terça-feira, 10 de abril de 2012

O avanço da formalização no Brasil



01 de abril de 2012 | 3h 08
MESTRE EM ECONOMIA PELA UNESP, ECONOMISTA DA CONSULTORIA LCA - O Estado de S.Paulo
Análise: Fábio Romão
O crescimento da economia brasileira entre 2004 e 2008 se traduziu em ampliação de investimentos e de contratações formais.
Setorialmente, a expansão do PIB começou pela indústria (o mais formal dos setores) no final de 2003, especificamente pelo braço das exportações, movimento que se espraiou para seu ramo doméstico em 2004. Os demais setores responderam a este movimento, com destaque para a construção civil (onde a informalidade reinava), que passou por um processo de abertura de capital e contou com programas oficiais de crédito residencial. Segundo a RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), enquanto a taxa de evolução média anual dos trabalhadores contratados pela CLT entre 2004 e 2010 foi de 6,3%, a da construção foi de 13,3%.
Em adição, a política de valorização do salário mínimo beneficiou os setores de comércio e serviços - entre janeiro de 2001 e janeiro de 2012, o salário mínimo acumulou ganho real de 97,4%. Cerca de dois terços dos beneficiários do INSS têm este piso como referência.
Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, nas seis principais regiões metropolitanas, desde fevereiro de 2005 a variação interanual (contra o mesmo mês do ano anterior) dos empregados com carteira supera a dos empregados sem carteira e do total.
Entre 2005 e 2011 o estoque de ocupados sem carteira mostrou evolução muito diferente da média: encolheu a um ritmo de 1,8% ao ano, enquanto o estoque total cresceu, em média, 2,4% e a porção com carteira 5,3%. Esta evolução contrastante aponta não somente para a criação de novos postos formais, mas também para a formalização de postos informais pré-existentes. Com isso, os empregados com carteira assinada nas metrópoles chegaram a 54,1% dos ocupados em fevereiro de 2012 - em março de 2002, mês inicial da pesquisa, eles eram 46%.
Ser um trabalhador formal, sobretudo para aqueles que adentraram neste universo pela primeira vez, significa ter maior acesso a crédito e, em muitos casos, a renda aumentada, o que pode elevar seu nível de confiança. Portanto, crédito e confiança culminaram em incremento de posse de bens, o que, em alguns critérios, determina a classe social - apontando que a recente migração de classes no Brasil também se deu via aumento da formalização.

O mundo digital em 3 telas


ETHEVALDO SIQUEIRA - O Estado de S.Paulo
Televisão, computador e smartphone são as três telas que abrangem praticamente todas as comunicações do mundo digital, setor que passa, aliás, pela mais radical e profunda mudança de paradigmas de toda a história da eletrônica. Na verdade, a palavra que poderia definir com maior precisão essa mudança talvez fosse disrupção (do inglês, disruption) - já registrada pelo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
Sintetizar em três telas toda a comunicação do mundo digital é, sem dúvida, uma fórmula didática perfeita que tem sido utilizada por especialistas para facilitar a compreensão do processo de convergência, entre os quais Rafael Steinhauser, presidente da Qualcomm para a América Latina.
De que modo convergem as três telas? Da forma mais completa e abrangente possível. E mais: as três telas são totalmente reversíveis, pois tudo que uma faz as outras duas também fazem. Assim, a cada dia que passa, a TV mais se transforma e se aproxima de um computador com tela grande. Da mesma forma, pode até exercer as funções de um smartphone. O computador, por sua vez, comporta-se como uma TV ou como um smartphone. E o smartphone assume os papéis de um computador ou de uma TV com tela pequena.
O que muda. "Nas últimas décadas - relembra Rafael Steinhauser - as pessoas se comportavam diante da televisão de forma totalmente passiva, recebendo conteúdos prontos e acabados, tanto da TV aberta quanto da TV paga. Esse público acostumou-se a receber programas preparados e empacotados pelas emissoras, sem se preocupar com aplicativos ou sistemas operacionais. O mesmo acontecia até há pouco com os usuários de computadores e do celular. O cliente recebia o aparelho com os aplicativos essenciais, prontos e acabados, num pacote fechado, e passava a usá-lo sem mais problemas."
Mas esse mundo da comunicação está mudando. A convergência das três telas, entretanto, transforma radicalmente esse cenário, pois a grande tendência dos novos smartphones, laptops e tablets é oferecer um sistema operacional aberto. Daí o grande sucesso do Android.
O mesmo tem acontecido com outros sistemas operacionais, como o iOS, do iPhone - e, agora, com o Windows Phone, pois todos os smartphones permitem a qualquer desenvolvedor colocar seu aplicativo na plataforma e vendê-lo ou distribuí-lo gratuitamente, via celular ou via internet. E o usuário escolhe o que acha melhor, pagando ou baixando gratuitamente. E não há mais lugar para sistemas operacionais fechados, como no caso do Symbian, que está sendo abandonado pela Nokia em favor do Windows Phone. "Por isso, o Symbian está morrendo" - afirma Steinhauser.
Sistemas abertos. A correlação entre as três telas é hoje tão profunda que, para os especialistas, um celular só adquire o status de smartphone se tiver sistema operacional aberto.
Eis aí a grande mudança de paradigma, que permite a colocação de qualquer aplicativo ou software à disposição do usuário. E vale lembrar que os smartphones já dispõem de milhões de aplicativos, um número que nenhum usuário, isoladamente, poderá utilizar em toda a sua vida.
Com esses aplicativos, o cidadão pode baixar também conteúdos da mais variada natureza, inclusive de publicidade. Os sistemas operacionais abertos mudam, assim, toda a cadeia de valores. Isso é disruptivo, como quebra de paradigmas.
Uma diferença fundamental nesse novo cenário é que o cliente deixa de ser verticalizado, como no passado, isto é, vinculado exclusivamente a um pacote de serviços ou conteúdos oferecidos por sua operadora. Hoje, o cliente se comporta de forma horizontal, aberta ao acesso a conteúdos ou serviços globais ou universais.
O mesmo acontece mais recentemente com outros dispositivos, como os tablets. A grande tendência, portanto, é que todos esses dispositivos - bem como os desktops, laptops, ultrabooks e até mesmo os televisores - tenham num futuro próximo sistemas operacionais abertos.
"Um bom exemplo - relembra Steinhauser - é o receptor de TV aberta, lançado no Consumer Electronics Show (CES 2012), em janeiro, em Las Vegas, pela Lenovo e pela Qualcomm, que usa o sistema operacional Android. E funciona perfeitamente bem para tudo que quisermos".
Três competências. A convergência entre as três telas é resultado de três fatores tecnológicos: capacidade computacional, conectividade e multimídia. Essas três capacidades ou competências tecnológicas precisam ser comuns às três telas. Sem eles não haveria convergência entre smartphones, televisores e computadores.
Vejamos o que ocorre com os novos smartphones, que são acionados a cada dia por chipsets com maior capacidade computacional. Alguns deles são processadores de quatro núcleos, como alguns exibidos Mobile World Congress 2012, em Barcelona, em fevereiro.
"Aqueles pequenos smartphones - lembra Rafael Steinhauser - incorporam uma tecnologia ainda mais sofisticada que os nossos melhores home theaters, pois os seus chipsets dispõem de recursos extraordinários, como alta definição, microfones sensíveis, alto-falantes, dolby avançado, som surround 7.1."
A grande diferença é que os smartphones consomem muito menos energia, não aquecem e custam apenas uma pequena fração dos home theaters.

Zumbi or not zumbi


Marcelo Rubens Paiva - O Estado de S.Paulo
Zumbi lembra "nzambi", que, na região do Congo, significa Deus.
Existem para todos os gostos. O abobado, fácil de matar. Os ágeis e fortões. Os que ganham vida durante a jornada, como no game Left 4 Dead. Os que se alimentam de cavalos, como no filme Survival of the Dead. E animais zumbis, como na série Resident Evil.
No passado, era apenas uma entidade de crenças afro caribenhas, conhecida como vodu, que intrigou o racionalismo do pensamento ocidental.
Em meados dos anos 30, a antropóloga de Harvard, Zorra Neale, começou a difundir o mito haitiano do ser que não tem vontade própria e é controlado por um "bokor".
Na mesma época, surgiram "bokors" de sanidade duvidosa, capazes de mobilizar hipnoticamente grandes massas, como Hitler e Mussolini.
Durante a contracultura, a geração LSD circulou por países da AL devorando cultos sincretistas e tudo quanto é tipo de raiz, flor, cacto, cipó, peiote, para abrir as portas da percepção, em busca da luz divina natural e do barato ritualista.
O sentido da vida não estava nos manuais dos eletrodomésticos da sociedade de consumo pós-guerra. Místicos diziam que, se a Igreja tinha provas semânticas da vida após a morte, os haitianos tinham provas materiais, que circulavam em estado de torpor pelas ruelas pobres e escuras das suas aldeias.
O etnobotânico também de Harvard, Wade Davis, maior autoridade em farmacologia de zumbis, escreveu que duas substâncias específicas injetadas na corrente sanguínea, o "coup de poudre", toxina encontrada na carne do baiacu, e drogas dissociativas, como a datura, transformam o mais crente num obediente seguidor. Uma espécie de Goebbels ingerível.
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Zumbi na sua pureza é um morto que foi reanimado e vaga como um sujeito irracional. Tem escaras, ossos aparentes, olhos vazados. Não fala, pois perdeu a língua no processo de decomposição interrompido. Não raciocina; o pouco oxigênio da tumba danificou a massa encefálica.
Mas simboliza diversos arquétipos. Pode ser escravizado e manipulado como um capitão do mato. Pode simbolizar o trabalhador hipnotizado pelas correntes de uma linha de produção industrial, como os empregados chineses da Foxconn, montadora da Apple, que precisam de redes nas janelas, para não cometerem suicídio.
Numa interpretação da psiquiatria, aspectos psicológicos da "zumbificação" sugerem o início de um estado esquizofrênico. E até a filosofia criou o conceito "zumbi filosófico", para definir o ser que não possui consciência plena, mas tem a biologia ou o comportamento de um homem.
Passeatas de zumbis, manifestações estilo flash mob ou Zombie Walk - pessoas fantasiadas que saem correndo por ruas, parques e shoppings - são contabilizadas pelo Guiness.
Hoje, o zumbi concorre com o vampiro, virou um ícone do cinema e da cultura de massas. Por quê?
Simboliza o medo da violência urbana, já que bêbados, drogados e degenerados saem das tocas em estado catatônico e ocupam as pacatas ruas das cidades, circulando livremente depois que o sol se põe.
As doenças sexualmente transmissíveis também alimentaram a sua popularidade, especialmente entre os teens. Monstros querem nosso sangue ainda puro e inocente. "Loosers" que se vestem como mendigos, não com roupas de grife, e que só sobrevivem se conseguirem a transfusão da saúde burguesa bem tratada pela previdência privada.
Numa leitura marxista, simboliza a falência do Estado de bem-estar social, que não é capaz de dar emprego, residência, saúde, gera injustiças sociais, tensões e medo, gera diferentes castas. Zumbi é o lumpesinato.
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Em 1968, o diretor de cinema George Romero sacou o potencial e a representação contemporânea desse personagem no filme A Volta dos Mortos Vivos.
Mal sabia que sua releitura do mito caribenho daria num dos maiores clássicos do cinema de horror e influenciaria a cultura pop, o cinema fantástico, a literatura e os games.
Filme de baixo orçamento, com poucas locações, gerou polêmica por ser acusado defender o satanismo e ir contra valores religiosos.
Exibidores só aceitavam nas suas salas Night of the Flesh Eaters, o nome original, se os produtores cortassem cenas mais sangrentas e oferecessem um final otimista.
Sim, porque, para completar o fascínio que filmes de zumbis exercem, todos têm o apocalipse como fio condutor, tema inevitável no auge da Guerra Fria e, agora, com o Aquecimento Global, Fim da Camada de Ozônio, Derretimento das Calotas, etc.
Na série Resident Evil, com Milla Jovovich- não mais magrinha e pálida de O Quinto Elemento de Luc Besson- os zumbis são sarados, vivem num mundo que terminou e, como em Matrix, está mais digital que analógico.
Até nossa Alice Braga os combateu com Will Smith em Eu Sou a Lenda. E quem não se lembra de Michael "Wacko" Jackson dançando com eles em Thriller?
Também tiraram uma onda dos zumbis, como em Todo Mundo Quase Morto (2004) e Zumbilândia (2009), genial filme que passou em branco aqui no Brasil, considerado a maior bilheteria mundial de filmes de zumbi, estrelado por, ironia, Jesse Eiseberg, o mesmo que protagonizou um ano depois Mark Zuckerberg no filme A Rede Social, fundador do Facebook, acusado de sugar a sua privacidade.
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Duvido que um cent desse megassucesso tenha sido enviado como royalties aos feiticeiros do Haiti ou xamãs do Congo.
E é bom que se saiba que, para acabar com um zumbi, caso você trombe com um (matar não é a palavra, pois ele já está morto), é preciso destruir o cérebro ou a coluna vertebral. Simples. Basta atirar na cabeça ou separá-la do corpo. Mas, cuidado. Tem cabeças decepadas que podem morder.