por destruir a democracia e a estabilidade econômica. Segundo ele, a desigualdade cresce quando a taxa de remuneração do capital ("r") é maior que a do crescimento econômico ("g") ou, em sua famosa formulação, a desigualdade cresce quando "r" é maior que "g".
O alcance do fenômeno Piketty vai além do que normalmente ocorre com ideias de acadêmicos. Por exemplo, um artigo de The New York Times sobre como escolher a área da cidade onde viver, recomendando que antes seja feita uma averiguação sobre o que os vizinhos leem. Para isso sugere que se vá à biblioteca do bairro para saber quais são os livros mais procurados. É um lugar mais tipo Piketty ou mais propenso a romances de mistério? Outro artigo sobre os espinhosos problemas que afetam casais quando a mulher ganha mais do que o marido termina explicando que a base do problema tem a ver com o "debate Pikety..."
A inesperada popularidade dos livros acadêmicos de difícil leitura não é um fenômeno novo. Isso ocorreu, entre outros, com O Fim da História, de Francis Fukuyama, publicado em 1992, e com O Choque das Civilizações, de Samuel Huntington, de 2001. O improvável sucesso editorial de ambas as obras deve-se ao fato de que foram publicadas em momentos em que já havia um grande interesse no mundo pelos temas que abordavam. Fukuyama publicou seu livro pouco depois do colapso da União Soviética e a percepção generalizada era de que o comunismo fora derrotado. O prognóstico de que o futuro do mundo seria definido por ideias liberais - pelos mercados e a democracia - chegou no momento preciso. Uma década depois, Huntington teve a mesma sorte. Seu livro, cuja tese é de que os conflitos ideológicos serão substituídos por conflitos religiosos, foi lançado um mês antes dos ataques do 11 de Setembro.
Agora chegou a vez de Piketty.
Há uma década, quando o boom econômico estava no apogeu e o colapso financeiro ainda não havia deixado extremamente angustiadas as famílias nos EUA e na Europa, o interesse em entender por que a desigualdade é causada por "r maior que g" não era tão grande. Na América Latina e África, regiões com a pior distribuição de renda do planeta, o tema da desigualdade não é novo.
O debate mundial difundiu-se quando a desigualdade se agravou nos EUA. A superpotência tem uma capacidade inigualável para exportar suas angústias e fazer com que o restante do mundo compartilhe delas. Neste caso, é boa notícia saber que o problema também é importante para aqueles que o têm tolerado passivamente há tempo demais. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
É ESCRITOR VENEZUELANO E MEMBRO DO CARNEGIE ENDOWMENT EM WASHINGTON
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