segunda-feira, 15 de abril de 2024

Cigarro eletrônico é ameaça à saúde pública, FSP

 VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)

Como ex-ministros da Saúde, temos o dever de reiterar nosso posicionamento contrário à comercialização dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), conhecidos como "vapes" ou cigarros eletrônicos.

A proibição desse aparelho foi realizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2009 e ratificada em 2022. Por interesses da indústria do tabaco, no entanto, um novo projeto de lei foi apresentado no Senado Federal em 2023, fazendo necessário que saiamos, uma vez mais, em defesa da saúde pública.

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Homem fuma cigarro eletrônico em sua casa, em Curitiba (PR) - Leticia Moreira/Folhapress - Folhapress

Incontáveis estudos mostram que o cigarro eletrônico faz mal à saúde. As substâncias presentes nele estão relacionadas ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral, câncer e inflamação dos pulmões. Além disso, o dispositivo traz risco de explosão da própria bateria, que pode causar lesões e morte. O cigarro eletrônico contém elevadas concentrações de nicotina e níveis significativos de metais como alumínio, associado ao enfisema pulmonar; cromo, relacionado ao câncer de pulmão; níquel, também ligado ao câncer de pulmão e do seio nasal; e cobre, causador de danos ao fígado, rins e pulmões.

A desinformação é importante indutora do crescimento do uso do vape. A propaganda da indústria de "redução de danos" é falsa e jamais se confirmou. Ao contrário: as evidências revelam que seus componentes químicos, além de prejudiciais à saúde, viciam e aumentam a dependência.

O Brasil tem sido modelo na luta contra o tabagismo em âmbito global. Em função de décadas de esforços, ocorreu clara redução no consumo de tabaco, que, entre adultos, foi de 34% em 1996 para 11% em 2023, com benefícios evidentes aos indivíduos e à sociedade em geral.

Esses avanços são, em parte, atribuídos a medidas regulatórias, tais como a proibição da propaganda de produtos de tabaco, por meio do decreto 5.658/2006, que promulgou a Convenção-Quadro para o Controle do Uso do Tabaco; a lei 12.546/2011, que instituiu os ambientes livres de tabaco; e o decreto 8.262/2014, que aumentou espaços de advertências e imagens antifumo nas embalagens de produtos fumígenos e proibiu a venda a menores de 18 anos, entre outras medidas. A interdição dos cigarros eletrônicos mantém a coerência de uma política voltada para preservar a saúde tanto individual quanto coletiva.

Entretanto, esses avanços estão sob ameaça. Em pesquisas recentes do IBGE, já se observa que a experimentação de cigarro eletrônico entre escolares de 13 a 17 anos atingiu 16,8%, em 2019, e o uso regular de qualquer produto do tabaco, nesta faixa etária, aumentou de 9%, em 2015, para 12%, em 2019.

liberação da venda de vapes ampliaria o acesso e a oportunidade de consumo entre os jovens e promoveria a falsa ilusão de que o produto é menos nocivo. O amplo comércio, aliado à limitada capacidade de fiscalização, proporcionaria aos menores mais chances de iniciar ou manter seu vício desde cedo, com todos os riscos associados à saúde que isso traria.

Diante das evidências científicas, da natureza dos riscos vinculados ao uso de cigarros eletrônicos e de seu elevado potencial para adição e vício, em especial na juventude, e visando prevenir um aumento do seu consumo, torna-se imperativo manter sua proibição no Brasil.

Conclamamos, assim, os senadores a afastarem essa ameaça e manterem a interdição dos DEFs no país. Todos temos o compromisso de nos engajarmos no esforço da sociedade brasileira em defesa da saúde pública e, especialmente, das nossas crianças e adolescentes.

Arthur Chioro
Humberto Costa
José Agenor Álvares da Silva
José Gomes Temporão
José Saraiva Felipe
José Serra
Luiz Henrique Mandetta
Nelson Teich

Ex-ministros da Saúde

Ruy Castro - O bom nunca fica velho, FSP

 Outro dia, em Veneza, onde estive a trabalho, fiquei sabendo de um gondoleiro que, ao deslizar pelos canais cantando a plenos pulmões a eterna "O Sole Mio", foi desacatado pelo passageiro. Era um americano das antigas, red neck e com restos de macarrão nas barbas, revoltado com a, para ele, desfiguração da sacrossanta "It’s Now or Never" —"de Elvis Presley". E não se conformou quando lhe disseram que "It’s Now or Never", de 1960, era apenas uma versão chinfrim em inglês de "O Sole Mio", de Edoardo de Capua e Giovanni Capurro, lançada por Enrico Caruso em... 1899!

O cantor Elvis Presley durante show - Elvis Presley Enterprises LLC/Handout/via REUTERS

Alguns radicais incultos reagem mal ao saber que grandes sucessos dos grupos que eles vêem como "rebeldes" eram covers de canções lindamente caretas. Dois dos primeiros top five dos Beatles, em 1963, foram "Ain’t She Sweet", sucesso de Gene Austin em 1927, e "Till There Was You", principal canção do musical da Broadway "The Music Man", de 1957. Sem falar em que, num compacto também de 1963, os Beatles gravaram até a já surradérrima "When the Saints Go Marching In", de 1896!

Nem os Rolling Stones se furtaram ao cover. Um de seus primeiros discos continha "Route 66", genial canção de Bobby Troup imortalizada em 1946 por Nat King Cole, ainda no tempo do King Cole Trio. Em 1968, Mama Cass, com o The Mamas & The Papas, estourou com "Dream a Little Dream of Me", de 1931, sucesso de Ella Fitzgerald e Louis Armstrong em 1950. E Janis Joplin explodiu em 1968 com "Summertime", de George Gershwin, da ópera-jazz "Porgy and Bess", de 1935.

Nenhuma dessas cópias supera os originais, claro. Mas há uma que quase empata: a de "East St. Louis Toodle-Oo", o tema instrumental que consagrou a orquestra de Duke Ellington em 1927, regravada magistralmente pelo grupo Steely Dan, em 1974, com os pedais wa-wa das guitarras recriando a surdina de Bubber Miley.

O bom nunca fica velho ou careta.

Censura promovida por Moraes tem de acabar, editorial FSP

 A Constituição, no nobilíssimo artigo dos direitos fundamentais, dispõe ser "livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".

Como se o comando fosse insuficiente, a Carta o reforça no capítulo em que trata da comunicação social, ao vedar qualquer tipo de restrição à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação. O ordenamento, em suma, impede o Estado de calar um cidadão sob qualquer pretexto.

A ampla liberdade, no Brasil como no cânone democrático, caminha ao lado da responsabilidade individual. Uma pessoa pode dizer o que quiser sem ser amordaçada, mas estará sujeita a sanções penais caso o seu discurso configure crime, ou pecuniárias se conspurcar a imagem de alguém.

Quaisquer intervenções repressivas do poder público, portanto, deveriam sobrevir somente após algo ser expresso, nunca antes.

Pois um ministro do Supremo Tribunal Federal, com decisões solitárias em inquéritos anômalos —conduzidos pelo magistrado e não pelo Ministério Público, o órgão competente—, reinstituiu a censura prévia no Brasil. Ordens secretas de Alexandre de Moraes proíbem cidadãos de se expressarem em redes sociais.

O secretismo dessas decisões impede a sociedade de escrutinar a leitura muito particular do texto constitucional que as embasa. Nem sequer aos advogados dos banidos é facultado acesso aos éditos do Grande Censor. As contas se apagam sem o exercício do contraditório nem razão conhecida.

Urgências eleitorais poderiam eventualmente justificar medidas extremas como essas. O pleito de 2022 transcorreu sob o tacão de um movimento subversivo incentivado pelo presidente da República. Alguns de seus acólitos nas redes não pensariam duas vezes antes de exercitar o golpismo.

Mas a eleição acabou faz mais de 17 meses e seu resultado foi, como de hábito no Brasil, rigorosamente respeitado. O rufião que perdeu nas urnas está fora do governo e, como os vândalos que atacaram as sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023, vai responder pela sua irresponsabilidade.

Escapa qual seja o motivo para sustentar os silenciamentos, que violam um direito fundamental. Alexandre de Moraes tem, no mínimo, o dever de publicar todas as decisões que o levaram a exercer esse poder extraordinário.

Melhor mesmo seria que suspendesse as proibições. É um direito inalienável dos imbecis do bolsonarismo propagar as suas asneiras. Expostas à luz do sol, elas tendem a desidratar-se. Silenciadas, apenas alimentam o vitimismo hipócrita dessa franja de lunáticos.

Puna-se o que houver de crime no que for dito, mas sem recorrer ao instrumento inconstitucional e autoritário da censura prévia.

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