terça-feira, 14 de maio de 2019

Por que favorecer a mulher com uma menor idade de aposentadoria? FSP

Por que favorecer a mulher com uma menor idade de aposentadoria?

Melhor seria colocar cada objetivo, Previdência e política social, em suas diferentes competências

Restam poucas dúvidas sobre a necessidade de uma reforma no sistema previdenciário para garantir um orçamento mais equilibrado, que libere recursos para políticas sociais em vez de privilegiar uma parcela da população de maior renda.
No centro da discussão está a melhor forma de fazê-lo. A atual proposta reconhece que uma margem importante de ajuste é o aumento da idade mínima para aposentadoria, mas o faz de forma diferenciada entre os gêneros: 62 anos para mulheres e 65 para os homens.
Se a Previdência levasse em conta apenas os cálculos atuariais, equalizando contribuições e benefícios, tal regra causaria estranheza, uma vez que a expectativa de vida das mulheres no Brasil é de 79 anos, e a dos homens, de 72 anos, segundo dados do IBGE. Por esse argumento, nada mais natural que a idade mínima de aposentadoria para as mulheres fosse maior que a dos homens.
O que ocorre, na verdade, é que a nova regra se propõe a manter a execução de políticas sociais dentro do sistema previdenciário. Um argumento comum é que a mulher possui jornada dupla, quando considerado o trabalho doméstico que executa em seus lares. 
De fato, dados da Pnad de 2016 mostram que a mulher dedica em torno de 21 horas semanais ao trabalho doméstico, e os homens, apenas 11 horas.
Mas, ao aceitarmos o argumento de que a Previdência deve ser usada para fazer políticas sociais, em especial fazer compensações a grupos demográficos em desvantagem no mercado de trabalho, abrimos a possibilidade de tratamento diferenciado a algumas outras importantes categorias que, no projeto atual, não estão sendo contempladas, por exemplo a população negra e parda. 
É sabido e extensamente documentado que a participação dos negros no mercado de trabalho é bastante diferenciada: sua taxa de ocupação e salários são menores que os dos brancos, além de estarem mais expressivamente concentrados no setor informal, que não os qualifica em tempo de contribuição para o sistema previdenciário.
Ainda na mesma linha de raciocínio, a idade diferenciada por gênero assume que a jornada dupla de trabalho é fenômeno homogêneo e usual para todas as mulheres no país. Não é. 
A realidade de uma mulher branca, com educação superior, casada e sem filhos, em termos de oportunidade de trabalho e renda, é completamente distinta da realidade da solteira, só com a educação básica, negra e com filhos, que, com altíssima probabilidade, está sujeita à jornada dupla. Não há justificativa razoável para tratar de forma igual grupos tão diferentes de mulheres.
Por que favorecer a mulher com uma menor idade de aposentadoria? Melhor seria colocar cada objetivo, Previdência e política social, em suas diferentes competências, em vez de contemplá-las conjuntamente.
Soma-se ao argumento o fato de que regras diferenciadas por gênero reforçam o estereótipo de que de fato as mulheres são mais responsáveis pelas tarefas domésticas. Ou seja, se a regra determina aposentadoria precoce para a mulher por causa do trabalho doméstico, nada mais natural que as tarefas domésticas continuem sendo feitas em sua maior parte por mulheres.
Além disso, uma aposentaria antecipada para as mulheres diminui os investimentos que as firmas e os próprios trabalhadores fazem em uma relação trabalhista. Dessa forma, oportunidades de trabalho, treinamentos e promoções são tanto menores quanto menor o horizonte de tempo do retorno a tais investimentos.
A diferenciação entre os gêneros na regra previdenciária transborda para diversas outras esferas, como na divisão de trabalho doméstica e no próprio mercado de trabalho. 
Se o legislador buscasse promover igualdade de gênero de forma ampla e irrestrita na economia, deveria fazê-lo também na regra de aposentadoria do sistema previdenciário, reconhecendo que talvez as mulheres queiram as mesmas oportunidades e benefícios que os homens têm na sociedade.

De super-herói a lacaio, fsp

Moro precisa mais de Bolsonaro do que o contrário, e o presidente sabe disso

A passagem de Sergio Moro pelo Ministério da Justiça em sua caminhada para o Supremo prometia ser a marcha triunfal rumo à coroação.
Primeiro, institucionalizar o combate à corrupção tal como feito pela Operação Lava Jato. Na sequência, sentar-se na mais alta corte do país para não deixar os corruptos impunes. Agora, graças aos tropeços políticos, o trajeto parece mais um longo corredor polonês de humilhações. E de destino incerto.
O ministro Sergio Moro (Justiça), durante assinatura de decreto presidencial no Palácio do Planalto que flexibiliza regras para atiradores esportivos, caçadores e colecionadores de armas
O ministro Sergio Moro (Justiça), durante assinatura de decreto presidencial no Palácio do Planalto que flexibiliza regras para atiradores esportivos, caçadores e colecionadores de armas - Pedro Ladeira - 7.mai.2019/Folhapress
Moro se apequena diariamente em sua relação com o governo do qual topou participar. Teve sua indicação de Ilona Szabó para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária vetada pelo presidente, pela qual teve de pedir desculpas públicas.
Tem sido sumariamente ignorado quando o assunto é liberar as armas de fogo (o decreto mais recente foi anunciado publicamente antes mesmo do parecer do Ministério da Justiça).
E agora observou o governo abrir mão da promessa de manter o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) sob sua alçada para facilitar a aprovação da reforma administrativa junto ao Congresso.
Moro precisa mais de Bolsonaro do que o contrário. Para virar ministro, largou a magistratura. Se sair do governo sem uma cadeira do STF, fica sem nada e com a reputação manchada não só pelo fracasso de sua gestão como pela subserviência e parcialidade demonstradas. Bolsonaro sabe disso. E é por isso que em todas as ocasiões em que apoiar seu superministro lhe custa alguma coisa, opta por desautorizá-lo.
Dizer em público que indicará Moro para o STF é balançar na frente do ministro a recompensa prometida; lembrá-lo de que todas as humilhações terão valido a pena lá na frente. Mas 2020 está longe. Se Moro em cinco meses foi de superministro e herói nacional a uma figura apagada e diminuída, será que nesse ritmo ele dura mais um ano e meio?
E, se durar, será aceito pelo Senado? Rejeitar um indicado para o Supremo seria inédito, indicaria o estágio terminal da crise entre Executivo e Legislativo. Nos dias que correm, já não é impensável.
Assim, Moro vai engolindo todos os sapos que o governo lhe apresenta, e ainda tem que fazer cara de quem gostou. Tem que trilhar um caminho difícil entre a subserviência e a insubordinação. A cada passo em falso, perde estatura.
A outra possibilidade seria abraçar de vez a política e se lançar candidato. Mas se quiser manter sua força perante a opinião pública terá que demonstrar força e não servilismo.
Bolsonaro usou a bandeira anticorrupção para crescer politicamente sem jamais fazer nada pela causa. A realidade de seu gabinete (e de seus filhos) parece mostrar um político imerso na pequena corrupção da política brasileira e talvez com vínculos ainda mais sórdidos.
Moro continuará em silêncio, para não desagradar o chefe que não lhe concede o mesmo respeito e cujas propostas populistas dificultam seu trabalho?
Ou fará jus à reputação que construiu ao longo de anos de perseguição implacável --e de alto grau técnico-- à corrupção no país? Melhor arriscar tudo e permanecer um herói do que aceitar tudo e se transformar no lacaio abjeto de um projeto de poder inescrupuloso.