quarta-feira, 4 de agosto de 2021

RICARDO LACAZ MARTINS - Incentivo à pejotização ou à desorganização das empresas?, FSP

 Ricardo Lacaz Martins

Mestre e doutor em direito tributário pela USP

Voltamos ao debate sobre a isenção dos dividendos das empresas do Simples e a necessária adequação da nova tributação para as sociedades optantes pelo lucro presumido.

Muito se tem dito e afirmado, com base em teorias econômicas, que a tributação simplificada dos modelos acima desequilibra a competitividade entre as pequenas e médias empresas (supostamente beneficiadas por uma tributação reduzida) e as grandes corporações, que teriam uma carga tributária mais elevada. Tal fato encobriria uma ineficiência alocativa do capital, pois o benefício fiscal concedido manteria abertas empresas ineficientes, devendo tais negócios serem fechados se não puderem concorrer com seus pares maiores.

Constituiriam, ainda, um desincentivo ao crescimento, já que, chegando ao limite do faturamento, deixariam de crescer. E, por fim, esses regimes gerariam uma iniquidade, pois tributariam de forma desigual rendimentos equivalentes.

Sem adentrar no debate das teorias econômicas que sustentam essa ou aquela opinião, vamos aos fatos do mundo real —ou melhor, da realidade tributária brasileira.

Iniciamos pela carga tributária desses dois grupos. A alíquota efetiva do lucro presumido, ou seja, o quanto representa o recolhimento do imposto de renda sobre o faturamento das empresas tributadas por essa sistemática, é de 2,49%, enquanto nas empresas tributadas pelo lucro real esse percentual cai para 0,99%.

Conclusão: as empresas tributadas pelo lucro presumido recolhem proporcionalmente, em relação ao faturamento gerado, mais imposto de renda do que as grandes empresas. A explicação desse fenômeno deve-se ao fato de as empresas tributadas pelo Simples e pelo lucro presumido pagarem imposto mesmo com prejuízo (o que não ocorre com as grandes empresas), não possuírem qualquer incentivo fiscal (tais como Reidi, Reiq, Suframa) e não terem qualquer planejamento tributário, já que o cálculo dos tributos se dá com base no faturamento declarado.

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Hoje são 4.221 milhões de empresas optantes pelo Simples e 883 mil pelo LP, representando 97% de todas as pessoas jurídicas nacionais. Dessas, só 68 mil possuem faturamento superior a R$ 10 milhões (1,3%). Alegar que parte das 68 mil empresas de maior faturamento teria um desincentivo ao crescimento e, por tal razão, condenar a sistemática de tributação simplificada é reduzir a análise, ignorando dados do mundo real e tratando exceção como regra.

Seria melhor olharmos as razões pelas quais 98,7% dessas empresas optaram por um sistema em que não há complexidade, com reduzidos custos de conformidade —demonstrando que, mesmo pagando eventualmente um pouco mais de impostos, preferem a simplificação e a segurança de um recolhimento definitivo, sem futura contestação pelas autoridades fiscais.

Por fim, a crítica, infelizmente corrente, de que essas empresas pagam menos impostos do que um trabalhador assalariado, já que ambos teriam “rendimentos equivalentes”, ignora que essas são de fato organizações empresariais, com funcionários, custos, investimentos e gestão profissional, enquanto as pessoas físicas são remuneradas pela sua força de trabalho, sem os citados encargos e os riscos correspondentes. Não há, assim, qualquer equivalência entre seus rendimentos. São receitas de origens diversas e, como tal, devem ser tratadas de formas distintas.

A elevação injustificada da carga tributária de 97% das empresas brasileiras levará à desorganização empresarial, ao desincentivo ao empreendedorismo e, no extremo, não ao fechamento de negócios supostamente ineficientes, mas à possível volta à informalidade, o que todos nós não desejamos.


Antonio Delfim Netto IBGE, uma instituição séria, FSP

 Os longos meses percorridos desde março de 2020 foram dolorosos, dedicados ao enfrentamento de uma inesperada e devastadora pandemia que exigiu respostas inéditas para a contenção de seus efeitos sociais, econômicos e sanitários.

Ao longo deste período, aperfeiçoaram-se os estímulos destinados a salvar os empregos e o tecido produtivo, com mitigação do estrago previsto inicialmente. As empresas também aprenderam a adaptar seus processos produtivos e protocolos de funcionamento. O resultado foi a queda do PIB em 2020 de cerca de metade do previsto, além de uma recuperação econômica robusta e disseminada setorialmente.

A retomada do emprego tem sido gradual, mas contínua. PNAD e Caged, com seus vieses inevitáveis pela pandemia, mostram a recuperação do mercado de trabalho, ainda num quadro grave. Com enfoques distintos, são pesquisas complementares para entendermos a evolução do emprego (formal e informal) e da renda.

Sabia-se que a Covid-19 traria desafios para a aferição das estatísticas econômicas e sociais: a dificuldade/impossibilidade da coleta presencial de informações, o tratamento dos dados para os efeitos de um choque tão atípico e o possível atraso do repasse de informações pelas empresas, entre outros. Foi assim mundo afora. Não haveria de ser diferente aqui.

Mas, ao contrário do que vimos em outros órgãos e ministérios, a resposta do IBGE às dificuldades foi célere, hábil e marcada por sua reconhecida competência. Apenas um exemplo: em março de 2020, a OMS declarou oficialmente a situação pandêmica; em maio daquele ano, o IBGE já implementava a PNAD-Covid, para aferir informações sobre saúde, emprego e renda. Nosso voo em 2020 teria sido bem mais cego sem essa valiosa contribuição.

O IBGE serviu a governos de diferentes partidos, sempre prezando pela lisura, seriedade e qualidade técnica das informações que apura. Utiliza metodologias de padrões internacionais e é mundialmente reconhecido pela qualidade de seus técnicos e pesquisas. Se estas puderem ser ainda mais modernas, cabe a quem controla o IBGE --o Ministério da Economia-- avaliar e propor os aperfeiçoamentos necessários para que o instituto atinja o "estado da arte", inclusive no aspecto orçamentário.

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São por essas e outras (tantas) razões que causa espanto a declaração desinformada do ministro Guedes. Torço para que tenha sido um infeliz lapso verbal, não uma adesão aos lamentáveis cacoetes presidenciais de promoção do descrédito de instituições do Estado brasileiro.

Lamento profundamente a perda de um dos maiores filósofos brasileiros, José Arthur Giannotti. Minha solidariedade à família.