domingo, 31 de julho de 2022

Big Mac com fritas no leito de morte, Marcos Nogueira, FSP

 Marcos Nogueira

SÃO PAULO

McDonald’s. Esse é o último desejo da maioria dos pacientes do núcleo de cuidados paliativos do hospital da Unicamp, relataram profissionais de saúde à Folha, em reportagem publicada no dia 23.

Pessoas com doenças em estágio avançado, quando já não há mais esperança de cura ou tratamento, buscam conforto no Big Mac, nos nuggets de frango, nas batatas fritas em gordura vegetal hidrogenada. Essa é a comida que lhes traz boas memórias e paz de espírito.

No núcleo de cuidados paliativos do hospital da Unicamp, o hambúrguer do McDonald's é campeão entre os pedidos finais dos pacientes - AFP

A escolha da fast food como refeição no leito de morte é sintoma de uma tragédia gigantesca, de dimensão planetária.

Não se trata de censurar os servidores do hospital, muito menos os desejos dos pacientes. Eu voltaria a fumar, sem titubeio, um maço de Marlboro vermelho por dia se soubesse que vou morrer logo.

A tragédia está na constatação de que a indústria alimentar sequestrou nossos gostos e afetos com açúcar, gordura, sódio, aromatizantes, corantes e uma avalanche de propaganda.

E vai além: de tão consolidado, o sequestro habita o imaginário de quem já não tem nada a perder ou ganhar. Vale para quem está à beira da morte, vale também para quem foi privado de escolhas alimentares por falta de dinheiro.

Na outra coluna que escrevo para a Folha, as Receitas do Marcão, estou com uma série temática de pratos dos países que vão disputar a Copa do Mundo. Óbvio que sei muito pouco de várias dessas culinárias, então preciso pesquisar a respeito delas.

É batata: receitas de países africanos, latino-americanos e do leste europeu quase sempre têm um temperinho pronto industrial, um pozinho mágico que entrou de penetra nas tradições ancestrais. Eu adapto a receita, elimino esses ingredientes e toco a bola para frente.

Há ainda um saudosismo marqueteiro para vender uma certa "cozinha afetiva". Uma construção, fantasiosa ou falaciosa, de um passado recente em que os hábitos alimentares eram incorruptos.

O americano Michael Pollan, autor de livros sobre alimentação, é frequentemente citado por gente que põe a avó no meio para falar da qualidade da comida.

"Não coma nada que sua avó não reconheceria como comida", está impresso na tradução brasileira de "Food Rules" ("Regras da Comida", Intrínseca, 2010).

Aí você vai pesquisar o original e descobre que Pollan escreveu "great-grandmother", bisavó. Porque, a esta altura do campeonato, a tese vale bem pouco se formos falar das avós.

Segue um breve depoimento a respeito dos artigos que frequentavam a cozinha da minha mãe (que, aliás, já é bisavó) nos anos 1970 e 80.

Ela não fazia pudim, fazia flã de caixinha. Assava pizza com massa de caixinha. Comprava cubos de caldo de carne e temperos em pó às toneladas.

Quando inaugurou o primeiro McDonald’s em São Paulo, no distante 1981, meus pais correram sôfregos para lá. Eles buscavam reviver sabores do ano em que, jovens, moraram nos Estados Unidos.

O sequestro do afeto já estava consumado nos tempos da bisavó do meu neto, sinto dizer.

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Renovação de concessão vai separar ferrovias para passageiros e cargas em SP, FSP

 Marcelo Toledo

RIBEIRÃO PRETO

A renovação antecipada por mais 30 anos da concessão ferroviária da MRS Logística, que será assinada nesta sexta-feira (29), prevê que, em até dez anos, os trilhos entre São Paulo e Jundiaí estejam segregados, com linhas específicas para o transporte de passageiros e de cargas.

Com os trilhos hoje compartilhados pela concessionária e pela CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), o crescimento das opções de tráfego no entorno da capital é essencial para permitir a ampliação do escoamento de cargas rumo ao porto de Santos e, também, do transporte de passageiros.

A proposta é uma das constantes nas obrigações definidas entre a MRS e a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) para prorrogar antecipadamente o contrato até 2056 –ele venceria em 2026. O atual, com validade também de 30 anos, foi assinado em 1996, no primeiro governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Trem passa pela malha da MRS próximo à estação Evangelista de Souza, no extremo sul de São Paulo
Trem passa pela malha da MRS próximo à estação Evangelista de Souza, no extremo sul de São Paulo - Eduardo Anizelli-13.mai.2021/Folhapress

"Ao separar em 8 ou 10 anos as linhas, isso permitirá o crescimento de ambos. Hoje os trens da MRS basicamente andam de madrugada, fora de horário de pico, e precisam ser trens mais leves, menores. A partir do momento que separar, as duas empresas [CPTM e MRS] ganham, pois poderão fazer seus investimentos", disse o presidente da MRS, Guilherme Segalla de Mello.

A concessionária administra 1.643 quilômetros de trilhos em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, entre eles o trecho que leva ao porto de Santos, o mais importante da América Latina.

Segundo a ANTT, 30% da carga ferroviária brasileira passa pelos trilhos operados pela MRS.

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O prazo para a segregação se deve, segundo ele, às especificidades das obras, que serão feitas com restrições de horário devido à operação da linha 7-Rubi, que liga Rio Grande da Serra a Jundiaí e é a mais longa da CPTM, com 100 quilômetros.

Ela é oriunda da São Paulo Railway, criada no século 19 e pioneira no transporte ferroviário em São Paulo. "São 18 estações entre Jundiaí e Luz, eram 750 mil passageiros por dia antes da pandemia. É difícil fazer uma obra de trem com o trem literalmente andando."

O contrato prevê que será construída a linha nova, que será seguida da transferência da rede aérea de eletrificação. O próximo passo será capacitar a linha antiga para o uso de cargas.

Estações serão remanejadas, já que em alguns momentos a linha São Paulo-interior estará do lado esquerdo e, em outros, do lado direito.

O ideal, de acordo com o executivo, seria a existência de seis linhas férreas, sendo duas utilizadas pela MRS, duas pelo Trem Intercidades e outras duas pelas operações da CPTM, mas o sistema contará com quatro linhas.

A concessionária terá uma, assim como o Intercidades, cabendo as outras duas aos trens da CPTM.

No total, os investimentos previstos na renovação da concessão chegarão a R$ 11 bilhões e contemplam ainda melhoria da mobilidade urbana, com a redução de conflitos urbanos em 51 cidades das 105 cortadas pela MRS. O investimento nas obras será de R$ 1 bilhão.

Conflitos urbanos são problemas como cruzamentos férreos dentro das cidades, locais sem segurança adequada, falta de cercas ou ausência de passagens para pedestres.

Boa parte deles está no Vale do Paraíba, em municípios como Pindamonhangaba. Na mineira Juiz de Fora, a ferrovia corta a cidade em 29 pontos, o que exigirá obras como vedação de muros e implantação de passagens de pedestres.

A segregação é vista como importante, além de ampliar a oferta de linhas férreas, por conta das diferenças entre os dois tipos de transporte: enquanto o trem de passageiros é mais leve e rápido, o de carga é pesado e lento. Isso impacta de forma diferente na conservação da ferrovia.

No total, o projeto estima investimentos de R$ 2,2 bilhões nas obras de segregação. Além da chamada Noroeste, entre a capital e Jundiaí, a ligação da Mooca ao centro de São Paulo, denominada Sudeste, também receberá melhorias.