sexta-feira, 1 de junho de 2018

'Já vai tarde', diz líder de petroleiros sobre demissão de Pedro Parente, FSP

Presidente da Federação Única dos Petroleiros (FUP) criticou a política de preços da estatal

Lucas VettorazzoCatia Seabra
RIO DE JANEIRO e SÃO PAULO
O coordenador da FUP (Federação Única dos Petroleiros), José Maria Rangel, disse que o presidente demissionário da Petrobras, Pedro Parente, "já vai tarde".
A frente da maior federação de petroleiros do país, com milhares trabalhadores em plataformas e refinarias do sistema Petrobras, Rangel é crítico da política de preços da estatal, que passou a reajustar os combustíveis de acordo com a variação internacional do barril de petróleo. 
Rangel criticou a adoção da política, que, segundo ele, não protege o consumidor brasileiro em meio à grave recessão econômica. Ele afirma que a população não deveria pagar por oscilações no preço provocadas por razões exteriores ao mercado doméstico. E argumenta que a Petrobras reduziu em 30% o refino de petróleo no país, como forma de importar mais derivados de petróleo e justificar sua política de preços.
Segundo ele, há uma forma de os brasileiros ficarem protegidos pelas oscilações internacionais, caso a Petrobras amplie o percentual de operação de suas refinarias.
"O que o brasileiro tem a ver com a briga do Trump com o Irã ou a Síria? Nós temos petróleo suficiente para refinar aqui se não tudo o que o país precisa, pelo menos grande parte do que é consumido aqui", disse.
De acordo com o petroleiro, o modelo foi feito para agradar ao mercado financeiro em detrimento do bem-estar da população, principalmente a mais pobre. 
"Já vai tarde", disse ele, sobre o pedido de demissão de Parente. "Esse verniz de bom gestor do Parente que a imprensa criou para o Parente caiu por terra. O Brasil teve o segundo apagão da história com o Parente", disse ele, referindo-se ao desabastecimento de combustíveis e alimentos da última semana. 
Rangel também critica o plano de venda de ativos da estatal, além de fazer críticas ao governo federal, que decidiu reduzir o preço do diesel ao custo da redução de gastos na área social.
Segundo o petroleiro, Parente mostrou pouca capacidade de gestãodurante a paralisação dos caminhoneiros.
Na semana passada, enquanto o governo ainda sofria para buscar a solução que desmobilizaria o protesto, a Petrobras anunciou corte de 10% no preço do diesel vendido nas refinarias, o que arranhou a imagem de autonomia na gestão da Petrobras e derrubou as ações da petroleira na bolsa de São Paulo e de Nova York.
"Essa política neoliberal não serve para um país que está em crise e que deseja ter uma Petrobras forte. Esse governo governa para o mercado e não para a população. O receituário de ajuste recessivo, com cortes de custos em áreas sociais e descontrole de preços essenciais, só penaliza os mais pobres. Não é possível que essas pessoas achem razoável o preço da gasolina, de quase R$ 5 o litro, e do botijão de gás, que chega a custar R$ 80", disse ele. 
Petroleiros chegaram a dar início a uma greve de 72 horas a partir de quarta-feira (30) contra a política de preços da estatal.
A FUP decidiu encerrar a greve depois que o Tribunal Superior do Trabalho considerou a paralisação ilegal e estipulou pena de R$ 2 milhões para cada sindicato por dia de descumprimento da medida.
A categoria avalia fazer uma greve por tempo indeterminado em junho. "Esperamos que essa política de preços seja extinta com a saída do Parente", disse ele.

'TRARÁ BENEFÍCIOS'

Alvo de operação da Polícia Federal na manhã da quinta-feira (31), a Força Sindical  divulgou nota nesta sexta-feira (1º) em que comemorou a saída de Pedro Parente da presidência da Petrobrás. 
retrato de Paulinho da Força
Paulinho da Força discursa para manifestantes em protesto contra a reforma da previdência da Força Sindical e centrais sindicais , em São Paulo - Eduardo Anizelli - 25.nov.2016/Folhapress
​Para a entidade, a política de preços variáveis adotada pela gestão de Parente "prejudicava a classe trabalhadora" e o presidente "dava clara demonstração de se curvar aos especuladores".
Assinada por seu presidente, Paulinho da Força (Solidariedade-SP), e pelo secretário-geral, João Carlos Gonçalves, o Juruna, a nota afirma que " a empresa é um importante polo de desenvolvimento" do Brasil e que a Força sindical espera que a nova direção " promova uma política voltada aos interesses do país". 

Ferrovias transportam somente 2 em cada 10 quilos de cargas no país, FSP

29/05/2018 - Folha de São Paulo
Seis em cada dez quilos de cargas são transportados por rodovias no país. Esse número, por si só, ajuda a explicar os impactos do desabastecimento no Brasil registrados com as manifestações dos caminhoneiros autônomos, desencadeadas no último dia 21.
Se a primeira metade do século passado foi marcada pelo desenvolvimento ferroviário –que hoje tem exatamente a mesma extensão que na década de 1920–, a partir dos anos 50/60 o país passou a ver o crescimento vertiginoso do sistema rodoviário.
Há no Brasil 213.591 quilômetros de malha rodoviária pavimentada, além de outros 1,36 milhão de quilômetros de vias não pavimentadas, que abrigam 61,1% dos transportes de cargas no país, muito à frente dos 20,7% das ferrovias ou dos demais 18,2% dos sistemas aquaviário, aéreo e dutoviário, somados, conforme dados da CNT (Confederação Nacional do Transporte).
É esse sistema que acolhe de 600 mil a 700 mil caminhoneiros autônomos no país que iniciaram as paralisações.
“A rodovia não é vilã por ser tão preferida. O problema é a falta de integração [entre modais] e planejamento. Elas não são adversárias, mas complementares”, afirmou Frederico Bussinger, consultor do Idelt (Instituto de Desenvolvimento, Logística, Transporte e Meio Ambiente) e ex-secretário dos Transportes de São Paulo.
Após vivenciar na primeira metade do século passado o fim do boom do sistema ferroviário, o país entrou no chamado ciclo rodoviarista a partir das décadas de 50/60, quando também começou a perder força na cabotagem.
As ferrovias brasileiras tinham, em 1922, 29 mil quilômetros de trilhos, usados no transporte de cargas e passageiros, mesma extensão atual, conforme a CNT –com uso basicamente para cargas. As hidrovias economicamente navegadas representam ainda menos, 22 mil quilômetros.
“Precisamos de mais estradas. E precisamos de muito mais ferrovias e hidrovias”, disse Bussinger, para quem o país, devido às suas dimensões, tem baixos indicadores em relação ao transporte.
Um estudo da CNT feito há quatro anos indica que, em valores atualizados, são necessários R$ 1,25 trilhão para as obras de transporte com o presente e o futuro do setor no país. No total, são 2.045 projetos de infraestrutura em aeroportos, ferrovias, rodovias e portos, cenário difícil de se imaginar quando constatados os baixos investimentos em infraestrutura.
Nos últimos dez anos, somados, foram investidos pelo governo federal, em valores nominais, R$ 123 bilhões, dos quais R$ 80,5 bilhões em rodovias.
E, se até 2014 os investimentos eram crescentes, com R$ 15,8 bilhões naquele ano, o montante não passou de R$ 12,3 bilhões, no máximo, nos anos seguintes.
Diretor-executivo da ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários), Fernando Paes diz que o índice de cargas transportadas por trens é ainda menor que o indicado pela CNT –15%–, “modesto para um país de dimensões continentais como o Brasil”.
Para ele, em função das grandes distâncias que separam o campo dos portos, as commodities agrícolas têm “ampla vocação” para serem transportadas por trilhos. “Contudo, uma parte considerável das cargas, como a soja, principal produto de exportação do país, ainda é transportada pelo modal rodoviário até o porto de Santos. Ou seja, mesmo que o agronegócio estivesse estagnado, o que não ocorre, ao contrário, já haveria espaço expressivo para o modal ferroviário ampliar a sua participação.”

RETOMADA

Segundo Bussinger, o país passou a reverter o processo de decadência das ferrovias a partir das concessões ocorridas nos anos 90, assim como a cabotagem também tem crescido.
O crescimento é confirmado pelo diretor da ANTF. Nos 21 anos de concessão, as ferrovias ampliaram em mais de 170% a produção ferroviária e, com isso, em 2017 alcançou o maior valor da sua série histórica, com média anual de crescimento de 5,16%. Nos próximos cinco anos, devem ser investidos mais de R$ 25 bilhões no setor.
“Os números mostram a indiscutível eficiência, a crescente produtividade do setor e a necessidade da prorrogação antecipada dos contratos de concessão, ora em curso, para que as ferrovias façam novos e robustos investimentos e, com eles, continuem a crescer.”

ENTRAVES E CUSTOS

O sistema rodoviário também leva vantagem, na avaliação de especialistas, por ser quase “autossuficiente”, enquanto os outros meios dependem de pelo menos um segundo modal. Por isso, avaliam ser necessário planejamento e gestão integrada, o que não ocorre.
“Fica sempre no discurso, nos planos, nas palmas, enchendo Powerpoint, enquanto locais que poderiam abrigar terminais ferroviários vão sendo ocupados por outras coisas”, disse Bussinger.
Bruno Batista, diretor-executivo da CNT, disse, porém, que o transporte rodoviário depende muito da política de preços da Petrobras, que tem de ser revista –é o principal motivo das manifestações de caminhoneiros no país.
“A inflação de janeiro a abril foi de 0,92%, enquanto o diesel subiu 8,1%, quase 9 vezes acima da inflação. O preço de bomba no Brasil é mais caro que México, Rússia, EUA. É 15% mais caro que nos EUA, que têm renda média seis vezes maior que a brasileira”, disse.
Ciente desse cenário de dependência das rodovias, entidades como Abcam (Associação Brasileira de Caminhoneiros), uma das organizadoras das manifestações, sabem ter um espólio nas mãos na disputa que travaram com o governo federal.
“Estamos num país rodoviarista”, afirmou José da Fonseca Lopes, presidente da associação.