sábado, 31 de maio de 2014

'RENDA DOS MAIS POBRES TEVE MAIOR AVANÇO COM DILMA


 
 

Encarregado de compilar dados que sustentem a tese que deve nortear a campanha da presidente à reeleição, Marcelo Neri, ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, afirma que, apesar do cenário econômico não tão animador, os ganhos sociais continuaram a se expandir no atual governo.
"Os brasileiros que estão mais próximos da parte superior da distribuição têm uma dificuldade grande de ver o Brasil profundo. A transformação está acontecendo lá embaixo", afirma.
 
Para ele, apesar da desaceleração econômica observada nos últimos anos, houve uma surpreendente continuidade da melhora social, o que contrapõe dados como o crescimento do PIB e a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios, a Pnad. "Os 10% mais pobres tiveram crescimento de 14,4%, contra 5,4% em média entre 1992 e 2012. "A melhora é mais acentuada, inclusive em relação ao governo Lula", diz Neri.
 
Ele acrescenta que, em 2000, 41% dos municípios tinham IDH muito baixo. Em 2010, são menos de 0,6%. "Isso é expectativa de vida, educação e renda também. A mortalidade infantil caiu 47% em 10 anos. O que é mais estrutural que isso? Tem uma revolução acontecendo aí".


30 mai 2014


Pobreza teve queda de 69% nos últimos dez anos


Dados da última Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD) e do relatório de acompanhamento das Metas do Milênio divulgado pelo IPEA atestam as transformações promovidas pelos governo do PT. A pobreza teve queda de 69% nos últimos dez anos. Além disso, a renda dos mais pobres está crescendo 5,5 vezes mais rápido que a do ricos.


A PNAD mostra que entre 2003 e 2012, a renda dos 10% mais pobres do país cresceu 106%. O índice equivale ao dobro do aumento da renda média no país – de 51% – no mesmo período. Já a renda mediana (do segmento que se encontra bem no meio da pirâmide social) aumentou 78% em nove anos.


Segundo o ministro Marcelo Neri (Secretaria de Assuntos Estratégicos) os números são o resultado de uma equilibrada combinação entre crescimento econômico e diminuição da desigualdade de renda. Esse “caminho do meio” – explica – tem como base as transformações estruturais no país.


“Dizer que todo este movimento de queda da pobreza e da desigualdade é fruto de assistencialismo e não tem padrões estruturais é entrar em conflito com os dados”, avalia Neri. Ele também aponta que poucos países no mundo, nos últimos 60 anos, conseguiram manter durante 12 anos consecutivos uma queda contínua de suas desigualdades.


Os dados dimensionam a importância do trabalho com carteira assinada: o salário foi responsável por 3/4 do aumento da renda dos brasileiros, entre 2002 e 2012. Neri destaca, também, as transformações na Educação, sobretudo no ensino técnico, que dobrou sua cobertura entre os jovens de 15 e 29 anos, passando de 2% para mais de 4%.


Como vocês sabem, o Brasil conseguiu atingir uma das metas do milênio – a queda da mortalidade infantil – quatro anos antes do prazo estipulado pela ONU (2015). Passamos dos 53,7 óbitos por mil nascidos vivos em 1990 para 17,7 em 2011. Agora, aponta Neri, a meta é a superação da extrema pobreza: “O mundo debate isso em escala global. O Brasil está exportando a ideia”.

Basta de fingir - CRISTOVAM BUARQUE (definitivo, pauta educação)

O GLOBO - 31/05

Raros são capazes de ler e falar outro idioma


O Brasil comemora sua posição de sétimo maior PIB do mundo, mas o PIB per capita rebaixa o país para a 54ª posição no cenário mundial; no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) ficamos em 85º lugar. Fingimos ser ricos, apesar da pobreza.

Nos últimos 20 anos, passamos de 1,66 milhão para 7,04 milhões de matrículas nos cursos superiores, mas quase 40% de nossos universitários sabem ler e escrever mediocremente, poucos sabem a matemática necessária para um bom curso nas áreas de ciências ou engenharia, raros são capazes de ler e falar outro idioma além do português. Fingimos ser possível dar um salto à universidade sem passar pela educação de base.

Comemoramos ter passado de 36 milhões, em 1994, para 50 milhões de matriculados na educação básica, em 2014, sem dar atenção ao fato de termos 13 milhões de adultos prisioneiros do analfabetismo; 54,5 milhões de brasileiros com mais de 25 anos não terminaram o Ensino Fundamental e 70 milhões não terminaram o Ensino Médio. Fingimos que os matriculados estão estudando, quando sabemos que passam meses sem aulas por causa de paralisações ou falta de professores.

A partir de 1995, no Distrito Federal e em Campinas, iniciamos um programa que serve de exemplo ao mundo inteiro, atualmente chamado de Bolsa Família e que transfere por mês, em média, R$ 167 por pessoa pobre, o que lhe assegura R$ 5,67 por dia, valor insuficiente para aliviar suas necessidades mais essenciais. E fingimos que, com esta transferência, estamos erradicando a pobreza que é caracterizada efetivamente pela falta de acesso aos bens e serviços essenciais que não estamos oferecendo. Fingimos ter 94,9 milhões na classe média, sabendo que a renda média mensal per capita dessas pessoas está entre R$ 291 e R$ 1.019, quantia insuficiente para uma vida cômoda, especialmente em um país que não oferece educação e saúde públicas de qualidade.

Comemoramos o aumento da frota de automóveis de, aproximadamente, 18 milhões, em 1994, para 64,8 milhões, em 2014, fingindo que isto é progresso, mesmo que signifique engarrafamentos monumentais.

Comemoramos, corretamente, termos desfeito uma ditadura, esquecendo que a democracia está sem partidos e a política se transformou em sinônimo de corrupção. Fingimos ter uma democracia com liberdade de imprensa escrita em um país onde poucos são capazes de ler um texto de jornal. Assistimos a 56 mil mortos pela violência ao ano, e fingimos ser um país pacífico, sem uma guerra civil em marcha.

Fingimos ser um país com ambição de grandeza, mas nos contentamos com tão pouco que os governantes se recusam a ouvir críticas sobre a ineficiência dos serviços públicos. Preferem um otimismo ufanista, comparando com o passado que já foi pior, e denunciam como antipatriotas aqueles que ambicionam mais e criticam as prioridades definidas e a incompetência como elas são executadas. Antipatriota é achar que o Brasil não tem como ir além, é acreditar nos fingimentos.

O pibinho, os gringos e a conspiração de São Pedro - ROLF KUNTZ


O ESTADÃO - 31/05


Com o desastre econômico do primeiro trimestre, uma expansão miserável de 0,2% combinada com inflação alta e enorme rombo comercial, a presidente-gerente Dilma Rousseff completou três anos e três meses de fracasso econômico registrado oficialmente. O fracasso continua, como confirmam vários indicadores parciais, e continuará nos próximos meses, porque a indústria permanece emperrada e o ambiente econômico é de baixa produtividade. Mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, parece desconhecer a história dos últimos três anos e um quarto. Em criativa entrevista, ele atribuiu o baixo crescimento brasileiro no primeiro trimestre a fatores externos e a problemas ocasionais. A lista inclui a instabilidade cambial, a recuperação ainda lenta das economias do mundo rico e a inflação elevada principalmente por causa dos alimentos. Culpa dos gringos, portanto, e isso vale igualmente para o judeu Simão, também conhecido como São Pedro, supervisor e distribuidor das chuvas e trovoadas.

No triste cenário das contas nacionais divulgadas nesta sexta-feira, só se salva a produção agropecuária, com crescimento de 3,6% no trimestre e de 4,8% no acumulado de um ano. Os detalhes mais feios são o investimento em queda e o péssimo desempenho da indústria. Em sua pitoresca entrevista, o ministro da Fazenda atribuiu o baixo investimento à situação dos estoques e ao leve recuo - queda de 0,1% - do consumo das famílias, causado em grande parte pela alta do custo da alimentação. A explicação pode ser instigante, mas deixa em total escuridão o fiasco econômico dos últimos anos, quando o consumo, tanto das famílias quanto do governo, cresceu rapidamente.

O investimento em máquinas, equipamentos, construções civis e obras públicas - a chamada formação bruta de capital fixo - caiu, como proporção do produto interno bruto (PIB), durante toda a gestão da presidente Dilma Rousseff.

No primeiro trimestre de 2011, quando o governo estava recém-instalado, essa proporção chegou a 19,5%. Caiu seguidamente a partir daí, até 17,7% nos primeiros três meses de 2014. Durante esse período o consumo das famílias aumentou velozmente, sustentado pela expansão da renda e do crédito, mas nem por isso os empresários investiram muito mais.

Além disso, o governo foi incapaz de ir muito além da retórica e das bravatas quando se tratou de executar as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nem as obras da Copa avançaram no ritmo necessário, apesar do risco de um papelão internacional.

A estagnação da indústria reflete o baixo nível de investimentos, tanto privados quanto públicos, e a consequente perda de poder de competição. Por três trimestres consecutivos a produção industrial tem sido menor que nos três meses anteriores. Encolheu 0,1% no período julho-setembro, diminuiu 0,2% no trimestre final de 2013 e 0,8% no primeiro deste ano. Não há como culpar as potências estrangeiras ou celestiais por esse desempenho.

O conjunto da economia brasileira é cada vez menos produtivo, embora alguns segmentos, como o agronegócio, e algumas empresas importantes, como a Embraer, continuem sendo exemplos internacionais de competitividade.

O baixo crescimento do PIB, apenas 0,2% no trimestre e 2,5% em 12 meses, reflete essa perda de vigor, associada tanto à insuficiência do investimento em capital fixo quanto à escassez crescente de pessoal qualificado. Não por acaso, o País apareceu em 54.º lugar, numa lista de 60 países, na última classificação de competitividade elaborada pelo International Institute for Management Development (IMD), da Suíça.

O baixo desempenho da economia, especialmente da indústria, tem tudo a ver com a piora das contas externas. O efeito mais evidente é a erosão do saldo comercial. No primeiro trimestre, período de referência das contas nacionais atualizadas, o País acumulou um déficit de US$ 6,1 bilhões no comércio de mercadorias. O resultado melhorou um pouco desde abril, mas na penúltima semana de maio o buraco ainda era de US$ 5,9 bilhões. O Banco Central (BC) continua projetando um saldo de US$ 8 bilhões para o ano, muito pequeno para as necessidades brasileiras. No mercado, a mediana das projeções coletadas em 23 de maio na pesquisa semanal do BC indicava um superávit de apenas US$ 3 bilhões.

Estranhamente, os deuses parecem ter poupado outros países dos males atribuídos pelo ministro da Fazenda ao quadro externo. Outras economias continuaram crescendo mais que a brasileira e com inflação menor, apesar de sujeitas à instabilidade dos mercados financeiros e a outros problemas internacionais. A inflação no Brasil tem permanecido muito acima da meta oficial, 4,5%, e a maior parte das projeções ainda aponta um resultado final em torno de 6% para 2o14. Até agora, o recuo de alguns preços no atacado pouco afetou o varejo e os consumidores continuam sujeitos a taxas mensais de inflação superiores a 0,5%. O ritmo poderá diminuir nos próximos meses, mas, por enquanto, as estimativas indicam um repique nos quatro ou cinco meses finais de 2014.

O aperto monetário, interrompido pelo BC na quarta-feira, pode ter produzido algum efeito, mas o desajuste das contas do governo ainda alimenta um excesso de demanda. Na quinta-feira o Tesouro anunciou um superávit primário de R$ 26,7 bilhões nos primeiros quatro meses. Quase um terço desse total, R$ 9,2 bilhões, ou 31%, correspondeu a receita de concessões e dividendos. As concessões renderam 207,4% mais que no período de janeiro a abril do ano passado. Os dividendos foram 716,4% maiores que os do primeiro quadrimestre de 2013. Chamar isso de arrecadação normal e recorrente sem ficar corado vale pelo menos um Oscar de ator coadjuvante. A economia vai mal, mas a arte cênica brasileira ainda será reconhecida. Há mais valores entre o céu e a terra do sonham os críticos da política econômica.

Até setembro, 2,1 mi de consumidores serão transferidos do Cantareira, diz Alckmin


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O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou nesta sexta-feira (30) que, até setembro, 2,1 milhões de pessoas na Grande SP não serão mais abastecidas pelas águas do Sistema Cantareira. Normalmente, o sistema abastece 8,8 milhões de pessoas, segundo a Sabesp.
O motivo é a falta de chuvas que reduziu as reservas nas represas que formam o sistema. De acordo com o tucano, essa população será atendida por outros sistemas de abastecimento, como os já utilizados Guarapiranga e Alto Tietê.
Atualmente, de acordo com o governador, 1,6 milhão de pessoas já recebem água dos sistemas Guarapiranga e Alto Tietê. No Sistema Cantareira, a água já usada é reserva do "volume morto", que fica abaixo das comportas do sistema.
Mariana Martins/Folhapress
Governador Geraldo Alckmin, em Brodowski, durante a reabertura do Museu Casa de Portinari
Governador Geraldo Alckmin, em Brodowski, durante a reabertura do Museu Casa de Portinari
Alckmin também comentou a decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro, que nesta quinta-feira (29) deu 72 horas para que o governo paulista se posicione sobre a proposta de usar água do rio Paraíba do Sul para levar até o Cantareira.
De acordo com o tucano, serão prestadas todas as informações. O objetivo, segundo ele, será apontar a viabilidade da medida. A decisão da Justiça foi dada após pedido da Procuradoria Federal, que quer evitar a transposição de águas do Paraíba do Sul, principal manancial de abastecimento da capital fluminense.
"Estamos monitorando o Sistema Cantareira diariamente. Um milhão e seiscentas mil já foram retiradas do sistema e estão sendo abastecidas pelo Guarapiranga e Alto Tietê. Até setembro, teremos 2,1 milhões de pessoas fora do Sistema Cantareira, porque a seca foi muito grande na região Bragantina e em Minas Gerais, foi muito localizada. Então, estamos tirando boa parte [e transferindo] para outros sistemas do Estado", disse.
O governador também falou sobre o trabalho que resultou na captação, por bombas, do "volume morto". "Fizemos em 74 dias o trabalho da reserva técnica [volume morto]. E além disso, fomos o único governo que falou: 'faça economia, ajude evitando o desperdício e ganhe o bônus de 30% a menos na conta'", disse.
De acordo com o tucano, 87% da população de São Paulo reduziu o consumo de água em SP. Alckmin participou na manhã desta sexta-feira da reabertura do museu Casa de Portinari, em Brodowski (338 km de São Paulo).
PARAÍBA DO SUL
"Olha, nós vamos prestar todas as informações [para a Justiça Federal]. Há muita desinformação. Ninguém vai tirar um litro do Paraíba do Sul. Não há transposição de água. O que será feito é interligar os dois reservatórios, que é o que o mundo inteiro faz, porque aumenta a capacidade de reservação", disse o tucano.
Segundo o governador, o Sistema Cantareira "é pequeno" se comparado ao Jaguari do rio Paraíba do Sul. A capacidade de reservação de água do Cantareira, segundo a Sabesp, é de 1 trilhão de litros. "Interligando [os reservatórios], dobra a capacidade de reservação. Quando chove demais, guarda [água]. Isso é o que vamos explicar", disse. 

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Desigualdade, por Delfim Netto na Folha


Folha presta um excelente serviço à sociedade brasileira ao continuar dando espaço à interessante discussão em torno do livro do economista francês Thomas Piketty, "O Capital no Século 21".
Foi imenso o "choque" que a obra produziu após o lançamento de sua tradução em inglês. Olhada com cuidado, a sua tese está longe de provar empiricamente o inevitável fim do "capitalismo", imposto por alguma "lei" histórica (o que Marx pensou ter feito com o uso de argumentos lógicos).
Reduzida à sua essência, ela é o resultado de pura aritmética: se a taxa de retorno do capital (que ele, como a maioria dos economistas em seus modelos chama de "r") for permanentemente maior do que a taxa de crescimento do PIB (que ele, como os economistas, chama de "g"), então haverá, necessariamente, uma acumulação de renda e patrimônio que, ao fim e ao cabo, submeterá a democracia ao controle do capital e tornará o "capitalismo" disfuncional.
O problema não é econômico, é político! Não tem nada a ver com "esquerda" ou "direita". Instituições mal construídas permitem que uma classe se aproprie do excedente econômico produzido pelo trabalho, como ocorria no regime colonial e ocorre no capitalismo de "compadres"...
O problema é que "g" e "r" não são constantes e não satisfazem, necessariamente, a desigualdade: "r" sempre maior do que "g". Dependem da qualidade das instituições e, portanto, são de extrapolação duvidosa. A relação entre eles controla aritmeticamente, no longo prazo, a distribuição da renda entre o trabalho e o capital e a acumulação dos patrimônios. São as instituições e o jogo dialético permanente entre o bom funcionamento dos "mercados" e o bom funcionamento das "urnas" que determinam a relação entre "g" e "r".
O livro de Piketty já produziu dois resultados notáveis. O primeiro, muito triste para nós que amamos a França. Infelizmente, o francês transformou-se numa língua paroquial em matéria de economia, para prejuízo do próprio pensamento econômico universal. O livro só teve a merecida repercussão quando vertido para o inglês.
O segundo, é que mostra a insanidade do "cientificismo" que domina a pobre modelização de alguns economistas que têm inveja da física e se recusam entender que o átomo da economia (o cidadão comum, sujeito da política do governo) tem memória, aprende e reage num jogo dinâmico com a autoridade. E, o que é pior e mais grave, protesta e vota!
A distribuição da renda sempre implicará uma valorização filosófica. Como ensinou Adam Smith há mais de 250 anos ("A Teoria dos Sentimentos Morais", 1759), se a economia for um dia "ciência", ela há de ser uma ciência moral. 

Geólogo aposta na criação de "piscinões verdes" para combater as enchentes

Urbanismo

Geólogo aposta na criação de "piscinões verdes" para combater as enchentes

A multiplicação dos bosques florestados urbanos está entre as medidas defendidas por Álvaro Rodrigues dos Santos para aumentar a permeabilidade nas cidades. Veja artigo na íntegra

28/Maio/2014
 
Google ilustrativas
Piscinões verdes contra as enchentes
As enchentes urbanas tem sua principal causa na incapacidade das cidades em reter suas águas de chuva, o que as faz, pela impermeabilização generalizada de sua superfície, lançar essas águas em enormes e crescentes volumes, e em tempos progressivamente reduzidos, sobre um sistema de drenagem que não mais lhes consegue dar a devida vazão. O excesso de córregos canalizados e o intenso assoreamento por sedimentos, lixo e entulho que atinge todo o sistema de drenagem urbana só fazem agravar o problema.
Não é por outro motivo que o Coeficiente de Escoamento Superficial - parâmetro que expõe a relação entre o volume das águas que escoam superficialmente sem infiltrar no terreno e o volume total de uma chuva - na cidade de São Paulo está atingindo a escandalosa ordem de 80%. Ou seja, 80% do volume de uma chuva pesada que cai na capital paulista escoa superficialmente comprometendo rapidamente seu sistema de drenagem. Inversamente, em uma floresta, ou um bosque florestado urbano, o CES fica em torno de 20%; ou seja, cerca de 80% do volume das chuvas torrenciais é retido pela floresta, alimentando em boa parte, por infiltração, o lençol freático.
Fica claro que, ao contrário do que gostam de afirmar nossos governantes, as enchentes urbanas não acontecem por um eventual excesso de chuvas, ou, mais prosaicamente, por vingança dos deuses, e muito menos como efeito do polêmico aquecimento global, mas sim, liminarmente, pela absurda compulsão com que as cidades procuram livrar-se de suas águas pluviais o mais rápido que possam. 
Frente a esse claro diagnóstico é estranho e inconcebível que os programas oficiais de combate às enchentes, insistindo isoladamente nos dispendiosos projetos de ampliação das calhas de nossos principais rios, não tenham até hoje implementado um arco de medidas voltadas a recuperar a capacidade da cidade em reter suas águas de chuva, ou seja, medidas que atacariam as enchentes em suas causas elementares.
Inúmeros são os dispositivos e expedientes conhecidos para o aumento da retenção das águas de chuva, como calçadas e sarjetas drenantes, pátios e estacionamentos drenantes, valetas, trincheiras e poços drenantes, reservatórios para acumulação de águas de chuva internos aos lotes, multiplicação dos bosques florestados na cidade, etc. Todos devem se implantados, pois será a somatória de seus efeitos que propiciará os resultados hidrológicos esperados. Como um bom exemplo, por sua eficácia hidrológica e por seus enormes trunfos ambientais, vale destacar a importância da multiplicação dos bosques florestados urbanos, entendidos como espaços da cidade assemelhados a uma verdadeira floresta. Comportar-se-iam como verdadeiros e virtuosos piscinões verdes, tão diversos dos atuais deletérios piscinões, que comportam-se como verdadeiros agentes de deterioração sanitária, ambiental e urbanística das regiões onde vem sendo instalados.
Importante considerar que para que os bosques florestados realmente cumpram um papel representativo no combate às enchentes teriam que ser disseminados em profusão por toda a área urbana, o que, do ponto de vista ambiental, já seria um espetacular ganho. Muitas praças nossas, hoje praticamente sem árvores, e inúmeros terrenos públicos totalmente abandonados, poderiam ser transformados rapidamente em bosques florestados. Pode-se trabalhar na perspectiva de, ao final de um determinado prazo, cada sub-bacia hidrográfica urbana passe a contar com um mínimo de 12% de sua área total cobertos por pequenos, médios ou grandes bosques florestados, o que, em termos hidrológicos, significaria reduzir, somente via esse expediente, em cerca de 10% ou mais o volume pluvial que escoa hoje para o sistema de drenagens urbanas colaborando para a ocorrência de enchentes.
Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br) é ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT, autor dos livros "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática", "A Grande Barreira da Serra do Mar", "Cubatão", "Diálogos Geológicos" e "Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções", além de consultor de Geologia de Engenharia e Geotecnia.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Nuno Ramos: Suspeito que estamos... (definitivo)




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Há tempos venho tentando responder ao convite para escrever nesta página três. O jornal me propôs vários temas, mas nunca me senti preparado para dar conta de nenhum. Então resolvi escrever sobre o que não sei, mas suspeito.
Suspeito que o tema primordial e decisivo da sociedade brasileira sempre tenha sido, e seja ainda, a violência. A vida no Brasil nunca valeu muito. Hoje vale ainda menos. Giramos em torno disso como um animal preso ao poste. Suspeito que o sentimento de agoridade que nos caracteriza faça fronteira com essa violência. Suspeito que precisaríamos, como contraponto, de maior lentidão e inércia.
Perto da violência, suspeito que tudo saia do lugar. Noções como alto e baixo, direito e esquerdo, bem e mal, certo e errado se confundem. Por estar em toda parte, suspeito que esse tema aproxime-se, entre nós, do impensável, e que traga em seu DNA, como esses vírus de mutações constantes e velozes, alguma coisa metamórfica que sempre se transfigura e escapa.
Suspeito no entanto que haja um vínculo estreito entre violência e burrice urbana. Além de morar em São Paulo, andei recentemente por Salvador, São Luís, Manaus, Natal –suspeito que sejam, todas elas, cidades apodrecendo sob o sol. Quarteirões tombados tombando, de um lado; prédios totalmente desconectados da cidade (além de feios), sem cota nem propósito urbano, de outro. Suspeito que entre o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e a especulação imobiliária uma curiosa aliança esteja aos poucos se fazendo –ruínas orgulhosas copulando com despautérios azulejados de 30 andares.
Suspeito que cada detalhe desses grandes centros urbanos esteja em situação igualmente trágica. Suspeito, por exemplo, que quase todas as praias em cidades desse porte tenham ficado estreitas, comprimidas contra um muro de arrimo. Como não podemos mais transportar o paredão dos egoístas (a expressão é de Le Corbusier) cem ou 200 metros no sentido da montanha, suspeito que será preciso aterrar o mar para termos novamente praias em escala decente. Suspeito que muitas vezes as piadas que fazemos com os portugueses se apliquem a nós.
Suspeito que a indústria cultural brasileira seja também ela violenta. Assisti a Luciano Huck "modernizando" a ximbica de um espectador. Vi esse espectador chorar, depois mover os braços como se quisesse abraçar os joelhos do apresentador. Suspeito que isso seja cruel. Suspeito que isso seja cretino.
Suspeito que o tropicalismo tenha naturalizado nossa indústria cultural até um ponto sem retorno, e que o ciclo de conquistas democráticas provenientes dessa operação tenha já se encerrado há décadas. Suspeito que perceber o tiquinho de crueldade que haveria em atirar bacalhau nas pessoas não faça mal nenhum ao país; surpreender um ríspido sargento no modo como Ivete Sangalo dança e canta também não. Suspeito que acessar algo de ridículo no "Jornal Nacional" –a falsa intimidade da dupla, seu balé de rostos virando para a câmera, a ruga na sobrancelha de William Bonner, como um aluno estudioso se preparando para começar uma prova, a gostosíssima Patrícia Poeta descrevendo, e ainda mais com esse nome, a chegada de um tsunami ou terremoto de nove graus na escala Richter– seja uma conquista nacional relevante. Suspeito, no entanto, que nessa área caminhemos para uma verdadeira hagiografia, unilateral e coletiva (daí o esforço, essencialmente religioso, de controlar biografias).
Suspeito que a falência do caríssimo estado brasileiro esteja maquiada por uma espécie de chantagem inconsciente –com uma distribuição de renda como a nossa, sem ele seria ainda pior. Suspeito que esse raciocínio seja imobilista e refém de si mesmo, e que tenhamos perdido completamente qualquer medida de eficiência que permita cobrar o Estado como um prestador de serviços (com a morte galopante da Política, suspeito que seja nisso que ele venha se transformando).
Suspeito que a enorme migração do imaginário político para o econômico nos países desenvolvidos tenha ocorrido após uma razoável distribuição de renda via imposto e conquistas sindicais. A tirania da vida econômica sobre a política, entre nós, se deu num quadro social ainda trágico, que solicitaria muito da política. Suspeito que nossa falta de agudeza e imaginação políticas sejam, por isso, eticamente imperdoáveis. Suspeito que imaginação política no Brasil seria a capacidade de transformar o aumento de renda, a partir do Deus-PIB, em aumento de direitos, a partir do Deus-cidadania.
Tenho 54 anos e suspeito que os únicos projetos nacionais com Pê razoavelmente grande que acompanhei sejam o Plano Real e o Bolsa Família. Suspeito que não estejam tão distantes do imaginário desenvolvimentista, árido e autoritário, dos anos 70 e que afinal isso seja pouco para toda uma geração –e se suspeito que estou sendo injusto com um grupo enorme de pequenos projetos que poderia chamar de redemocratização, que me permitem inclusive escrever isto aqui num grande jornal, suspeito também que isso não passe de obrigação cívica.
Por sinal, suspeito que tenhamos perdido completamente a medida dessa obrigação, e que toda a cultura brasileira venha enfrentando fortes problemas de escala. O que é o máximo? O que é o mínimo? De onde o horror não passa? Dessa vez chega? Qual o limite? Mesmo em casos extremos (conectar um pescoço humano a um poste com uma trava de bicicleta, por exemplo), suspeito que nossa medida continue vaga, elástica.
Suspeito que o termo dívida interna, de memória econômica, descreva bem o país –devemos aos deserdados, aos desocupados, aos desmantelados, aos desabitados, aos destrambelhados e aos desmemoriados. Devemos renda, saúde, educação, claro, mas também avencas, bueiros, ruas, parques, chicletes, remédios tarja preta; devemos água potável, brinquedos, lanternas, poços artesianos; devemos livros, trufas, CDs, lentes de contato, filmes de arte, óculos escuros, museus, proteína, alface. Devemos aos pobres, aos índios, aos pretos e aos pardos, mas também aos albinos, aos esquizofrênicos, aos insones, aos priápicos, aos tiozinhos de padaria, aos mitômanos e aos sexualmente indecisos. Devemos demais aos cães atropelados, prensados contra o "guard-rail". Devemos aos palhaços de bufê infantil e aos papais noéis de shopping. Suspeito que nossa dívida interna seja impossível de descrever.
Suspeito que deus não exista –ou não tenha paciência para nenhum dos assuntos de que lembrei aqui.
Suspeito que a risada, o pôr do sol, o hino à alegria e o acorde maior estejam sendo de alguma forma privatizados. Suspeito que Paulo Coelho, o padre Marcelo Rossi e o bispo Edir Macedo sejam três faces de uma mesma e última privatização –a do infinito. Suspeito que estatizar essas coisas seja ainda pior.
Suspeito que a Portuguesa vai falir, acabar. Suspeito que Galvão Bueno não vai se aposentar nesta Copa, nem na próxima.
Suspeito que estamos fodidos.
NUNO RAMOS, 54, é artista plástico e escritor
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terça-feira, 27 de maio de 2014

Mordida na banana

27 de maio de 2014 | 2h 06

*Xico Graziano - O Estado de S.Paulo
Quando o lateral Daniel Alves, jogador do Barcelona, deu uma mordida naquela banana atirada dentro do campo de futebol, esconjurando com seu inusitado gesto a intolerância humana, todos aplaudimos. Depois, confesso, meu pensamento de agrônomo se desviou para outro assunto: por que, afinal, a coitada da fruta carrega essa maledicência associada ao preconceito racial? Difícil explicar.
A família botânica das musáceas origina-se nas regiões tropicais do Sudoeste Asiático. A Índia lidera o ranking mundial da produção de bananas, seguida por Filipinas, China, Equador e Brasil. Certamente os cachos da Musa spp têm sido descascados pelos peludos símios naquelas terras de olhos puxados desde seu surgimento no planeta Terra. Acontece, porém, que o preconceito racista se originou aqui, no Ocidente, onde os macacos, como os nativos do Brasil, só conheceram uma banana após o Descobrimento. A fruta, afinal, veio trazida pelos portugueses.
Um macaco-prego ou um bugio gostam mesmo é de coco babaçu ou de caroço de jerivá, ambos frutos de palmeiras nativas. Mas pegou a fama de a exótica banana ser seu alimento predileto. Vá entender. De forma semelhante, ninguém jamais explicou ao certo por que Carmen Miranda, ao se exibir para plateias norte-americanas, se empetecava da cabeça aos pés com cachos e folhas, cantando seu inesquecível refrão "yes, nós temos banana". Os gringos adoravam.
Curioso. A fruta serve também aqui, no Brasil, para figuras de linguagem inusitadas, algumas depreciativas. "Plantar bananeira", em certas regiões, como em Araras (SP), minha terra natal, significa ficar de ponta-cabeça, ou seja, virar-se com as pernas para cima. O sentido da expressão dá a entender, obviamente, que nas plantações de banana tal prática é comum. Ledo engano. Na formação dos pomares, as mudas, chamadas perfilhos, são colocadas dentro de profundas covas sempre em sentido normal, com as raízes para o solo e a gema apical para cima. Ora, como se explica, então, essa expressão popular? Jamais encontrei respostas.
Noutro caso, a fruta serve ao raciocínio irônico. Comumente as pessoas, numa molecagem, quando querem desdenhar algo, fazem um conhecido sinal com os braços entrelaçados, cruzando o punho com o antebraço: "Aqui, ó, uma banana para você". Soa, claro, como se a fruta simbolizasse algo rejeitável. Pior de tudo, especialmente aos olhos dos bananicultores, é alguém dizer que uma coisa qualquer, por barata na compra, está com "preço de banana". Imaginem como se chateiam os agricultores do ramo. É como se nada valessem.
Não tem sido fácil a vida dos bananicultores nacionais. Além da desvalorização da fruta no mercado, doenças terríveis têm ameaçado as plantações há tempos. A mais recente e preocupante delas, a Sigatoka negra, causada por um fungo, chegou ao Brasil em 1998, trazendo pesadelos ao bananal. Técnicos apressados chegaram a afirmar que estariam liquidados os pomares e seria decretada a extinção das lavouras. Exagero. A boa agronomia, embora arduamente, está conseguindo enfrentar mais essa peleja patogênica. Sorte dos consumidores.
Fruta mais consumida no mundo, unindo sabor, sustância e saúde, a banana é adorada pelos esportistas, pois estes creem que suas benesses combatem as cãibras. É verdadeiro. A falta de potássio no organismo leva os músculos a se contraírem e uma banana média supre 30% das necessidades diárias de potássio do corpo humano. Estudo realizado nas Filipinas indica, ademais, que ingerir duas a três bananas por dia combate a depressão e melhora o humor das pessoas. O efeito benéfico atribui-se ao elevado conteúdo de triptofano, responsável pela sensação de bem-estar.
Mal-estar. Nesse estado, apreensivos, se encontram atualmente os bananicultores do Vale do Ribeira (SP), tradicional região produtora da mais gostosa fruta encontrada na quitanda. O grande temor desta vez vem do Equador. Ou melhor, da caneta do governo brasileiro. Acontece que, pressionado pelos interesses de grandes empresas norte-americanas, o Ministério da Agricultura cogita de autorizar a importação da fruta oriunda desse país. Se concretizada, a medida poderá pôr em risco a produção da banana nacional. Razões da competitividade.
Apenas cinco multinacionais controlam a produção e o comércio internacional das excelentes bananas produzidas no Equador. Trabalham com elevada tecnologia, alta escala, tudo mecanizado. O padrão impecável de qualidade permitiu conquistar o mercado da Europa e dos EUA, locais onde nada se produz de banana por causa do frio do inverno. Mas suas exportações caíram em razão da crise econômica lá fora e começou a sobrar banana no mundo. Azar do Brasil.
Pelas regras do comércio internacional - nosso próprio país lutando há décadas para derrubar as barreiras do protecionismo agrícola -, sabe-se ser complicado fechar fronteiras. Normalmente se utiliza uma saída técnica para impasses dessa natureza, invocando problemas fitossanitários, ou seja, a ameaça, que sempre existe, da introdução externa de patógenos (fungos, bactérias, vírus) nas lavouras internas. Tenta-se, assim, não escancarar as portas das importações, dado o perigo de elas arrasarem a produção local. No caso brasileiro, os produtores ainda padecem de uma desgraça apelidada de "custo Brasil": elevada carga tributária, logística deficiente, legislação trabalhista, burocracia. Concorrência desleal.
Nesse governo, que nunca decide nada, resta uma alternativa: ao contrário do Daniel Alves, se essa banana do Equador aparecer, que ninguém a morda. Seria um boicote do consumidor em defesa do emprego no campo.
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AGRÔNOMO, FOI SECRETÁRIO DE AGRICULTURA E SECRETÁRIO DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO
DE SÃO PAULO.
E-MAIL: XICOGRAZIANO@TERRA.COM.BR

domingo, 25 de maio de 2014

Pano pra manga, por Guaracy Mingardi - O Estado de S. Paulo

Troca de nome por numeração nas fardas de PMs revela a falta de confiança que persiste entre policiais e a sociedade

25 de maio de 2014 | 3h 11

Guaracy Mingardi - O Estado de S. Paulo
Em um dos livros de Leonardo Padura, um policial experiente e desiludido tem uma fala que revela um dos principais dilemas de sua profissão: "Não distribuo comida, recolho merda". Com essa frase de efeito, tentava explicar por que ele, e por inferência seus colegas, não eram bem vistos pela maioria da população.
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A polícia é um órgão do Estado que, apesar de exercer uma atividade indispensável, tem como função dizer "não" e reprimir pessoas que pratiquem atos ilegais. E como a maioria dos adultos já foi multada, advertida, detida ou teve algum conhecido preso, existe preconceito social contra o trabalho policial. Portanto, não é difícil explicar a desconfiança de parte da população contra os órgãos policiais. As únicas coisas que variam de um país para outro são a porcentagem de pessoas que não confiam na instituição e o grau dessa desconfiança.
Alguns países conseguiram diminuir o afastamento polícia/cidadão após anos de trabalho intenso. Parte disso se deve a campanhas bem-sucedidas de marketing, mas propaganda sozinha não resolve a situação. A melhora nas relações só foi possível nos locais em que a polícia mostrou que é competente e age estritamente dentro da lei. O que não é o caso brasileiro.
Em nosso País, o grau de impunidade nos casos de homicídio é altíssimo, e um número cada vez maior de pessoas nem se preocupa em dar queixa dos crimes que sofrem no cotidiano. Segundo a Pesquisa de Nacional de Vitimização feita pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), 81% das vítimas não registram queixa ou chamam a polícia quando ocorre o crime. Aparentemente, não vale a pena.
Quanto ao emprego estrito da legalidade, o Brasil é um dos países em que a população mais desconfia dos métodos utilizados pelas polícias. Pesquisa recente, feita pela Anistia Internacional, revelou que 80% dos brasileiros têm medo de serem torturados em caso de prisão. A pesquisa foi feita em 21 países de todos os continentes, com 21 mil entrevistados. E o pior, do nosso ponto de vista, é que o medo de tortura existe em todos eles, mas o Brasil é o recordista, o país onde mais pessoas são atingidas por esse temor.
Outro tipo de pesquisa que mostra o tamanho da encrenca é o Índice de Confiança na Justiça Brasileira (ICJBrasil). Realizado periodicamente pela Direito-GV em sete Estados brasileiros, o estudo procura quantificar o sentimento da população em relação ao Judiciário brasileiro. Um dos itens pesquisados, o grau de confiança na polícia, mostra que apenas 31% das pessoas confiam nela. Para piorar a situação, a maioria dos que confiam são indivíduos mais velhos, com maior escolaridade e melhor situação financeira. Portanto, quem não confia são os jovens despossuídos das periferias brasileiras, exatamente a parcela da população que vai às ruas protestar contra a Copa, as passagens de ônibus, problemas urbanos, etc.
Nas manifestações estão ocorrendo cada vez mais casos de vandalismo e depredação por parte dos Black Blocs, que são e devem ser reprimidos pela polícia, porém dentro dos princípios da legalidade e do uso legítimo da força - o que nem sempre ocorre. Já foram registrados vários casos de excesso por parte de policiais, que dificilmente são punidos pela Polícia Militar.
Para complicar a situação, um grupo especialmente formado para agir nas manifestações, a Tropa do Braço, constituída por policiais militares praticantes de artes marciais, tornou mais difícil a identificação de seus membros que abusarem da violência. As tarjetas de identificação que serão usadas pela chamada "Tropa Ninja" terão, no lugar do nome do soldado, o RE, que corresponde ao número de identidade do policial e a sigla da unidade a que pertence. Assim, em vez de decorar apenas um nome, o indivíduo que quiser registrar queixa por violência terá de memorizar usa série de números - o que é muito mais difícil. Imagine o manifestante, no meio de uma correria e apanhando pra valer, tendo tempo de decorar uma série de nove dígitos. Alguns policiais com quem discutimos o tema acreditam que é um avanço, já que em algumas manifestações era comum ver policiais sem identificação. Se isso é verdade, é um avanço bem pequeno.
Na realidade, o problema central é a falta de confiança. Se a polícia tivesse mais credibilidade, os jovens com queixas legítimas poderiam tentar anotar os números, mas como supõem que a instituição irá varrer os abusos para debaixo do tapete, nem vão se dar ao trabalho. E na hora em que ocorrer um problema grave, a PM, se interessada em descobrir o culpado, vai ter uma enorme dificuldade em identificá-lo.
A Polícia Militar precisa parar de agir corporativamente e pensar na integração com a sociedade. Acabar com a atitude que leva a aforismos como "paisano é bom, mas tem muito", comum entre setores da instituição. Enquanto tentar esconder seus esqueletos, a população vai se manter arredia, receando as ações policiais e seguindo o preceito de Shakespeare: "A desconfiança é o farol que guia o prudente."
GUARACY MINGARDI É DOUTOR EM CIÊNCIA , POLÍTICA PELA USP, MEMBRO DO FÓRUM , -BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA