domingo, 13 de fevereiro de 2022

Ruy Castro A música sem dedos, FSP

 Deu no UOL. Um vigarista italiano, Roberto Vivaldi, 69 anos, condenado por crimes financeiros e foragido de seu país havia 25 anos, foi descoberto na Venezuela, onde vivia de vender discos de vinil pela internet. A Interpol já estava de olho nele, mas não tinha como comprovar sua identidade. O incremento desse comércio pela pandemia, no entanto, trouxe novas informações, e o chefe da investigação Alessandro Gallo teve uma ideia: encomendar um disco a Vivaldi. Fã de bossa nova, pediu-lhe "Garota de Ipanema", com Antonio Carlos Jobim.

Como Tom nunca gravou um disco com esse título, Leonardo Rodrigues, autor da reportagem, deduziu, a meu ver corretamente, que se tratava do LP com a trilha sonora do filme "Garota de Ipanema", lançado pela Philips em 1967. O nome de Tom aparece em primeiro lugar na capa, seguido pelo de outros artistas que se ouvem no filme: Nara Leão, Chico Buarque, Vinicius de Moraes, Baden Powell, Elis Regina etc. É um dos discos brasileiros mais procurados no mercado internacional de usados.

Gallo recebeu a encomenda e pôs a tecnologia em busca das impressões digitais no plástico que envolvia a capa —capa esta que, com a bela Marcia Rodrigues, de biquíni, correndo em direção à câmera de David Drew Zingg, deve ter sido muito manuseada por todos a quem o disco já pertencera. E, entre as incontáveis marcas de dedos, lá estavam as digitais de Vivaldi. A polícia venezuelana localizou seu endereço, abotoou-o e mandou-o para a Itália.

Isso me preocupou. Por décadas e décadas, milhares de LPs já passaram por minhas mãos. A inúmeros dei destino incerto: doei-os, vendi-os, troquei-os, e lá se foram para outras mãos e outros mundos, com minhas digitais. E se, de repente, varejadas pela Interpol, elas forem confundidas com as de alguém que degolou a avó ou é seguidor de Jair Bolsonaro?

O jeito é aderir ao streaming. Ele é a música sem dedos, à prova de flagras.

Capa e disco do filme “Garota de Ipanema”, com imagem solarizada de Marcia Rodrigues, e foto do vigarista Roberto Vivaldi
Capa e disco do filme “Garota de Ipanema”, com imagem solarizada de Marcia Rodrigues, e foto do vigarista Roberto Vivaldi - Heloisa Seixas

‘A desinformação cria falsas memórias’, diz pesquisador de Harvard, OESP

 À medida que os aparelhos eletrônicos ocupam mais espaço em nossas vidas, crescem as preocupações sobre os impactos que a tecnologia pode causar na saúde mental das pessoas. Um dos questionamentos envolve a memória: os recursos digitais seriam capazes de alterar a forma como lembramos das coisas? 

    Pedaço de mim, Chico!

     Oh, pedaço de mim

    Oh, metade afastada de mim

    Leva o teu olhar

    Que a saudade é o pior tormento

    É pior do que o esquecimento

    É pior do que se entrevar


    Oh, pedaço de mim

    Oh, metade exilada de mim

    Leva os teus sinais

    Que a saudade dói como um barco

    Que aos poucos descreve um arco

    E evita atracar no cais


    Oh, pedaço de mim

    Oh, metade arrancada de mim

    Leva o vulto teu

    Que a saudade é o revés de um parto

    A saudade é arrumar o quarto

    Do filho que já morreu


    Oh, pedaço de mim

    Oh, metade amputada de mim

    Leva o que há de ti

    Que a saudade dói latejada

    É assim como uma fisgada

    No membro que já perdi


    Oh, pedaço de mim

    Oh, metade adorada de mim

    Lava os olhos meus

    Que a saudade é o pior castigo

    E eu não quero levar comigo

    A mortalha do amor

    Adeus