quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Avanço paulista, Editorial FSP

 

Cientista desenvolve extrato concentrado de canabidiol para produção de medicamentos - Adriano Vizoni/Folhapress

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tomou uma decisão sensata ao assinar a lei que permite a distribuição de remédios produzidos a partir de derivados da maconha pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Dada a ligação entre Tarcísio e o bolsonarismo, cuja postura reacionária em relação à atualização da política de drogas é notória, havia certa expectativa em relação à sanção. Não à toa, um abaixo-assinado com cerca de 40 mil pessoas e uma carta da OAB-SP pediram que a decisão da Assembleia Legislativa paulista fosse referendada.

Há ainda preconceitos na sociedade brasileira acerca de medidas que visem a liberalização da erva. Em relação ao uso medicinal, sobretudo, a visão deveria ser mais pragmática, como ressaltou o governador: "Isso é uma questão de saúde pública. Não tem nada a ver com ser ou não conservador".

A Anvisa permite o uso medicinal desde 2015. No fim de 2019, a agência aprovou a venda de produtos nacionais à base de canabidiol (CBD) —um dos princípios ativos da maconha— e uma simplificação tímida da importação direta por pacientes com prescrição médica. Contudo, proibiu-se o cultivo da planta para fins medicinais.

Assim, fabricantes ainda precisam importar insumos, o que encarece os remédios, e a maioria dos pacientes não tem condições financeiras para importá-los. Mesmo assim, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Canabinoides, foram feitas 40.191 solicitações de importação em 2021, 110% a mais do que no ano anterior.

O fornecimento de medicamentos de forma gratuita pelo SUS no estado de São Paulo, portanto, democratiza o acesso da população a medicamentos que podem aliviar sintomas de condições como autismo, epilepsia, doença de Parkinson, insônia, quimioterapia etc.

No entanto os custos, tanto para o Estado quanto para pacientes, poderiam ser diminuídos caso o plantio fosse permitido no país. Para isso, é preciso que o Congresso cumpra sua função e aprove legislação que regulamente toda a cadeia produtiva.

Considerando as dimensões continentais do Brasil, o clima propício e a aptidão nacional para a agricultura, deveríamos não apenas suprir o mercado interno, mas também entrar de modo competitivo no mercado internacional.

Análise da consultoria Arcview, especializada em cânabis, aponta que o comércio global de maconha medicinal cresceu 45% entre 2018 e 2019, quando atingiu a marca da US$ 14,9 bilhões. A previsão é que alcance 43 bilhões no ano que vem.

editoriais@grupofolha.com

Hélio Schwartsman -Conspirador serial, FSP

 As revelações do senador Marcos do Val (Podemos-ES) sobre mais um plano golpista de Jair Bolsonaro podem surpreender pelo enredo, mas não pela disposição. A essa altura, está mais do que claro que Bolsonaro passou, se não os últimos quatro anos, ao menos os últimos três meses conspirando contra a democracia.

Os detalhes da nova trama podem afetar a situação jurídico-policial do ex-presidente. Se, no caso da minuta de decreto golpista encontrada na casa de Anderson Torres, ainda era logicamente plausível afirmar que Bolsonaro jamais tomou conhecimento do plano, agora o capitão reformado seria, pelo menos numa das versões apresentadas pelo senador, articulador do conciliábulo. Ouvi-lo num inquérito para apurar tudo se torna obrigatório. A PF já pode marcá-lo como "person of interest".

O senador Marcos do Val, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Com isso Bolsonaro vai para a cadeia? Não é tão simples. Mesmo que a história mais picante contada por Do Val se mostre 100% acurada, ainda restaria uma discussão jurídica sobre os meandros do "iter criminis", a trajetória criminosa. Em princípio, planejar um crime e mesmo fazer os preparativos para cometê-lo (algo como comprar o revólver) não são, de um modo geral, considerados atos puníveis. Para a maior parte dos doutrinadores, é só quando a execução do delito tem início que a conduta se torna ilegal. Chamar um senador para o Alvorada e convidá-lo para participar do conluio democraticida é preparativo ou execução? Aqui já entra a metafísica. De todo modo, vale lembrar que este é só um dos crimes pelos quais Bolsonaro pode ser responsabilizado.

Triste mesmo é constatar que só chegamos a essa situação surreal de ver o ex-presidente envolvido em múltiplas conspiratas porque as instituições não lhe cortaram as asinhas na hora certa. Dois dos principais responsáveis por essa omissão imperdoável, Augusto Aras Arthur Lira, estão aí posando de campeões da democracia e recebendo votações consagradoras.

Ruy Castro 'Heil Bolsonaro!', FSP

 


Reportagem de Isabella Menon na Folha ("Ideias nazistas em escolas acendem alerta", 3/1) traz um retrato alarmante: a naturalidade com que o Brasil tem convivido com atos de apoio ao nazismo, até mesmo em colégios e universidades. Esses atos vão desde suásticas pichadas em muros, grupos autoproclamados neonazistas, professores defendendo Hitler em aula e jovens que se fantasiam de Hitler e fazem seus gestos. Em dezembro, um adolescente em Aracruz (ES), portando uma braçadeira de suástica, matou a tiros quatro pessoas e feriu 13.

As causas são óbvias: a propaganda que esses jovens absorvem no submundo da internet e o discurso de ódio que escutam em casa. O envenenamento digital não seria tão eficiente se detectado por pais responsáveis e democratas. Mas, quando os próprios pais se identificam com aquelas teses, os garotos não têm chance. Como batismo de fogo, muitos foram levados para o quebra-quebra em Brasília.

Alguma dúvida quanto à presença de neonazistas entre os bolsonaristas da baderna? Jair Bolsonaro, pivô do levante, flertou com o nazismo durante toda a sua vida política. Há farta documentação: mensagens, discursos, slogans, auxiliares adeptos da estética hitlerista, homenagem a uma neonazista alemã e muito mais. Segundo a antropóloga Adriana Dias, o número de células neonazistas no Brasil pulou de 72 em 2015 para 1.117 em 2022. Mera coincidência com o mandato de Bolsonaro?

Em 1944, o Exército brasileiro mandou 25 mil heróis para a Itália, a fim de ajudar os aliados a combater o nazismo. Destes, 467 voltaram mortos e repousam no Monumento aos Pracinhas, aqui no Rio. Os militares que ainda apoiam Bolsonaro fariam melhor se fossem em coluna um por um ao monumento e cuspissem nas urnas gritando "Heil Bolsonaro!".

Adriana Dias morreu neste domingo (29), vitimada por um câncer. É um duro abalo na luta contra o neonazismo no país.