quinta-feira, 30 de novembro de 2023

MÁRIO SCHEFFER E CAIO ROSENTHAL - Temos tudo para acabar com a doença, FSP

 

Mário Scheffer

Professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP

Caio Rosenthal

Médico infectologista do Hospital do Servidor Público Estadual (São Paulo)

País com mais de 1 milhão de pessoas vivendo com HIV, o Brasil voltou a registrar boas notícias na luta contra a Aids.

Neste ano houve maior investimento do governo federal, novos medicamentos para o HIV foram incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e pacientes poderão diminuir de dois para um a quantidade de comprimidos tomados diariamente, reduzindo efeitos adversos.

O Ministério da Saúde reconheceu enfaticamente que, se a carga viral de uma pessoa em tratamento se mantém indetectável, o vírus não é transmitido nas relações sexuais.

Foto mostra um frasco de medicamento sob uma mesa e, logo à sua frente, os próprios comprimidos; esses de cor azul escuro
Comprimidos de PrEP, distribuídos gratuitamente pelo SUS; medicamento tem sido usado como solução para prevenção de Aids - Ludmilla Souza/Agência Brasil

A recomendação agora é iniciar o uso de antirretrovirais no mesmo dia ou, no máximo, uma semana depois do teste positivo.

Interrompida em 2019, foi retomada na rede pública a distribuição de gel lubrificante, que evita o rompimento do preservativo. A profilaxia pré-exposição (PrEP) está disponível às pessoas em situações de risco aumentado para a infecção, incluindo adolescentes acima de 15 anos. Também foi recriada a comissão nacional sobre a Aids, com participação de representantes de ONGs e dos mais afetados pela epidemia.

Há muito tempo o Brasil combina camisinha, testagem rápida, indicação de medicamentos antes ou depois do sexo inseguro, prevenção da transmissão durante a gravidez, redução de danos para usuários de drogas e maior atenção a hepatites e sífilis, além do tratamento universal assegurado pelo SUS.

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Por que, então, o país dificilmente cumprirá a meta da ONU de eliminar a Aids como problema de saúde pública até o ano de 2030?

Enquanto prevaleciam o discurso da epidemia controlada, a negligência de governos e o desinteresse da mídia, o HIV não dava trégua e interagia com questões geracionais, de identidade sexual e de gênero, classe social e cor da pele.

Ao estigma que alimentou a epidemia nos seus anos mais sombrios somou-se a discriminação contra pessoas e comunidades, que são também aquelas desproporcionalmente atingidas pela Aids.

A descoberta do vírus ainda gera espanto e sofrimento, e o que chamamos de história passada é para muitos uma jornada de sobrevivência.

A atual ofensiva conservadora no Congresso Nacional, assim como foi a pauta moralista durante o governo Jair Bolsonaro (PL), representa ameaça adicional às medidas necessárias para o país dar um salto no controle do HIV.

Das infecções recentes no Brasil, 42% ocorreram em jovens entre 15 e 29 anos, mas as ações de prevenção continuam totalmente inadequadas às tecnologias digitais e aos valores, comportamentos e sexualidade das novas gerações.

Dentre os casos de HIV na gestação, 68% são de mulheres pretas e pardas, flagrante exemplo das falhas de acesso aos serviços de saúde.

O horizonte de acabar com a Aids somente será alcançável quando o Brasil superar as desigualdades que continuam a violar os direitos humanos e minar as oportunidades de vencer o HIV.

Vinicius Torres Freire - Qual o interesse do Brasil em fazer parte do cartel do petróleo, da Opep?

 O Brasil foi convidado a fazer parte do cartel do petróleo. Ainda não se conhecem os termos do convite. Além de seus 13 integrantes, a Opep conta com um grupo mais informal de outros 10 associados desde 2016, a Opep+ (Opep Plus), com Rússia e México entre os países mais importantes.

Para o Brasil, não tem sentido econômico fazer parte da Opep, além do fato de que seria impossível cumprir eventuais acordos de corte ou aumento de produção, que é o meio principal de ação do cartel.

O governo não pode mandar a Petrobras, empresa de economia mista, e empresas privadas produzirem mais ou menos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva em plataforma de petróleo da Petrobras durante seu primeiro mandato - Bruno Domingos - 21.abr.2006/Reuters

Talvez a diplomacia brasileira veja algum interesse de conhecer mais intimamente os planos dos países petroleiros, que têm influência na política mundial. De resto, difícil ver alguma vantagem. Enfim, o Brasil nem sabe o que quer fazer do petróleo (vide as discussões, até agora irracionais, sobre a Foz do Amazonas, entre outras).

Sejam quais forem as normas formais de funcionamento da Opep e de relacionamento com seus agregados, o objetivo fundamental do grupo é influenciar os preços do barril, claro, de modo a fazer com que a arrecadação de receitas petrolíferas pague as contas do país, de seus governos, que são muito mais dependentes do combustível do que o Brasil (onde, no entanto, a dependência cresce).

No caso dos árabes, interessa que o barril seja cotado a um preço suficiente para bancar os programas de reforma econômica, que têm por objetivo reduzir a dependência do petróleo.

Desde 2016, a Opep tenta arrumar novos parceiros. Foi quando surgiu a Opep+. Apesar de ainda controlar cerca de 60% das exportações mundiais, a produção da Opep vem diminuindo de importância, graças ao avanço da extração de petróleo nos Estados Unidos, mas também a avanços no Canadá e no Brasil.

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Em 2010, Estados Unidos, Canadá e Brasil produziam 17,6% do total mundial de "petróleo bruto, gás e outros líquidos" (segundo dados da "US Energy Information Administration", excluídos biocombustíveis).

Em 2022, 29,3% (nos EUA apenas, o aumento foi de 9,2 pontos percentuais). Mesmo considerando a baixa de produção no México e, ainda mais, na Venezuela, a participação desses países do continente passou de 24,1% para 31,1% do total mundial.

A Opep não perde importância apenas por isso. O mundo se tornou relativamente menos dependente de petróleo (para cada tanto de PIB, se usa menos petróleo). Há perspectiva de contenção maior de consumo, no médio prazo, por acordos e políticas ambientais. Afora em caso de embargo dramático, como os árabes fizeram em 1973, a influência do cartel na determinação de preços é e tende a ser menor.

Há disputas na própria Opep. Arábia Saudita e Rússia (ao menos antes de guerra) têm mais folga para reduzir e aumentar produção. Outros países da organização têm dificuldade ou nenhum interesse em cumprir as cotas de aumento ou corte de produção, necessárias para o funcionamento eficaz do cartel.

Por falar nisso, o convite ao Brasil ocorreu em uma reunião especialmente tumultuada da Opep, que não se acertou sobre cortes de produção adicionais, para 2024, nem soltou comunicado oficial conjunto do que pretende fazer.

Além do mais, as decisões recentes do cartel não têm bastado para manter os preços em níveis que os interessem (acima de US$ 85 por barril do tipo Brent), que não aumentaram nem com a guerra na Palestina (frustrando também, mais uma vez, as ridiculamente erradas previsões dos analistas de petróleo).

Fazer parte da Opep+ vai criar problema político para o Brasil? Sempre pode sair besteira. Mas México, parceiro comercial gigante e vizinho dos Estados Unidos, está no grupo dos associados. O México, porém, não faz campanha de liderança do "Sul Global".