Para prevenir a escassez, é preciso cuidar dos mananciais e bacias
22 de março de 2014 | 16h 00
João Campari e Samuel Barreto
Os paulistanos vêm sendo confrontados com imagens desalentadoras de leitos de represas rachados que remetem a memória ao Semiárido brasileiro. No entanto, elas são do Sistema Cantareira, no Estado de São Paulo, um dos maiores sistemas de abastecimento de água do mundo, responsável por atender mais de 12 milhões de habitantes nas Regiões Metropolitanas de São Paulo (RMSP) e Campinas (RMC). Até o fim de semana, o sistema estava operando com menos de 15% de sua capacidade, o menor nível registrado desde que foi criado, no início da década de 1970.
Essas imagens, símbolo da crise atual, também têm evidenciado que a água não tem origem nas torneiras pelas quais chega a nossas casas. As soluções que chamam a atenção dos usuários para a racionalidade do uso da água são respostas necessárias, mas estão longe de ser suficientes para resolver o problema. Fechar a torneira não basta. É necessário cuidar da oferta de água onde ela nasce. Assim, uma resposta sistêmica passa pelo manejo de bacias hidrográficas e recuperação de seus mananciais, que, em grande parte, encontram-se degradados, poluídos e cujo entorno foi severamente desmatado. Apenas o Sistema Cantareira perdeu 70% da cobertura florestal original, o que agrava o assoreamento dos rios e represas, diminuindo a vida útil desses ambientes. A degradação da vegetação nativa potencializa ainda o efeito das secas.
A interação de todos esses fatores leva a uma situação de risco extremo e representa uma ameaça ambiental, social e econômica. Esse cenário é ainda mais alarmante, pois as RMs de São Paulo e Campinas, juntas, são responsáveis por mais de 22% do PIB do País. Portanto, é mais que prioritário haver uma resposta estratégica e robusta aos problemas crescentes e urgentes de acesso e fornecimento de água em quantidade e qualidade nos centros urbanos.
É premente irmos além das intervenções convencionais, tais como obras de engenharia. Fazem-se necessárias respostas sistêmicas, e essas não são de responsabilidade exclusiva dos governos. Existe corresponsabilidade das empresas e da sociedade civil na busca de soluções, pois essas criam valor compartilhado. Assim, é correto que o governo exerça papel de protagonista para fomentar e implementar soluções múltiplas que atinjam diversos setores de uma vez.
A sociedade civil organizada deve ajudar a criar voz cívica para alertar sobre o problema e trazer ao conhecimento de governos e empresas seus melhores exemplos de projetos. ONGs ambientalistas têm o dever de reportar os resultados de seus projetos inovadores para ajudar na construção de políticas públicas e também orientar empresas nos esforços de responsabilidade social corporativa para o meio ambiente. Uma das frentes mais importantes de colaboração para se chegar a um equilíbrio entre oferta e demanda de água em São Paulo se dará com o fortalecimento dos Comitês de Bacias Hidrográficas.
Damos ênfase ao investimento necessário à recuperação da "infraestrutura verde", que ocorre por meio da restauração florestal de áreas degradadas, e para a conservação dos remanescentes florestais. Tais iniciativas asseguram a saúde de uma bacia hidrográfica. Essa intervenção, quando bem manejada, minimiza o risco de eventos extremos e reduz a vulnerabilidade de populações a enchentes e estiagens prolongadas. Além disso, reduz a erosão e o assoreamento dos rios e represas e melhora substancialmente a integridade do solo, retendo e armazenando água. Ou seja, as florestas prestam um serviço ambiental de regulação e segurança hídrica à população.
Nova York ilustra bem essa equação. Há décadas a administração da cidade optou por purificar a água filtrando-a naturalmente pelas florestas, a um custo inicial de US$ 1 bilhão a 1,5 bilhão no período de dez anos. Esse valor foi sete vezes menor que os US$ 6 bilhões a 8 bilhões que seriam gastos na forma tradicional de tratar e distribuir água potável, mais US$ 300 milhões a 500 milhões anuais em custos operacionais.
Estudo recente da ONG ambiental The Nature Conservancy (TNC) revelou que, recuperando-se 12 mil hectares de áreas desmatadas e corrigindo processos erosivos em 2 mil hectares nas bacias dos Rios Piracicaba, Capivari, Jundiaí e Alto Tietê, o nível de sedimentos que corre para os rios diminuiria em 50%. Ou seja, a capacidade dos reservatórios aumentaria, ao passo que diminuiriam os investimentos feitos em dragagem e tratamento para remoção de sedimentos.
A oportunidade de aprendermos com a crise atual está posta. Se tivermos discernimento para atuar de forma sistêmica e capacidade política e interinstitucional poderemos reduzir os riscos de um desabastecimento. E, mais que isso, temos a oportunidade de promover a integridade das bacias hidrográficas e a segurança hídrica de seus diferentes usuários, fatores indispensáveis para a estabilidade social e econômica de São Paulo.
JOÃO CAMPARI É Ph.D. EM ECONOMIA AMBIENTAL E DIRETOR DE PROGRAMAS DE CONSERVAÇÃO DA THE NATURE CONSERVANCY (TNC)
SAMUEL BARRÊTO É ESPECIALISTA EM RECURSOS HÍDRICOS E COORDENADOR DO MOVIMENTO ÁGUA PARA SÃO PAULO (MAPSP) DA TNC
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