terça-feira, 30 de abril de 2019

Não é a economia, estúpido, Pablo Ortellado, FSP

Muitos veem as guerras culturais promovidas pelo governo Bolsonaro como uma agitação estratégica que seria usada como cortina de fumaça para desviar a atenção do público das “pautas sérias”, como a reforma da Previdência e a inação frente ao desemprego crescente. 
Ao gerar controvérsia sobre temas divisivos e passionais, os temas realmente importantes escapariam do escrutínio do público.
A tese, porém, não procede. Desde a campanha, Jair Bolsonaro dá prioridade para os temas morais. O governo Bolsonaro é um governo conservador que utiliza de maneira acessória e até mesmo oportunista a agenda liberal —e não o contrário.
Nas eleições, o que vimos foram duas linhas de discurso moral articuladas por uma retórica populista, antielitista: de um lado, críticas à corrupção promovida pelo Partido dos Trabalhadores e outros partidos “tradicionais”; de outro, ataques ao discurso progressista dos movimentos sociais que teriam ocupado 
escolas, universidades, os meios de comunicação, as ONGs e as artes. 
É contra essas mal definidas elites políticas e culturais que a mobilização conservadora se articulou. Essa é a essência política do governo, e não as reformas liberais.
É isso, aliás, o que explica os surpreendentes resultados da pesquisa do Ibope lançada na última quarta-feira (24), que mediu a aprovação de diferentes áreas do governo. As três mais bem avaliadas foram segurança pública (57%), educação (51%) e meio ambiente (48%). 
Não chega a ser surpreendente que a área mais bem avaliada seja a de segurança pública, já que o titular da pasta é o popular ministro Sergio Moro. Apesar disso, era de se esperar algum impacto negativo das controvérsias sobre o seu pacote anticrime, considerado por muitos especialistas como condescendente com o abuso cometido pelas forças policiais.
Muito mais surpreendente foi o grau de aprovação do Ministério da Educação, cujos primeiros meses foram marcados pela completa inoperância administrativa e pelo fogo cruzado entre técnicos e militares e setores ultraideológicos engajados nas guerras culturais. 
Também surpreende a aprovação do Meio Ambiente, pasta cujo titular é um verdadeiro representante do desmatamento e cujos grandes feitos foram ameaçar perseguir servidores, cortar o orçamento do Ibama e ameaçar fechar o Instituto Chico Mendes.
Em 1992, um estrategista da campanha eleitoral de Bill Clinton cunhou a expressão “the economy, stupid” [a economia, estúpido] para se referir à centralidade política dos assuntos econômicos. Parece que a máxima está sendo contestada pelos fatos.


Pablo Ortellado
Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

Alvaro Costa e Silva, Método na maluquice, FSP

O ministro do Meio Ambiente cuida de tudo, menos do meio ambiente

Lula deu entrevista, e o mundo não se acabou. O ex-presidente mostrou que continua o rei da lábia. Nas duas horas e dez minutos de conversa, só falou do que lhe interessava. De cara boa aos 73 anos, a barba bem aparada, elegante combinação de terno cinza e camisa lilás, jogou no colo dos jornalistas uma manchete bombástica, ao chamar o governo de “bando de maluco”, a qual logo repercutiu na imprensa internacional.
Jair Bolsonaro —que recebeu milhões de votos influenciados pelo antipetismo— não tinha por quê, mas reagiu mal. De rosto crispado, comentou para sua claque: “Pelo menos não é um bando de cachaceiros”. Nas redes sociais, o bolsonarismo foi mais longe: fez subir a hashtag #EntrevistaMarcola, ligando o nome de Lula ao do líder da facção criminosa PCC. 
Nenhuma surpresa na malandragem de uns ou no baixo nível de outros. Assim se desenrola o jogo político no país. No nosso caos diário, dá para colecionar as cortinas de fumaça: inexplicável retirada do ar de um comercial do Banco do Brasil voltado ao público jovem; estúpidas declarações sobre turismo sexual; esposas que devem ser submissas aos maridos, segundo a ministra da Mulher; redução de investimentos do MEC em sociologia e filosofia, cursos que têm operações mais baratas e menos estudantes.
Ao contrário dessas batatadas, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem sido efetivo em seus planos de demonizar a preservação ambiental como obstáculo ao desenvolvimento da agropecuária. Tanto que um manifesto assinado por mais de 600 cientistas, publicado na prestigiada revista Science, pediu à União Europeia que as negociações comerciais com o Brasil sejam condicionadas à sustentabilidade, à proteção dos direitos indígenas, à redução do desmatamento
Salles é aquele que perguntou: “Que diferença faz quem foi Chico Mendes?”. Há método na maluquice.