- Ato é resposta a pesquisa que aponta que 65% dos brasileiros acreditam que mulher que mostra o corpo merece ser atacada
- Criadora da ação pretende formular projeto de lei para criação de canais de denúncia contra assédio na rua ou no transporte público
RIO - Um protesto virtual batizado como “Eu não mereço ser estuprada”movimentou ontem à noite o Facebook. A manifestação aconteceu um dia depois da divulgação do levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que indicou que 65% dos 3.810 entrevistados concordam, total ou parcialmente, com a ideia de que mulheres que deixam o corpo à mostra merecem ser atacadas. Indignadas com o dado, muitas delas aderiram ao protesto online e postaram fotos seminuas.
Convocada pela manhã, a campanha pedia que mulheres tirassem a roupa, se fotografarem da cintura para cima, com um cartaz que dissesse: “Eu também não mereço ser estuprada”. A princípio, a campanha começaria às 20h, mas, antes do horário, muitas já haviam postado seus registros com o hashtag #EuNãoMereçoSerEstuprada. (Veja mais fotos postadas no protesto virtual)
“Todos sabem que a sociedade está cada vez mais banalizada, mais ‘fácil’, mais ‘atrevida’ e com ‘menos’ roupas, mas isso não quer dizer que algum ser humano, seja homem, mulher ou homossexual, mereça de alguma forma passar pela humilhação, trauma e constrangimento de ser abusado sexualmente”, escreveu San Melo, uma das internautas.
Homens no protesto
Na campanha, muitas mulheres optaram por substituir suas fotos de perfil e capa por imagens de apoio ao protesto. Mas o ato contou também com a participação de muitos homens, que se indignaram com o pensamento predominante revelado pela pesquisa.
“Sou homem, tenho 26 anos, fui educado principalmente por uma mulher (minha mãe). Ela, desde que me conheço por gente, me ensinou, que, em primeiro lugar, devemos respeitar o próximo, independente de sexo, religião, raça, classe social”, escreveu Bruno Silva, que também postou fotos.
Durante o ato, alguns homens postaram mensagens ofensivas às mulheres, defendendo a ideia de que a exibição do corpo é, sim, motivo de estupro. As internautas Cláudia Costa e Leticia Branco protestaram imediatamente.
“Com as publicações aqui colocadas em tom ridículo de brincadeira, vemos claramente o posicionamento de alguns homens em relação a algo tão sério e acredito que nem deveriam ser respondidas”, escreveu Cláudia.
“Acho que todos os babacas escrevendo palhaçada têm que ser denunciados à polícia!”, anotou Leticia.
Mulheres grávidas e que ainda estão amamentado aderiram ao movimento. A criadora do protesto virtual, a jornalista e escritora Nana Queiroz, explicou que a intenção da manifestação era mudar a mentalidade das mulheres que falaram à pesquisa. Do total de entrevistados pelo Ipea, 66,5% são do sexo feminino.
— Queremos mostrar que pode, sim, andar na rua de minissaia, decote ou top. As mulheres precisam se sentir à vontade para mostrar os corpos e, talvez, com a aderência das amigas e de muitas outras à campanha, a gente consiga atingir essa mudança de mentalidade.
A jornalista de 28 anos comenta que o resultado da pesquisa não foi exatamente uma surpresa (“Vou para o trabalho todos os dias de bicicleta, usando shorts de ciclista, e todos os dias sou assediada na rua”), mas que se espantou com um percentual tão alto de entrevistados que concordam que a mulher que mostra o corpo merece ser atacada.
- Queria sair pelada na rua gritando que não mereço ser estuprada - brinca a escritora. - Mas resolvi pensar numa forma de atingir mais pessoas. Então veio a ideia de criar um protesto online, convocando milhares de mulheres.
Nana, que nasceu em São Paulo e estuda o movimento feminista desde que cursava a faculdade de jornalismo, na USP, debateu sua ideia com um grupo de ativistas antes de criar o evento na rede social. Das discussões com as companheiras e com as participante já confirmadas da ação, surgiram as sugestões para que mães postem fotos amamentando seus filhos e ciclistas se fotografem usando shorts, ao lado de seus biciletas.
- Não queremos impor regras sobre como as mulheres devem manifestar seus corpos. Mas o objetivo é que as fotos chamem bastante atenção - esclarece Nana, que trabalha no jornal Metro, de Brasília.
Já os homens foram incentivados a apoiar a manifestação ajudando as mulheres a tirarem as fotos, por exemplo.
- Houve um grande debate sobre como os homens poderiam participar do protesto, mas chegamos à conclusão de que só as mulheres devem aparecer nas fotos, pois nós somos o foco nesse caso, não eles - comenta Nana, que já convocou o marido para tirar sua foto. - O melhor é perceber que o evento virou também um espaço online para discutir o tema.
A pesquisa
Realizada entre maio e junho de 2013, a pesquisa ainda revela que 58,5% concordaram, total ou parcialmente, que “se as mulheres soubessem se comportar haveria menos estupros”. Os dados aparecem no estudo “Tolerância social à violência contra as mulheres”, realizado pelo Sistema de Indicadores de Percepção Social. Apesar da maior parte dos entrevistados serem mulheres, Nana acredita que é um erro rotular as mulheres como “machistas”.
- Elas não podem ser machistas, pois são as oprimidas da história. Elas apenas repetem o discurso do opressor, que ouviram a vida inteira. Essas mulheres também são vítimas do machismo - afirma a jornalista.
A organizadora da manifestação virtual ainda pretende levar a iniciativa mais longe - ao Congresso.
- Seria excelente se conseguíssemos formular um projeto de lei para criação de canais de denúncia contra assédio na rua ou no transporte público.
Nenhum comentário:
Postar um comentário