quarta-feira, 24 de abril de 2024

Haverá uma nova pandemia, só não sabemos como virá nem de onde, Drauzio Varella, FSP

 Será fundamental estarmos preparados para enfrentá-la, sem repetir os erros que cometemos quando o vírus da Covid-19 chegou até nós.

O Brasil é o único entre os países mais desenvolvidos que não conta com uma instituição especializada na gestão de emergências em saúde pública e no controle de doenças, como são as dos países europeus e os Centers for Diseases Control and Prevention (CDC), dos Estados Unidos, por exemplo.

Assim que surgirem os primeiros casos de uma doença desconhecida em nosso território, será necessário detectá-los de imediato, isolar o agente causador, sequenciar seu genoma e caracterizar os modos de transmissão e o padrão de disseminação entre seres humanos e animais. Esses conhecimentos são fundamentais para a elaboração de vacinas e demais estratégias de combate.

O mesmo vale para doenças conhecidas que podem reemergir num dado momento. Veja a epidemia de dengue que estamos vivendo. Se contássemos com uma estrutura especializada em responder de forma emergencial, capaz de aplicar modelos epidemiológicos para avaliar a extensão e a gravidade dos surtos com antecedência, o SUS teria tido tempo de se mobilizar com mais eficácia para evitar tanta morbidade.

Com as mudanças climáticas atuais, a pobreza e as condições de moradia da nossa população, é impossível acabar com a proliferação do Aedes e com a dengue, mas as mortes podem ser evitadas com uma medida simples: a hidratação.

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A dificuldade não é saber como tratar, mas como organizar as redes formadas pelo programa Estratégia Saúde da Família, pelas Unidades Básicas de Saúde, pelas Unidades de Pronto Atendimento e pelos hospitais de forma racional para garantir o acesso irrestrito ao atendimento, num país das dimensões do nosso.

Em perfil vemos dois personagens. À esquerda um homem está tomando tranquilo uma xícara de café confortavelmente sentado em uma poltrona. Ele está completamente inconsciente da presença de um gigantesco lobo-fera que está chegando silencioso por trás. O lobo está com sua enorme mandíbula escancarada pronto para abocanhar inteiramente o homem e sua poltrona.
Ilustração de Líbero para coluna de Drauzio Varella de 24 de abril de 2024 - Libero Malavoglia/Folhapress

É um desafio gigantesco, que não pode depender de iniciativas isoladas das prefeituras. Emergências em saúde pública exigem coleta de dados confiáveis, respostas rápidas e coordenação nacional e internacional.

Precisamos de um órgão técnico supervisionado pelo Ministério da Saúde, integrado ao SUS, para assessorá-lo com autonomia e estabilidade funcional, independente do voluntarismo dos governantes da ocasião. Não podemos repetir absurdos recentes, como o de depender da imprensa para checar os números da epidemia uma vez que os oficiais não eram confiáveis.

Não é preciso reinventar a roda. Apesar das dificuldades e dos descasos, a ciência brasileira dispõe de cientistas da melhor qualidade, distribuídos em universidades e institutos de pesquisas respeitados internacionalmente, como o Butantan, a Fiocruz e o Instituto Evandro Chagas, entre vários outros.

Temos também cientistas altamente capacitados que trabalham nos maiores centros de pesquisa americanos e europeus. São brasileiros dispostos a voltar para o país assim que lhes forem oferecidas condições decentes para prosseguir com suas pesquisas. Não é sensato desperdiçar talentos que nos fazem falta.

As mudanças do clima, o desmatamento, o crescimento desordenado das cidades, a superpopulação em algumas áreas e a desigualdade econômica formam o caldo de cultura ideal para a disseminação de doenças infecciosas e de outros agravos.

As ameaças à saúde da população no mundo atual estão cada vez mais complexas. Não há mais espaço para improvisações. As políticas públicas devem ser adotadas pelo SUS depois de análises de dados e avaliações técnicas baseadas nas melhores evidências científicas.

O Brasil tem um dos sistemas de saúde mais abrangentes do mundo, o SUS, mas não é fácil oferecer assistência para 200 milhões de habitantes espalhados numa extensão continental, com grandes massas populacionais vulneráveis.

A próxima emergência em saúde pública não pode provocar tragédia semelhante à da Covid-19. Faz falta um órgão técnico adaptado à nossa realidade, com recursos financeiros, gestão moderna, livre de interferências políticas e com agilidade administrativa para contratar profissionais, desenvolver estudos colaborativos com as universidades e os institutos de pesquisa, integrado ao SUS com o objetivo de assessorá-lo e fortalecê-lo.

Perderam a vida mais de 700 mil brasileiros na última pandemia. Não podemos ser pegos de surpresa outra vez. Não vamos repetir os mesmos erros, não é possível que não tenhamos aprendido nada.


Presidente de Portugal diz que país precisa reparar crimes da escravidão, FSP

 O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, disse na noite desta terça-feira (23) que seu país é responsável por crimes cometidos durante a escravidão transatlântica e a era colonial e afirmou que há necessidade de reparação.

Em um evento com correspondentes estrangeiros, o social-democrata disse que Portugal "assume total responsabilidade" pelos erros do passado e que esses crimes, que incluem massacres, tiveram "custos". "Devemos arcar com os custos", disse.

O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, no Palácio de Belém, em Lisboa - Pedro Nunes - 9.nov.2023/Reuters

Em abril do ano passado, Rebelo já havia dito que o país deveria se desculpar e assumir sua responsabilidade pelo comércio transatlântico de escravizados. Na época, ele foi o primeiro líder de uma nação do sul da Europa a sugerir tal atitude.

"Pedir desculpas às vezes é a coisa mais fácil de fazer. Você pede desculpas, vira as costas e o trabalho está feito", disse ele na ocasião, após uma visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nesta terça, ao ir além e mencionar uma reparação, ele repetiu que "pedir desculpas é a parte fácil".

"Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isso", afirmou, sem entrar em detalhes. Em Portugal, o presidente é chefe de Estado, não de governo —função exercida pelo primeiro-ministro, atualmente Luís Montenegro.

Por mais de quatro séculos, milhões de africanos foram sequestrados, transportados à força em navios por comerciantes principalmente europeus e vendidos como escravos. Aqueles que sobreviviam à viagem acabavam trabalhando em plantações nas Américas, em especial no Brasil e no Caribe.

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Portugal teve um papel importante nesse sistema, já que traficou quase 6 milhões de africanos, mais do que qualquer outra nação europeia. Até agora, porém, falhou em confrontar seu passado.

Críticos dizem que pouco se ensina nas escolas sobre o papel do país na escravidão —a era colonial, aliás, durante a qual países como AngolaMoçambique, Brasil, Cabo Verde e Timor Leste foram submetidos ao domínio português, é frequentemente percebida como uma fonte de orgulho.

A própria declaração de Rebelo no ano passado foi marcada por uma ponderação contraditória que romantiza o modelo escravocrata. Na ocasião, o presidente português disse que a colonização do Brasil também teve fatores positivos, como a difusão da língua e da cultura portuguesa. "Mas, do lado ruim, a exploração dos povos indígenas, a escravidão, o sacrifício dos interesses do Brasil e dos brasileiros", disse.

A ideia de pagar reparações ou fazer outras correções tem ganhado força em todo o mundo. Em 2022, por exemplo, a Holanda pediu desculpas pela colonização e a escravidão na África e na Ásia e anunciou a criação de um fundo de 200 milhões de euros destinado a medidas que sensibilizem a população a respeito do tema.

Em uma das iniciativas mais recentes, o Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Pessoas de Ascendência Africana recomendou, em junho de 2023, a criação de um tribunal internacional que trate das atrocidades que remontam à escravidão.

O escopo de qualquer tribunal ainda não foi determinado, mas o grupo recomendou, em um relatório preliminar, que ele deveria tratar de reparações por escravidão, apartheid, genocídio e colonialismo. A corte ajudaria a estabelecer normas legais para reivindicações complexas de reparações internacionais e históricas, dizem seus defensores.

Com Reuters