quarta-feira, 10 de abril de 2024

'Verissimo' é sábio ao retratar o escritor mais introspectivo do mundo, Walter Porto - FSP



Quando eu falo em público, não sei quem sofre mais, eu ou o público", brinca Luis Fernando Verissimo numa das cenas do novo documentário sobre ele no É Tudo Verdade.

Dá para ver que a declaração é sincera. É como se Deus tivesse despejado tanto, mas tanto carisma na maneira como o cronista se expressa no papel que sobrou só um pouquinho dessa mesma desenvoltura para o trato ao vivo.

O escritor Luis Fernando Verissimo em cena do documentário 'Verissimo', de Angelo Defanti
O escritor Luis Fernando Verissimo em cena do documentário 'Verissimo', de Angelo Defanti - Divulgação

Deixemos claro desde já: estamos falando de um dos maiores autores brasileiros vivos, raro artífice de um estilo próprio de humor, raro comediante que brilha ao falar de coisa séria, raríssimo escritor ainda hoje adulado e festejado enquanto anda pelas ruas.

Mas como o filme "Verissimo" permite entrever, Verissimo é um péssimo entrevistado. Dá respostas óbvias, recorre a clichês, volta e meia se repete. Faz tudo o que não faz no papel. Conte só quantas vezes ele faz a brincadeira "a gente se distrai e quando vê, está fazendo 80 anos" ao longo dos 90 minutos de filme. Quatro.

Um documentário erigido em torno do campeão gaúcho da introspecção é um desafio e tanto —contornado com habilidade pelo diretor Angelo Defanti. Principalmente ao reconhecer que a timidez não é problema, mas traço de um personagem curiosíssimo, dono de uma voz destacada que, por milagre ou maldição, só se manifesta por escrito.

Há uma cena de gargalhar, por exemplo, quando o cronista está vendo um jogo de futebol na sala de sua casa e o Inter, seu time do coração, marca enfim um suado ponto no adversário. E a reação de Verissimo vem em decimais de decibéis: "gol".

Lucia, sua companheira de língua mais solta, trata de equilibrar a dinâmica familiar que domina o longa tão afável —e diz que gosta de ouvir o marido falar em eventos porque "é aí que descobre o que ele está pensando sobre o mundo".

Mas esta vida privada é menos comédia que poesia gentil. O filme acompanha os 15 dias que precedem o aniversário de 80 anos de Verissimo —hoje afastado da escrita devido a um AVC sofrido em 2021.

O autor está recolhido agora aos 87 anos, mas ali, naquelas imagens de 2016, podemos vê-lo sendo escalado pelos netinhos, acossado por fãs emocionados, celebrado em eventos. Dono de uma paciência extraordinária, ele pouco se exalta e nunca se mostra rabugento.

Nisso o filme encontra um equilíbrio feliz, refletido numa cena já nos primeiros minutos: enquanto a família tem um papo animado sobre política no jardim, o velho Luis Fernando está recluso no seu escritório, e a câmera captura o momento justo em que ele vira o pescoço do escuro para espiar fora da janela.

Defanti não força a mão tentando tornar seu protagonista o que ele não é —toma a sábia decisão de adaptar seu filme a ele. Não o provoca, não fala com ele, não o põe em situações constrangedoras: observa tão imóvel quanto seu personagem.

É assim que o documentário se permite bater asas: o cotidiano prosaico de um homem idoso se torna mesmerizante entre o brilho e a monotonia. A presença mais chamativa de todo o filme é o som diegético de um relógio de parede, tic, tac, tic, tac, fazendo os dias passarem sob os dedos do escritor.

Numa das frases que o tornaram mestre, Verissimo diz passar seus dias tentando se esquecer da morte. "E espero que ela faça o mesmo comigo."

E este filme parece menos interessado em ser uma eulogia que em capturar uma vida que repousa em compasso lento, discreto, contido em tudo menos na quantidade de amor no qual Verissimo se vê inundado.

Há uma cena comovente ali, perto do fim. O escritor está parado conversando com um amigo —ou melhor, ouvindo-o falar—, em frente a um muro grafitado. Alguém diz para tirar uma foto e as pessoas vão se aproximando aos punhados, às dezenas, beira uma centena de gente sorrindo.

Verissimo fica ali, mal se mexe. O público é que vem até ele —e faz isso com todo o prazer.

  • SALVAR ARTIGOS

    Recurso exclusivo para assinantes

    ASSINE ou FAÇA LOGIN

  • 1

Ver para não crer, Hélio Schwartsman, FSP

 A ciência tem um problema de relações públicas. Algumas de suas maiores realizações, como a vacinação e o fornecimento de água tratada, produzem efeitos que só ficam visíveis quando recorremos a contrafactuais, isto é, a uma comparação com como o mundo ficaria na ausência dessas intervenções. Frequentemente, para vislumbrar essas realidades alternativas são necessários cálculos estatísticos sofisticados.

Assistimos nos últimos dias a uma rara situação em que uma tecnologia que depende de contrafactuais para mostrar sua utilidade ficou mais evidente. Falo do terremoto em Taiwan. Foi um sismo considerável, de magnitude estimada entre 7,2 e 7,4 na escala Richter, e bem raso, o que tende a aumentar seu poder destrutivo. Atingiu área densamente habitada e, ainda assim, produziu um número reduzido de perdas humanas: nove mortos e poucas dezenas de desaparecidos.

Prédio danificado em Hualien, depois que um grande terremoto atingiu o leste de Taiwan - AFP - AFP

O baixo número de vítimas é atribuído ao emprego intensivo de engenharia antitremor. Vimos fotos de edifícios que foram arrancados de sua base, mas não ruíram. Não é preciso mais que doses mínimas de imaginação para perceber que um terremoto com as mesmas características numa região que não faz uso das melhores técnicas de construção teria provocado milhares de mortos.

Tivemos há pouco um outro momento em que contrafactuais ficaram evidentes. Foi na pandemia. As curvas de mortalidade iam caindo à medida que os países vacinavam proporções maiores de sua população, o que ocorreu em velocidades variadas, permitindo a comparação.

Em minha ingenuidade, achei que esse sucesso transparente faria com que a população recobrasse a confiança em imunizantes. Mas não é o que vemos. No Brasil, as coberturas vacinais continuam a ficar bem abaixo da meta —mesmo agora durante a emergência da dengue.

É uma falha tão catastrófica na capacidade coletiva de aprendizado que às vezes me pergunto como a humanidade chegou até aqui.


Supermercados ultrapassam R$ 1 trilhão em faturamento, FSP

 Os supermercados brasileiros romperam a barreira de R$ 1 trilhão em faturamento no ano passado, o correspondente a 9,2% do PIB, segundo a Abras (Associação Brasileira de Supermercados).

Carrefour segue no topo dessa lista, com R$ 115,5 bilhões em vendas. Em seguida, estão Assaí Atacadista (R$ 72,8 bilhões) e Grupo Mateus (R$ 30,2 bilhões).

O Carrefour é o líder em faturamento entre os supermercadistas
O Carrefour é o líder em faturamento entre os supermercadistas - Nacho Doce - 09.nov.17/Reuters

Boa parte desse resultado se deve à ampliação do número de lojas que, segundo a associação, saiu de 94,7 mil, em 2022, para 414,6 mil, em 2023 —340% de crescimento. No total, são mais de 318,3 mil supermercados no país.

Essa expansão, no entanto, se deve a uma parceria com o Sebrae, que compilou informações de micro e pequenos estabelecimentos do varejo alimentar antes não incluído no levantamento da Abras.

"Os números alcançados pelo setor não apenas refletem sua solidez, mas também a sua importante contribuição para a economia nacional", disse o presidente da Abras, João Galassi, em nota.

PUBLICIDADE

CONFLITO DE DADOS

Como mostrou o Painel S.A. em setembro do ano passado, os dados de faturamento da Abras, coletados pela NielsenIQ, eram contestados pela empresa de dados Scanntech.

Até então, a subnotificação ultrapassava os 60%, segundo a Scanntech. No ranking anual de 2022, a Abras havia reportado um faturamento de R$ 695,7 bilhões, enquanto o monitoramento da Scanntech já apontava um faturamento real de R$ 1,1 trilhão.

À época, a Scanntech afirmava que apenas em sua base de dados, coletada junto aos mais de 40 mil pontos de vendas de clientes como Carrefour e Pão de Açúcar, os R$ 695 milhões corresponderiam a 98% do mercado oficial reportado pela Abras. Afirmava que era impossível o faturamento ser este, já que a companhia não tinha 98% do mercado como cliente.

Contestada, a NielsenIQ então respondeu que o faturamento do varejo alimentar brasileiro só ultrapassaria R$ 1 trilhão se fossem incluídos dados de farmácias, perfumarias, bares, restaurantes, casas noturnas, eletro e ecommerce.

Com Diego Felix