segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Marcelo Calero afirma ter gravado conversa por telefone com Temer. OESP


RIO - O ex-ministro da Cultura Marcelo Calero confirmou em entrevista ao Fantástico ter gravado um diálogo com o presidente da República, Michel Temer, e outros membros do governo, mas não revelou nomes. O diplomata contou ter gravado algumas conversas telefônicas seguindo a orientação de amigos policiais federais, entre as quais a conversa com Temer sobre sua demissão. Calero afirmou ser alvo de uma campanha difamatória e acusou o governo de tentar preservar interesses particulares.
Marcelo Calero negou ter pedido um encontro com o presidente para gravar a audiência “de maneira ardilosa” e disse que a boataria tem como objetivo mudar o foco das atenções. Ele explicou que fez gravações telefônicas por recomendação de amigos da Polícia Federal para se proteger e "ter um mínimo lastro probatório em seu depoimento". 

“Entre essas gravações (telefônicas) existe uma gravação do presidente da República, mas absolutamente burocrática. Inclusive fiz questão que essa conversa fosse muito protocolar, que é a conversa da minha demissão”, disse, afirmando ter tido a preocupação de não induzir o presidente “a criar prova contra si”.
Calero se tornou o pivô de uma grave crise política no governo Michel Temer ao entregar o comando da pasta no último dia 18, afirmando ter sido pressionado pelo então ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e pelo próprio presidente da República para que o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) alterasse um parecer que embargou a obra do empreendimento imobiliário La Vue, na Ladeira da Barra, em Salvador, onde Geddel comprou um apartamento.
Em depoimento à Polícia Federal no dia seguinte à sua renúncia, Calero disse que Temer o “enquadrou” para tentar buscar uma saída para o impasse na liberação da construção do arranha-céu localizado em área de patrimônio histórico na capital baiana. Segundo o ex-ministro, o presidente insistiu que o caso fosse encaminhado à Advocacia-Geral da União (AGU) e afirmou que a decisão do Iphan de barrar a construção do prédio havia criado “dificuldades operacionais” em seu gabinete, já que Geddel estava “bastante irritado”.
Na entrevista ao Fantástico ele reiterou as declarações feitas à PF e descreveu suas três conversas com o presidente a respeito do caso. De acordo com Calero, em um primeiro momento, Temer disse que resolveria o caso com Geddel, mas, segundo Calero, mudou de ideia e pediu que ele enviasse o processo à AGU, dizendo que a ministra Grace Mendonça, responsável pelo órgão, resolveria a questão de maneira que ficasse “bom para todos”.
“Em menos de 24 horas, todo aquele respaldo que ele me havia garantido ele me retira e me determina que eu criasse uma manobra, um artifício, uma chicana, para que o caso fosse levado à AGU”, afirmou Calero. 
O diplomata se disse chocado por constatar que interesses particulares ainda possam prevalecer dentro do governo. “Ficava patente que altas autoridades da República perdiam seu tempo em favor de um assunto paroquial, que se referia a um interesse particular de um ministro”, disse, após relatar seus diálogos com Padilha. 
“Certamente acharam que, para preservar meu cargo de ministro, eu faria qualquer negócio. Jamais faria qualquer negócio para preservar cargo nenhum”, disparou.
Apesar da resistência do presidente, a permanência de Geddel no governo se tornou insustentável depois que o depoimento em que Calero menciona Temer veio a público, assim como rumores sobre a gravação de conversas com o ex-ministro da Secretaria de Governo e com o presidente da República. Geddel apresentou carta de demissão ao governo na última sexta-feira.
'Quase indigno'. Em entrevista coletiva neste domingo, Michel Temer classificou de “gravíssimo, quase indigno”, um ministro gravar o presidente da República. As denúncias de Calero deram combustível para a oposição se mobilizar pelo impeachment do presidente. 
Questionado se havia gravado conversas com Geddel e Padilha, Calero disse que que não poderia revelar os interlocutores das gravações porque isso poderia atrapalhar as investigações.

MAIS CONTEÚDO SOBRE:

Ministro do STF tem 1.426 habeas corpus pendentes, OESP

Foto: André Dusek|Estadão
Marco Aurélio
Aguardo. O ministro Marco Aurélio em sessão do Supremo
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, acumula, em seu gabinete, 47,02% da fila de 3.298 habeas corpus que aguardam julgamento. São 1.426 habeas corpus sob sua relatoria – o mais antigo de 2008 (HC 94.189) –, segundo a estatística oficial do STF, duas vezes confirmada pelo ministro, por seu gabinete. É 4,9 vezes a mais do que o segundo colocado, o ministro Luiz Fux, que tem 291 HCs sob sua responsabilidade. Ou 9,3 vezes a mais do que os 152 relatados pelo ministro Edson Fachin, o ministro que menos tem habeas corpus no gabinete, considerando-se a distribuição regular, segundo a estatística oficial da última sexta-feira. 
Insistentemente questionado sobre o porquê da diferença a muito maior para seus outros dez colegas de toga, Marco Aurélio não respondeu. Há pouco mais de quatro anos, em julho de 2012, quando seu gabinete acumulava 747 habeas-corpus, ele disse, referindo-se a si próprio: “A carga de trabalho, para o ministro que pega no pesado, que não transfere processo a assessores e juízes, é desumana”. À época, o ministro Celso de Mello, que também não aceita juiz auxiliar, tinha 868 habeas corpus. Hoje, tem 249. E Marco Aurélio quase que dobrou.
Habeas corpus ad subjiciendum – do latim, “que tenhas o teu corpo” – é remédio jurídico para ontem. Está previsto no artigo 5.º, inciso LXVIII, da Constituição: “Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. 
Qualquer pessoa física pode pedi-lo – é o “paciente”, no termo processual –, contra o acusado de ferir o direito, chamado de “coator”. Não exige nem sequer advogado – e pode ser feito, sem nenhuma formalidade, até em papel de embrulho. 
“É um atalho processual para situações emergenciais e graves, que precisam de resposta rápida”, diz o penalista Rafael Mafei, professor do Departamento de Filosofia e Teoria do Direito da Universidade de São Paulo (USP). “No Supremo, como em outros tribunais, essa rapidez é comprometida pelo acúmulo de processos e, também, pela gestão autocrática dos ministros em relação ao tempo e à pauta de julgamentos.” 
Foto: Arte|Estadão
Gráfico

A estatística disponível no STF mostra que alguns HCs, entre os 3.298 que lá tramitavam – 2,7% dos 84.015 processos protocolados até a última sexta-feira –, estão represados desde os anos 2000. O mais antigo de todos é o HC 87.395, de 2005. Um de seus pacientes é o hoje delegado de polícia Mário Sérgio Bradock Zadescki, da gaúcha Bocaiuva do Sul. Ao pedir, pelo telefone, que falasse sobre o caso, o Estado ouviu palavrões e ameaças. 
O caso chegou à Justiça em 2003. Bradock já era delegado e também deputado estadual pelo PMDB. Com foro privilegiado, foi denunciado pelo Ministério Público ao Tribunal de Justiça pelos crimes de tortura, homicídio e tentativa de homicídio, entre outros. O TJ-RS aceitou a denúncia, decisão confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na iminência de uma sentença condenatória, seu advogado entrou com o pedido de HC no Supremo. Alegava, grosso modo, ilegalidades no curso do processo, questionando a validade de investigações feitas pelo MP – uma discussão recorrente no STF.

Percurso. O 87.395 passou pelos ministros Carlos Veloso e Ricardo Lewandowski, quando o substituiu. Em outubro de 2006, Lewandowski o levou a julgamento na Primeira Turma. Cármen Lúcia pediu vista. Quando o devolveu, dois anos depois, em plenário, Joaquim Barbosa pediu vista. Mais um ano, e novo pedido de vista, de Ayres Britto. Foi herdado por Luís Roberto Barroso, que o substituiu. Em 7 de outubro de 2015 – dez anos depois –, Barroso o liberou para julgamento. Está com a presidente Cármen Lúcia, à espera de entrar na pauta.

domingo, 27 de novembro de 2016

Os rumos da substituição tributária do ICMS, Valor (pauta Afif)


Conforme amplamente divulgado pela mídia, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalmente pôs termo a uma discussão que se arrastava há anos e que possui enorme relevância para a maioria das cadeias de produção/comercialização de mercadorias oneradas pelo ICMS no Brasil.
Ao julgar o recurso extraordinário RE 593.849/MG, aviado pela empresa comercial de combustíveis e lubrificantes Parati Petróleo em face de decisão desfavorável do TJ-MG e no qual foi reconhecida a repercussão geral, o Plenário do STF acabou por decidir, por maioria dos ministros (7 votos a 3), que “é devida a restituição do ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”.
Mais do que representar uma guinada radical no entendimento jurisprudencial até então prevalente, a referida decisão coloca em xeque toda a lógica e, por conseguinte, a própria razão de ser da sistemática da substituição tributária progressiva (ou “para frente”), como se verá a seguir.
Aquilo que à primeira vista poderia ser visto como medida de justiça fiscal, benéfica aos contribuintes, é uma faca de dois gumes
Ainda que a atribuição de responsabilidade pelo recolhimento do imposto a terceiros que não o próprio contribuinte remonte aos anos 60 do século passado, época em que vieram a lume os artigos 121 e 128 do Código Tributário Nacional (CTN) e o Decreto-lei nº 406/68, foi somente nos anos 1990, quando adveio a Emenda Constitucional nº 03/93, que os Estados passaram a lançar mão dessa “ferramenta” arrecadatória.
substituição tributária para frente foi pensada a princípio como uma forma de racionalização e otimização da cobrança do ICMS em segmentos em que a cadeia econômica é muito pulverizada. Na prática, consiste em atribuir a responsabilidade pelo recolhimento de todo o ICMS incidente em uma cadeia plurifásica a um só sujeito passivo situado no início da etapa produtiva, via de regra o fabricante ou o importador.
Com isso, o Fisco teria o condão de, a um só tempo, coibir a sonegação e reduzir drasticamente seu esforço fiscalizatório, posto que concentrado num universo reduzido de contribuintes.
Desde então, todavia, o que se tem visto é um constante e progressivo desvirtuamento do instituto da substituição tributária.
Se no início apenas alguns segmentos de atividades econômicas estavam abrangidos pela sistemática, hoje em dia são raros aqueles que não se sujeitam a ela, haja vista sua total banalização.
Além disso, o entendimento jurisprudencial que até então se emprestava ao §7º do artigo 150 da Constituição Federal admitia o direito à restituição do imposto pago antecipadamente sempre que o fato gerador presumido não se verificasse na prática, não sendo possível, outrossim, a recuperação dos valores pagos a maior nas hipóteses em que o fato gerador efetivamente ocorresse, ainda que de forma distinta à presumida na etapa inicial do ciclo econômico da mercadoria.
Com a recente mudança de posicionamento, o STF passa agora a admitir que o fato gerador presumido não é mais definitivo, fazendo jus o contribuinte substituído à devolução dos montantes recolhidos a maior pelo substituto (e a ele repassados indevidamente via preço).
Aquilo que à primeira vista poderia ser encarado como uma medida de justiça fiscal e bastante benéfica aos contribuintes, é na realidade “uma faca de dois gumes”, na medida em que o Fisco igualmente passa a ser titular do direito de exigir a complementação do imposto nas hipóteses em que o fato gerador presumido resultar em montante inferior ao efetivamente praticado ao cabo da cadeia de consumo.
Essa prerrogativa do Fisco de exigir a diferença, somada às hipóteses em que o próprio contribuinte pretender fazer valer seu direito à restituição do imposto que lhe tenha sido retido (e repassado) a maior, certamente acarretará um recrudescimento na fiscalização, no contencioso e na burocratização, com efeitos deletérios para os contribuintes e para a própria administração pública.
Explica-se: ao se atribuir consequências jurídicas e econômicas para o contraste numérico entre o fato gerador presumido e o realizado, o esforço fiscalizatório passará a se dar nas duas pontas da cadeia, qual seja, a etapa de produção e a etapa de consumo, o que requer, (i) do lado do Fisco, um maior contingente de auditores fiscais e/ou um aparato tecnológico mais robusto e eficiente, onerando a máquina estatal, e (ii) do lado dos contribuintes, mais obrigações acessórias (a exemplo da via crucis documental prevista na Portaria CAT 17/99 do Estado de São Paulo) e um maior controle gerencial, o que em última análise representa um inoportuno acréscimo nos assim chamados “custos de conformidade”.
Como se vê, fica completamente esvaziada de sentido a substituição tributária, haja vista ter sido idealizado esse instituto justamente para mitigar o custo e o esforço fiscalizatório.
Há de se aguardar ainda a reação dos Estados quanto ao supracitado acórdão do STF, mas é certo que a substituição tributária para frente acabou de se credenciar à condição de pauta da verdadeira reforma tributária, tão reclamada por aqueles que pretendem um sistema mais justo e racional.
Por Eduardo M. Barreto e Philippe André Rocha Gail 
Fonte: Valor Econômico
Escrito por: Christian Vinícius