quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Um pesadelo de mil dias, Silvio Almeida, FSP

 “Nada não está tão ruim que não possa piorar”. A frase dita no último dia 27 pelo presidente da República durante solenidade que marcou os mil dias de seu governo pode ser considerada histórica. Isso porque foi das raríssimas vezes em que o presidente falou algo aparentemente verdadeiro e que, levando em consideração o que tem sido seu governo e sua personalidade, soou como um “lapso de lucidez”.

A frase é também uma boa síntese dos mais de mil dias de horror da gestão de Jair Bolsonaro. De fato, instalou-se no Brasil um governo em que as expectativas são sempre de que tudo vai piorar. Não há absolutamente nada que dê ao menos a impressão de que algo no país funcione, que irá melhorar ou de que algum dos inúmeros problemas nacionais pode ao menos ser encaminhado. É uma mistura fantástica de incompetência, insanidade, crueldade e corrupção.

Em um jantar nos Estados Unidos realizado em 2019, o presidente da República disse que em seu governo seria necessário “desconstruir” muita coisa no Brasil antes que algo pudesse ser construído. Depois de mil dias de governo percebe-se que o presidente, seguindo o padrão que lhe é habitual, não disse a verdade, ao menos não completamente. Este governo não é tão somente de destruição, mas de lesão, de sofrimento e de dor. Matar não é suficiente: é preciso torturar, humilhar e levar à loucura.

É também um governo corrupto, e não apenas no sentido usual do termo. É corrupto no sentido filosófico, já que inverte a finalidade das instituições, fazendo com que operem de forma contrária aos propósitos que declaradamente motivaram sua criação. Exemplos disso são os ministérios.

Ministério da Economia se torna o fiador da miséria e da pobreza; o Ministério da Justiça promove perseguição e vingança; o Ministério do Meio Ambiente lidera a destruição da natureza; o Ministério da Saúde serve para espalhar a doença e assim por diante.

Os efeitos da decadência civilizatória representada pelo governo brasileiro se apresentam nos mais diversos setores da vida nacional. Na economia, além dos índices de desemprego, de desalento e do aumento progressivo da miséria, o país se vê à mercê de pessoas que, tendo o dever de agir, assistem com cinismo a milhões de pessoas passando fome, comendo restos de carcaças, revirando latas de lixo e sufocando por causa de uma doença para qual já existe vacina.

Na política, as reformas propostas pelo governo e seus aliados têm o claro propósito de facilitar a captura do Estado por interesses privados, seja de grupos econômicos, seja de organizações criminosas. Neste momento, a reforma administrativa é a ponta de lança deste movimento que visa a fragilização dos mecanismo de controle social do Estado brasileiro.

Mas talvez o pior de todos os efeitos destes mil dias de trevas sejam os produzidos na alma dos brasileiros. Desassossego, desesperança, tristeza e ódio são os sentimentos que talvez melhor descrevam este estado suicidário, racista e assassino no qual estamos todos metidos. O governo brasileiro não inventou, mas deu sustentação, potencializou e conferiu legitimidade a uma cultura de morte e cinismo que se disseminou na sociedade brasileira.

Sair deste pesadelo que tem custado milhares de vidas e interditado o futuro irá exigir uma grande recusa dirigida aos propagadores do ódio e aos lesadores que integram ou apoiam o governo, suas ideias e suas ações.

Para isso, instituições como esta Folha tem que assumir a responsabilidade que lhe cabe como o jornal mais lido do país e decidir se quer participar da construção de um país digno ou continuar investindo na criação de polêmicas artificiais em nome de uma suposta “pluralidade”.

Racismo e falsificação histórica nada têm a ver com postura democrática. Quem abre espaço para este tipo de indigência intelectual e moral, que prestigia irresponsáveis e fanfarrões, colabora, ainda que indiretamente, para que esse pesadelo jamais tenha fim.

Escassez de energia e a pressão sobre a Petrobras, Celso Ming , OESP (tempestade perfeita)

 Celso Ming*, O Estado de S.Paulo

29 de setembro de 2021 | 20h26

As projeções mais ousadas sobre o avanço dos preços internacionais do petróleo estão sendo confirmadas. Na última terça-feira, a cotação do barril (196 litros) de óleo tipo Brent (referência do Mar do Norte) ultrapassou os US$ 80 pela primeira vez em três anos. E a tendência é de alta.

  

De repente, ficou evidenciada uma forte escassez de combustíveis, principalmente de gás natural – com que a maioria dos analistas não contava.

Por toda a parte, sobreveio uma crise de energia. Não foi apenas o aumento do calor no Hemisfério Norte no último verão que exigiu mais dos aparelhos de ar-condicionado e do consumo de energia elétrica. A recuperação da pandemia, especialmente na China e nos Estados Unidos, passou a exigir mais energia. Muitas unidades de produção foram paralisadas na Europa para atender às novas exigências ambientais.

Nos Estados Unidos, a produção de óleo e gás de xisto vem sendo desestimulada pela nova política empreendida pelo presidente Joe Biden. Aqui no Brasil, as autoridades se viram na contingência de canalizar mais gás natural para a operação das termoelétricas, para compensar, nesta crise hídrica, a redução da geração de energia pelas hidrelétricas. Enfim, por motivos vários, estamos diante de uma escassez global de energia, que pode ser temporária, mas que não tem data para acabar.

O governo Bolsonaro parece não ter desistido de adotar soluções populistas para estancar a alta dos combustíveis. Desta vez, não é apenas o presidente Jair Bolsonaro que pretende segurar ou reverter artificialmente os preços. O presidente da Câmara dos DeputadosArthur Lira (PP-AL), advertiu que: “O Brasil não pode tolerar gasolina a quase R$ 7 por litro e gás de cozinha a R$ 120”. Mas ainda não explicou como pretende impedir o intolerável.

gasolina
A Petrobras nesta terça-feira, 28, reajustou em 8,9% o valor do óleo diesel em suas refinarias; valor saiu de R$ 2,81 para R$ 3,06. Foto: Nilton Fukuda/Estadão. 

O impacto da alta dos combustíveis sobre o custo de vida é muito forte. Apenas neste ano, os preços da gasolina subiram 31,0%; os do óleo diesel, 28,0%; e os do gás de cozinha, 23,7%.

As pressões para conter os preços não vêm sendo feitas apenas sobre a Petrobras. O governo quer que os Estados abandonem a sistemática atual que prevê determinada porcentagem sobre os preços dos combustíveis e que passem a adotar um valor fixo, independentemente das variações de preços, que hoje são determinadas pelas cotações internacionais e pela variação do câmbio.

No gráfico, você tem a alíquota de Imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços (ICMS) cobrada em cada Estado sobre os preços da gasolina comum ou aditivada. Atualmente, cada Estado tem competência para definir a alíquota, que hoje varia entre 25% e 34%.

  

A ideia de definir um imposto fixo por litro parece aproveitável. O problema aí é convencer os Estados (e sete municípios que têm participação nessa receita) a abrir mão de arrecadação, que é relevante. Em 2020, dos 522,57 bilhões arrecadados no País com o ICMS, cerca de 15,41% (80,51 bilhões) foram arrecadados com a tributação de combustíveis. No Estado do Tocantins, a arrecadação com combustíveis representou 31,7% da arrecadação total do imposto. O Piauí obteve 29,7%; o Amapá, 29,0%; e o Pará, 26,7%, segundo dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). 

Mas a motivação do presidente da Câmara parece tão populista quanto a do presidente Bolsonaro. Ambos querem ganhar as eleições com uma tampa nos preços dos combustíveis. E Arthur Lira quer colocar uma pedra no sapato do seu adversário político em Alagoas, o filho do senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da CovidRenan Filho (MDB).

A alta interna dos combustíveis não se deve apenas à escalada dos preços do petróleo. Deve-se, também, como já observado, ao avanço das cotações do dólar, que, por sua vez, tem a ver com o aumento das incertezas que provêm dos erros e omissões da política econômica. Não basta cobrar da Petrobras e dos governadores. É preciso colocar o governo na linha para que as cotações do dólar possam cair. E isso parece complicado.

*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA


Trilhos do Trem do Vinho servem como teste para VLT no Sul do país- FSP

 Marcelo Toledo

A linha férrea utilizada para o turismo entre Bento Gonçalves e Carlos Barbosa, na Serra Gaúcha, está servindo como campo de testes para um VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) que deverá ser usado num novo roteiro na região.

Os testes começaram na última semana e fazem parte de uma parceria entre a Marcopolo Rail, fabricante do VLT, e a Giordani Turismo, que opera o Trem do Vinho entre as cidades do Rio Grande do Sul.

O acordo foi anunciado em dezembro e os testes fazem parte das etapas para registro do VLT. O objetivo agora, na fase chamada de comissionamento, é fazer uma avaliação geral sobre o funcionamento dos sistemas, principalmente freios, tração, parte elétrica e itens de segurança.

Segundo a Giordani, que opera 23 quilômetros de trilhos entre Bento Gonçalves, Garibaldi e Carlos Barbosa, os testes prosseguirão até o final de outubro e serão realizados das 22h às 6h no percurso da maria-fumaça que integra o Trem do Vinho.

A proposta não é que o VLT substitua o tradicional roteiro com a locomotiva a vapor, mas que seja utilizado num novo roteiro turístico na região Sul, ainda não anunciado e sem data prevista para início.

Por isso, o Trem do Vinho segue em operação normal, durante a manhã e tarde.

O VLT foi desenvolvido pela divisão da Marcopolo destinada ao setor metroferroviário e foi produzido no complexo industrial de Caxias do Sul (RS), numa planta específica para trens.

É a primeira vez que a empresa coloca em circulação um veículo sobre trilhos desenvolvido por ela, que teve desenvolvimento baseado em baixos custos de implementação ou recuperação de sistemas existentes. Pode ter quatro versões: diesel, diesel e elétrico, híbrido (baterias ou capacitores) e elétrico.

A composição, que em sua versão intercidades tem capacidade de transportar 280 passageiros, tem 2,7 m de largura, três portas laterais em cada carro, quatro saídas de emergência e um posto para cadeirante em cada veículo.

Composição está em fase de testes entre Bento Gonçalves e Carlos Barbosa, na Serra Gaúcha (Divulgação/Marcopolo)
Composição está em fase de testes entre Bento Gonçalves e Carlos Barbosa, na Serra Gaúcha (Divulgação/Marcopolo)