domingo, 24 de fevereiro de 2013

Para Bacha, Brasil sofre de 'doença holandesa'


RAQUEL LANDIM / SÃO PAULO, FERNANDO DANTAS / RIO - O Estado de S.Paulo
Nem os economistas ortodoxos parecem ter dúvidas de que está em curso uma "desindustrialização" no Brasil. A perda de relevância da indústria é tão grave que o País foi diagnosticado com "doença holandesa" - um mal que se abateu sobre a Holanda em 1960, quando o aumento do preço dos gás atraiu capitais e valorizou o câmbio, reduzindo a competitividade dos produtos manufaturados.
O diagnóstico da "doença holandesa" é de Edmar Bacha - um dos "pais" do Plano Real - e está no livro O Futuro da Indústria no Brasil, da Editora Civilização, que chegou às livrarias na sexta-feira. O livro reúne artigos de economistas renomados, que participaram de dois debates na Casa das Garças, tradicional reduto tucano.
Na introdução, Bacha e Mônica Baumgarten de Bolle, diretores da Casa das Garças, afirmam que os dados são "contundentes": a indústria de transformação teve seu auge no País em 1985, quando respondeu por 25% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa participação caiu para 15% em 2011 e pode ter chegado a 12% no ano passado.
Bacha se debruçou sobre o período recente e concluiu que, entre 2005 e 2011, a "desindustrialização" foi uma consequência "natural" dos anos de "bonança externa", em que a explosão do preço das commodities e a condição de "queridinho" do mercado trouxeram uma "enxurrada" de capitais para o Brasil.
O raciocínio do economista é mais sofisticado que a tese de que a culpa é do câmbio forte. Ele explica que a abundância de capitais permitiu ao brasileiro consumir mais, reduziu o desemprego a níveis muito baixos, especialmente no setor de serviços. "A doença holandesa está associada à bonança externa. Os salários subiram mais rápido que os preços. Isso estrangulou a indústria", disse Bacha.
Competitividade. O fraco desempenho da indústria no Brasil nos últimos quatro anos tem como principal causa a piora da sua competitividade, segundo o capítulo escrito pelos economistas Beny Parnes, professor da PUC-Rio, e Gabriel Hartung, do banco BBM. Eles compararam o custo da indústria brasileira com Estados Unidos, Alemanha, Itália, Espanha, Japão, Coreia, Cingapura e Taiwan, entre outros países.
No Brasil, entre 2006 e 2011, os salários médios em dólares cresceram 96% (14,4% ao ano), bem mais do que em todas aquelas economias. O segundo maior crescimento entre os países pesquisados foi o da Austrália, onde houve alta dos salários em dólares de 54% (9% ao ano).
A disparada dos salários em dólares combinou-se com uma aumento da produtividade da indústria brasileira no mesmo período de apenas 9%, ou 1,7% ao ano - um ritmo similar ao das economias avançadas, mas muito inferior ao dos países asiáticos.
Parnes e Hartung explicam que seria de se esperar que países em desenvolvimento, como o Brasil, tivessem crescimento da produtividade superior ao do mundo desenvolvido. Isso ocorre porque os emergentes podem rapidamente fazer o "catch-up" (eliminar a defasagem) em relação a tecnologias já conhecidas, enquanto os países ricos precisam necessariamente inovar para dar saltos de produtividade.
No seu trabalho, os dois economistas fazem análises cuidadosas que indicam que nem a queda global da indústria nem problemas de demanda podem explicar completamente a parada industrial no Brasil nos últimos anos. Eles apontam que "é mais fácil obter avanços de produtividade no setor industrial", mas isso não está ocorrendo na velocidade desejada.
A bonança externa reduziu a participação da indústria na economia brasileira, mas Sérgio Lazzarini, professor do Insper, e Marcos Yank, especialista em temas globais, estão longe de ver a especialização em commodities como uma "maldição" e querem acabar com o "mito" de que commodities são produtos de baixo valor agregado.
Eles calculam que extrair minério de ferro gera R$ 507 mil de valor agregado por trabalhador, acima dos R$ 395 mil da metalurgia e dos R$ 238 mil do setor de equipamentos de informática.
Remédio. Bacha não está otimista sobre o futuro da indústria no Brasil. Ele defende a adoção de uma política industrial, mas diferente dos modelos utilizados nos últimos anos. E receita um remédio amargo para o empresariado: mais abertura comercial.
"A solução é abrir a economia. O Brasil é apenas 3% do PIB global. Não é fechando o mercado que a indústria vai ganhar competitividade e comprar insumos mais baratos." A indústria não precisa produzir "tudo" e deve se especializar.

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