Dentro de uma panela que vai sendo aquecida aos poucos, o sapo não percebe que está ameaçado de ser cozido vivo. Vai-se acostumando com o calor e, quando se dá conta do perigo que passa, pode ser tarde demais.
Com a inflação também é assim. O consumidor vai se acostumando com o aquecimento dos preços até que, lá pelas tantas, se foi embora seu poder aquisitivo.
A inflação de janeiro ficou em 0,54%, mais baixa que o 0,73% de dezembro. Ainda assim, está muito disseminada e é a mais alta registrada em janeiro nos últimos seis anos. Formou-se bom nível de convicção de que a inflação deste ano será cerca da metade dos 10,06% acumulados em 2021. As principais justificativas para essas projeções são a desaceleração da atividade econômica (e da demanda), a ser produzida pela postura mais agressiva do Banco Central na sua política de juros, e a esperada normalização dos fluxos de bens e serviços no mercado global, responsáveis por grande parte da inflação de custos.
Mas crescem as dúvidas sobre esse resultado. Uma delas tem a ver com o comportamento do mercado de combustíveis. Os preços da gasolina e do dieselno mercado interno estão cerca de 12% “defasados” do que deveriam ser do ponto de vista técnico, segundo a Associação Brasileiras dos Importadores de Combustíveis (Abicom). Portanto, estão à espera de novos reajustes para cima. E os analistas continuam advertindo de que as cotações do barril de 159 litros, nos US$ 91,55 no fechamento do mercado nesta quarta-feira, podem passar dos US$ 100 em alguns meses.
Mas a incerteza maior tem a ver com o risco de deterioração das contas públicas. O Banco Central quase sempre foi frouxo quando se tratava de denunciar os rombos do setor público, provavelmente porque evitou cutucar a onça do governo federal com vara curta. Talvez porque agora conte com o estatuto da autonomia foi bem mais contundente quanto ao estrago sobre a inflação que pode ser produzido pelo jogo dos políticos de descarregar saídas eleitoreiras e populistas para enfrentar a alta dos combustíveis.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de autoria do senador Carlos Fávaro (PSD-MT), que a própria área econômica do governo chama de “PEC Kamikaze”, prevê renúncias de arrecadação tributária e criação de subsídios com força corrosiva suficiente para produzir um rombo de R$ 110 bilhões nas contas públicas.
O Banco Central advertiu na ata do Comitê de Política Monetária (Copom)divulgada terça-feira que a redução imediata de preços que pode ser obtida no curto prazo teria tudo para usinar mais inflação estrutural mais à frente.
Porém, em ano de eleições, como este, qual é o político que olha para isso?
A pressão realizada pela cúpula “anti-Doria” é mais um capítulo das desavenças do partido, que foram intensificadas durante as votações internas para definição do candidato do partido, vencida por Doria.
Durante as prévias, Doria teve o apoio do diretório de São Paulo e de lideranças históricas, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e José Serra. Já as alas lideradas pelos ex-presidenciáveis Geraldo Alckmin – que saiu do partido após 33 anos – e Aécio Neves trabalharam majoritariamente pelo triunfo de Leite. São os políticos alinhados a Aécio, antigo desafeto de Doria, que, agora, articulam para que o partido abandone uma candidatura própria.
Confira a cronologia desse embate:
‘Aécio tem síndrome da derrota’
Em entrevista ao Roda Viva, em agosto do ano passado, Doria afirmou: “Aécio Neves é um pária dentro do PSDB e tem a síndrome da derrota”. Disse ainda que o ex-governador de Minas Gerais se entregou a Bolsonaro. Desde 2019, a ala do partido comandada por Doria vem pressionando pelo afastamento de Aécio. Antes, o ex-governador de Minas Gerais chegou a afirmar, em entrevista à CNN Brasil, que a candidatura de Doria levaria o PSDB a um “isolamento absoluto” e “transformaria o partido em nanico”.
"BolsoDoria"
“Não fiz campanha casada, não misturei meu nome ao do candidato”, disse Leite, em julho do ano passado, para alfinetar o governador de São Paulo pelo uso do slogan “BolsoDoria”, em 2018. Em outubro, o governador do Rio Grande do Sul voltou a tentar associar Doria a Bolsonaro. “Negar participação no debate e lançar suspeitas à forma de votação é coisa do bolsonarismo”, disse Leite após ser questionado sobre as dúvidas do seu então adversário a respeito do método de votação das prévias.
Suspeita de fraude
Também em outubro, os diretórios tucanos do Rio Grande do Sul, Ceará, Minas Gerais e Bahia apresentaram uma representação à Comissão Executiva Nacional do PSDB pela suspeita de fraude na inscrição de eleitores aptos a votar nas prévias presidenciais do partido. Os quatro diretórios eram aliados de Leite e alegaram que pelo menos 51 prefeitos e 41 vice-prefeitos de São Paulo, ligados a Doria, teriam apresentado datas de filiação ao PSDB diferentes da realidade, apenas para poderem participar da votação do partido.
Cards com fake news sobre a campanha de Doria também começaram a circular em grupos de WhatsApp de tucanos, gerando reação enfática no entorno do governador paulista. O card anunciava o “1.º curso intensivo de filiação partidária” e cita os nomes de Marco Vinholi, Carlos Balotta e Wilson Pedroso, que formam a linha de frente da pré-campanha do governador de São Paulo.
‘Raposas dentro do galinheiro’
Após o presidente e o coordenador da Comissão de Prévias do PSDB, o ex-deputado federal Marcus Pestana (MG) e o senador José Aníbal (PSDB-SP) anunciaram apoio a Leite, o coordenador da campanha de Doria nas prévias, Wilson Pedroso, afirmou: “As raposas estavam dentro do galinheiro”. Para Pedroso, a declaração de apoio era como se “o presidente do TSE, um dia antes da eleição, declarasse voto a um dos candidatos”.
Após apenas 8% dos mais de 44 mil tucanos que se cadastraram conseguiram votar, o partido decidiu suspender as prévias por falhas no aplicativo. O problema motivou acusações de fraude entre aliados de Leite e Doria. Nos bastidores, apoiadores do paulista acusaram a campanha de Leite de querer adiar as prévias para ganhar no “tapetão”, afirmando que adeptos da candidatura do gaúcho tentam “melar” o processo, com o adiamento das prévias, porque vislumbraram a derrota iminente. Eles ameaçaram acionar a Polícia Federal para investigar os problemas no aplicativo. Nos grupos de mensagens do partido, tucanos pediram a renúncia de Bruno Araújo (PSDB), presidente da legenda, por causa do fiasco na votação.
Após Eduardo Leite, chamar Arthur Virgílio de “laranja”, em entrevista à CNN Brasil, dando a entender que ele estaria fazendo campanha em favor de Doria, o ex-prefeito de Manaus afirmou que o gaúcho está “muito mal aconselhado” pelo deputado federal Aécio Neves (MG), à época, um dos coordenadores da campanha do governador. Virgílio também afirmou que, se Aécio deixar o PSDB, “subirá a escadaria da Penha de joelhos”.
Resultado: Doria foi o vencedor das prévias
Em 27 de novembro, Doria foi considerado o vencedor das prévias tucanas. Ele obteve 53,99% dos votos, derrotando o governador gaúcho Eduardo Leite, que somou 44,66%, e o ex-senador Arthur Virgílio, com 1,35%. O paulista pregou a união do partido. “Ninguém faz nada sozinho. Precisaremos da ajuda de todos. Da união do Brasil. Da união do PSDB. Da união com outros líderes e partidos”, afirmou.
Apenas três dias depois, Leite já afirmava que os interesses do Brasil devem estar acima dos interesses do PSDB. Cobrando do partido e do vencedor das prévias a priorização da construção de uma aliança para derrotar o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, aliados de Leite já pressionam para que Doria abandone a candidatura ao Planalto.
A TV Jovem Pan News entrou no ar em 27 de outubro de 2021. A rigor, não era uma grande novidade: há anos que a rádio Jovem Pan de São Paulo colocou câmeras em todos seus estúdios, transmitindo ao vivo sua programação pelo YouTube.
Mas o novo canal de notícias logo se firmou como um sucesso de audiência, suplantando concorrentes mais antigos como a Record News e a Band News. A razão não é a cobertura jornalística, muito inferior às da GloboNews ou da CNN Brasil, mas o posicionamento claro da emissora. Por mais que jure ser neutra e plural, a JP é fortemente favorável ao governo Bolsonaro, atraindo o simpatizante da extrema-direita, que desconfia de outros veículos de imprensa.
Não é pecado ser de direita. Nos EUA, há canais de todos os matizes, e o mais bem-sucedido de todos é a Fox News, apoiadora de Trump e de todas as pautas conservadoras. Mas algum rigor jornalístico é sempre necessário, e a Jovem Pan vem falhando com frequência neste quesito.
Com menos de seis meses no ar, a TV Jovem Pan News já se meteu em pelo menos três grandes polêmicas. Em 4 de novembro do ano passado, o humorista André Marinho, então integrante do "Pânico", pediu demissão depois de ter irritado Bolsonaro durante uma entrevista, ao questioná-lo sobre o escândalo das rachadinhas. Incapaz de responder, o presidente fez o que costuma fazer quando se sente confrontado: levantou-se e foi embora.
André Marinho disse que sua saída da emissora não se devia a este episódio, e que ele estava apenas em busca de "novos ares". Não convenceu ninguém, e a imagem de equilíbrio almejada pela JP sofreu um forte abalo.
Menos de duas semanas depois, no dia 16 de novembro, algo bem mais sério aconteceu. Durante o Jornal da Manhã, em debate com Amanda Klein, o jornalista José Carlos Bernardi alegou que "a morte de judeus poderia fomentar a retomada econômica do Brasil". Segundo ele, o Holocausto serviu para a Alemanha se apossar do poder econômico da comunidade judaica, o que teria sido fundamental para o desenvolvimento do país após a 2ª Guerra Mundial.
Não acredito que Adrilles ou Monark, que causou um bafafá depois de defender a legalização do partido nazista no Brasil, sejam de fato fãs de Hitler –até porque ambos dão sinais de não conhecerem muita coisa sobre a ideologia racista e assassina que propõe a eliminação física de judeus, ciganos, homossexuais, deficientes físicos e quem quer que seja que não se encaixe num imaginário padrão de pureza.
Mas é evidente que os dois são despreparadíssimos. Adrilles até tem diploma de jornalista e publicou um livro de poesias, mas sua fama advém de uma tempestuosa passagem pelo BBB 15 e das inúmeras declarações ignorantes e preconceituosas que soltou nos últimos anos.
A Jovem Pan achou que isto o qualificava a ser comentarista. No entanto, não foram poucas as vezes que Adrilles arrancou protestos depois de meter os pés pelas mãos em programas da emissora. Mas só foi efetivamente defenestrado depois de brincar com o nazismo, algo que deveria ser tabu para qualquer pessoa com um mínimo de cultura e inteligência.
Sua saída impede que a emissora perca patrocinadores de imediato, mas isto não significa que o resto do time da Jovem Pan seja do mais alto nível. Entre as contratações recentes do canal estão Caio Copolla e Alexandre Garcia, ambos demitidos há pouco da CNN Brasil, e o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, o maior protetor de desmatadores que este país já teve.
Com uma equipe dessas, realmente fica difícil para a Jovem Pan produzir um noticiário isento e de qualidade. Seria ótimo se fossem escolhidos comentaristas mais gabaritados, que não espalhassem fake news nem se colocassem automaticamente a favor de qualquer horror cometido por este desgoverno.
Mas a emissora parece preferir uma realidade paralela, para fidelizar o ouvinte/espectador de extrema-direita. Contanto que não assuste os anunciantes, é claro.