terça-feira, 3 de janeiro de 2012

País gasta muito com seguro-desemprego


O Estado de S.Paulo
O Brasil é o único país no mundo em que o emprego cresce e as despesas com seguro-desemprego disparam. O paradoxo decorre de instituições de má qualidade no campo do trabalho. Explico-me.
Para fazer jus ao seguro-desemprego, o empregado precisa ter trabalhado pelo menos seis meses com registro em carteira. Para poder sacar os recursos depositados no FGTS, o empregado necessita completar um ano de serviço, desde que dispensado sem justa causa.
Vejamos o que ocorre com um empregado que ganha R$ 1 mil por mês e que completa um ano na mesma empresa. As estimativas a seguir são feitas com aproximações e sem considerar os descontos de lei.
Se ele for dispensado sem justa causa, terá acumulado R$ 1.040 na sua conta do FGTS (inclusive a parcela do 13.º salário). No caso de ser desligado da empresa sem justa causa, sacará esse montante e receberá R$ 400 a título de indenização de dispensa, perfazendo R$ 1.440. Além do salário do mês, como parte das verbas rescisórias, ele terá direito a R$ 1 mil de 13.º salário e R$ 1.333 a título de férias e abono, o que no agregado soma R$ 3.773. Uma vez despedido, ele receberá quatro parcelas no valor de R$ 763,29 a título de seguro-desemprego, ou seja, R$ 3.053,16. Em resumo: para viver nestes quatro meses, o empregado em tela disporá de R$ 6.826, o que dá uma média mensal de R$ 1.706, ou seja, 70% a mais do que ganhava quando estava trabalhando.
Até aqui foi tudo legal. Mas, com a atual falta de mão de obra, o referido trabalhador pode se reempregar com facilidade. Para não perder o benefício do seguro-desemprego, muitos procuram um emprego informal. Digamos que o protagonista do exemplo consiga ganhar R$ 1 mil nessa atividade, ou seja, R$ 4 mil durante os quatro meses. O ganho total no período subirá para R$ 10.826, que dá uma média de R$ 2.706 mensais! Além disso, há o abono salarial.
Numa realidade desse tipo, não é à toa que tanta gente utilize esses expedientes. Isso ocorre principalmente entre os empregados de baixa renda. Os dados mostram que, em 2010, 85% dos saques do FGTS foram feitos em contas cujo saldo médio era de apenas R$ 1 mil (tendo totalizado R$ 12 bilhões). Para quem ganha R$ 1 mil por mês, um acréscimo de renda de 170% é de extrema valia.
É assim que se explica por que os pedidos de seguro-desemprego aumentam numa hora em que (ainda) são abundantes as oportunidades de emprego. As despesas explodem. O pagamento do seguro-desemprego e do abono salarial consumiu em 2011 cerca de R$ 32 bilhões - quase 20% acima do que se gastou em 2010.
Uma parte do estouro das despesas foi devida à elevação do salário mínimo em 2011. E o que ocorrerá em 2012? O salário mínimo será de R$ 622 mensais - um aumento de 14% em relação a 2010. O governo que se prepare. As despesas com seguro-desemprego e abono salarial explodirão.
Mas essa é só uma parte da história. A outra, de maior impacto, vem da combinação das estratégias acima descritas e ganha força num mercado de trabalho aquecido. A rotatividade aumenta porque muitos empregados "provocam" sua demissão (sem justa causa) e entram na ciranda das benesses.
Esse é um bom exemplo de como más instituições induzem a perigosas distorções. Está na hora de fazer uma boa revisão das leis que dão suporte a essas manobras. A exigência de aceitar um emprego oferecido pelo Ministério do Trabalho (criada em setembro de 2010) é uma boa medida, mas ainda é tímida. Uma reforma de profundidade exige a combinação do seguro-desemprego e do FGTS com programas de treinamento e com a própria aposentadoria. Mas esse é um assunto complexo que fica para outra oportunidade. Ademais, os recursos do FGTS pertencem aos trabalhadores, que já vêm sendo expropriados por uma taxa de juros ridícula, e a eles cabe a primeira palavra.

O cineminha do padre



02 de janeiro de 2012 | 3h 03
JOSÉ DE SOUZA MARTINS - O Estado de S.Paulo
A molecada da minha rua era quase toda frequentadora do cineminha do Padre Ézio, na matriz nova de São Caetano. O subúrbio voltava a respirar aliviado depois das noites medonhas dos blecautes da Segunda Guerra mundial, alcaguetes disfarçados de patriotas caçando furtivamente quintas-colunas pelas ruas escuras, os supostos espiões do Eixo.
Seu Sales, subdelegado de polícia, mesmo de dia, ao encontrar alguém na rua, especialmente os moleques, levava o indicador esquerdo ao olho e puxava a pálpebra inferior para baixo, num gesto típico da época, que queria dizer "estou de olho em você". Acabou a guerra, passaram-se os anos e o subdelegado envelhecido e barrigudo continuava com o gesto ameaçador. Castigara-o a contumácia: de tanto arregaçar a pálpebra, ela não voltara mais ao lugar, aquele olho arregalado, o róseo avesso exposto, deformando-lhe o rosto como testemunho pavoroso da ditadura, da guerra e da repressão.
Terminara, também, o miserê de pão, das longas filas para conseguir um filãozinho de pão de trigo com o cartão de racionamento. Filas demoradas, de crianças, pois os pais não podiam perder tempo. A criançada se animava a ir à padaria mais para sentir o aroma do pão quente, saindo do forno. Nos bairros, nos arrabaldes, no subúrbio, os aromas eram monumentos olfativos que, com o tempo, a metrópole perderia. Eu podia cheirar o que não podia comer.
A molecada de minha rua chegara, também, à idade da primeira comunhão. Quem fosse à missa e comungasse recebia na porta da igreja um cartão carimbado que dava direito a ingresso no cineminha do padre Ézio, italiano de Trento, vigário da paróquia da Matriz Nova, na tarde do domingo. Muitas das crianças dos bairros operários de São Paulo e do ABC não tinham os tostões para pagar o ingresso dos cinemas de verdade. Mas algumas paróquias tinham o seu modesto cinema dos pobres de Nosso Senhor. Em silêncio e em nome de Deus, o padre disputava com os cinemas comerciais a alma pura das crianças. Era cinema mudo, de tela pequena, que projetava filmes antigos, em preto e branco, pequenas comédias do Carlitos, desenhos do Popeye, do Mickey. Eram filmes curtos, de poucos recursos, em que o maravilhoso dependia muito da imaginação de quem os via, distantes no tempo e antiquados em relação aos luxuosos filmes falados e coloridos.
Quase na metade do século 20, as crianças viam no cineminha do Padre Ézio os filmes que seus pais e avós haviam visto no começo do século. O que dava uma sensação muito boa de que o mundo mudava, mas não mudava tanto. As gerações continuavam juntas. Sendo os mesmos filmes de antes da guerra, a guerra parecia apenas indevida intromissão, mero e descabido incidente na vida das gentes simples, que viviam do suor do próprio rosto para ter na mesa o pão nosso de cada dia.

Flexibilizar relação poderia preservar emprego



21 de novembro de 2011 | 18h 12
ANNE WARTH - Agencia Estado
SÃO PAULO - A adoção de políticas flexíveis na área trabalhista pode ser uma alternativa às demissões durante crises econômicas. Mas, para utilizá-las, o Brasil teria que fortalecer o mecanismo das negociações coletivas para permitir entendimentos entre patrões e empregados que não seguissem estritamente a legislação vigente e permitissem soluções alternativas e que não sejam questionadas na Justiça, como acontece hoje.
A conclusão é de um estudo feito pelo professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP) José Pastore, que preside o Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP), e pelos pesquisadores Werner Eichhorst e Paul Marx, do Instituto de Estudos do Trabalho de Bonn, na Alemanha.
A pesquisa comparou as relações trabalhistas do Brasil e da Alemanha e a experiência de cada país para lidar com a crise financeira de 2008, considerando que ambas as nações sofreram impactos reduzidos. Na Alemanha, o desemprego, que estava em 7,8% em 2008, foi para 8,1% em 2009 e voltou para 7,7% em 2010. No Brasil, o desemprego estava em 7,9% em 2008, aumentou para 8,1% em 2009 e caiu para 6,7% em 2010.
De acordo com Pastore, a principal diferença entre Brasil e a Alemanha reside no fato de que as relações de trabalho são acertadas por negociações coletivas, enquanto no Brasil tudo é decidido pela lei e, caso seja firmada, uma negociação pode ser cancelada caso algum trabalhador entre na Justiça contra seus efeitos.
De acordo com o estudo, negociações coletivas na Alemanha permitiram a adoção de medidas flexíveis, como ajustes na jornada de trabalho, reduções salariais, banco de horas, afastamento temporário e contratos com prazo determinado. Essas medidas mantiveram taxas de desemprego mais baixas no país do que em outros integrantes da União Europeia, como a Espanha, que chegou aos 20%. No Brasil, a opção foi pela expansão do crédito, redução de impostos e subsídios para habitação popular, entre outras medidas.
Para Pastore, o fortalecimento das negociações são uma alternativa que pode servir ao País. "Não há nem dúvida, esse é o caminho mais urgente e mais viável para o Brasil. Quando se usam medidas negociadas, flexíveis, de entendimento, bom senso, dá para superar as crises com menos dor", afirmou. "No caso da crise de 2008, não houve tanto desemprego para as empresas que fizeram negociações. Agora, para aquelas que não fizeram, a dor foi intensa mesmo. A recomendação que tiramos é que precisamos prestar mais atenção a essas medidas flexíveis e dar mais apoio e segurança jurídica para que tanto empregados quanto empregadores as utilizem na hora de necessidade".
Uma das medidas mais ousadas utilizadas na Alemanha foi um modelo de flexibilização que uniu jornadas reduzidas a diminuição dos salários. A renda, porém, era complementada por um fundo, semelhante ao seguro-desemprego, mas que recebe contribuições dos empresários, do governo e também dos trabalhadores. No período em que a jornada era reduzida, os trabalhadores fizeram cursos de qualificação. O programa vigorou por até nove meses e o estudo estima que ele foi uma das maiores contribuições para evitar que a taxa de desemprego chegasse a algo entre 10% e 15%.
Presente ao debate, o senador Armando Monteiro Neto (PTB-PE), ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirmou que a experiência alemã é uma referência que deve ser levada em conta, mas com ressalvas. "Eu acho que, nesse caso, é bom conhecer a experiência, mas temos que verificar o impacto fiscal disso, porque se hoje o Brasil tem limitações do ponto de vista do gasto público, é preciso verificar que impacto isso teria", afirmou. "Mas não há dúvida nenhuma que é uma compreensão muito adequada da questão, ou seja, antes de você gerar o desemprego, o Estado tem como atuar para evitar o desemprego. Eu acho que isso é um sistema inteligente, em que você não acode apenas no incêndio, mas evita o incêndio".
Para o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, embora a realidade brasileira seja muito diferente da alemã, o princípio da preservação dos empregos é o mesmo. "Acho que quando os mecanismos de flexibilidade são implementados por atores representativos, por sindicatos e empresariado fortes, quando a negociação é acompanhada e é objeto de debate com os trabalhadores, que se envolvem e acreditam em um acordo feito de boa vontade, a experiência é bastante positiva", afirmou.
Na avaliação de Nobre, o problema é que, no Brasil, muitas vezes a representatividade do sindicato dos trabalhadores e mesmo do patronal é questionada, de forma que o Judiciário passa a regular as questões tendo em vista a lei. "Isso torna a negociação coletiva quase proibida no Brasil. Tudo é engessado pela lei e ninguém consegue avançar com a negociação coletiva.", afirmou.
Nobre disse ainda ser favorável à adoção de políticas flexíveis, que, segundo ele, podem ser mais efetivas na proteção do emprego. "O Brasil apostou no campo financeiro, de você criar uma multa de 40% sobre a indenização dos trabalhadores para inibir as demissões. Mas a crise de 2008 mostrou que isso não inibiu, as empresas de alguma maneira incorporaram esse custo e não houve dificuldade para ter as demissões", disse. "Nosso grande desafio é construir um mecanismo que nos permita atravessar um ano e meio ou dois de crise sem ter demissões. O caso alemão mostra isso, saíram rapidamente da crise porque preservaram empregos e o poder de consumo das famílias".