24 de março de 2011 | 0h 00
Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo
Choro e lágrimas chegam juntas, sinalizam emoções fortes, geralmente tristeza. Animais sociais usam muitos métodos para informar seu estado mental a outros membros do grupo. Expressões faciais (um sorriso), ruídos (gritos e uivos), cheiros (como o de um gambá irritado) ou mesmo hormônios, como os secretados pelos insetos, são alguns exemplos. O surgimento da linguagem falada tornou menos importante esses meios de comunicação, mas nem por isso deixamos de sorrir, gritar e gesticular. As crianças, muito antes de aprenderem a falar, já possuem uma enorme e eficiente capacidade de se comunicar.
Foi Darwin quem sugeriu que esses métodos de comunicação surgiram antes da linguagem falada. Quando observamos a mímica de um macaco quase acreditamos saber o que se passa na sua mente. Darwin também sugeriu que antes dos animais desenvolverem cérebros sofisticados, capazes de interpretar sinais visuais e auditivos complexos, a comunicação entre animais sociais já deveria ocorrer por meio de substâncias químicas capazes de modificar o comportamento do animal que recebe o sinal. Feromônios capazes de modificar o comportamento sexual dos parceiros são comuns entre insetos e é o cheiro da fêmea no cio que atrai os cachorros machos.
Mas e as lágrimas, para que serviriam? Para sinalizar tristeza não bastaria uma mudança de expressão? A grande maioria dos mamíferos não produz lágrimas e sabemos que as produzidas para lubrificar o globo ocular têm uma composição diferente das que escorrem pela face quando a emoção é forte. Agora um grupo de cientistas resolveu investigar se as lágrimas não conteriam algum composto químico capaz de modificar o comportamento humano. Se você está com preguiça de ler o resto, a resposta é sim.
Um grupo de mulheres voluntárias concordou em assistir a filmes tristes. As lágrimas que rolaram pelas faces foram coletadas. Se o filme for bem escolhido, cada mulher é capaz de produzir um mililitro de lágrimas. O primeiro experimento tinha o objetivo de determinar se nosso olfato era capaz de distinguir o cheiro das lágrimas do cheiro de uma solução contendo somente sais minerais (salina). Vinte e quatro homens concordaram que fosse fixado no seu lábio superior, logo abaixo das narinas, um pequeno pedaço de papel que podia ser molhado com lágrimas de mulheres tristes ou com salina. Desse modo, eles poderiam absorver por via nasal qualquer molécula volátil que existisse nas lágrimas. Foi descoberto que somos incapazes de identificar se o que foi colocado no papel é uma gota de lágrima ou uma gota de salina. Assim, os voluntários não sabiam o que estavam recebendo quando foram submetidos a outros experimentos.
No experimentos seguinte, os dois grupos de voluntários (um cheirando salina e o outro, lágrimas) foram colocados na frente de fotos de faces de mulheres e foi pedido a eles que avaliassem o "sex appeal" de cada face. Foi observado que os homens que estavam cheirando lágrimas davam notas mais baixas para as faces, ou seja, achavam as mulheres menos atraentes.
No teste seguinte, a capacidade dos homens de ficarem sexualmente excitados ao observar fotos foi medida diretamente por meio da passagem de uma corrente elétrica pela pele. Já se sabe que as propriedades elétricas da pele se alteram quando ficamos excitados e o que se observou é que os homens que estavam sob efeito das lágrimas ficavam menos excitados que o grupo controle. Novamente as lágrimas pareciam inibir o instinto sexual.
Em dois outros experimentos foi possível demonstrar que a simples presença das lágrimas sob a narina reduz a produção de testosterona na saliva e diminui a ativação das áreas cerebrais relacionadas à excitação sexual. Como os efeitos foram obtidos sem que os homens observassem visualmente o ato da mulher chorando e sem que soubessem o que estava sob suas narinas, esses resultados demonstram que nas lágrimas femininas existe algum componente volátil capaz de inibir o instinto sexual dos machos da nossa espécie.
Agora os cientistas planejam repetir o estudo usando lágrimas masculinas, testar o efeito da lágrimas sobre o mesmo sexo e caracterizar essa substância. Como ela só atua a uma distância muito curta, os cientistas acreditam que o efeito das lágrimas só é obtido quando abraçamos uma mulher que esteja chorando, aproximando nossas narinas da face por onde escorrem as lágrimas.
A existência desse sinal químico, que inibe o instinto sexual, provavelmente facilita a tarefa dos homens de consolar suas mulheres. Sem esse inibidor, o ato de consolar pode levar à excitação sexual, o que geralmente irrita uma mulher triste. É importante lembrar que a existência dessa molécula não significa que esse mecanismo tenha um papel importante no nosso comportamento - ele pode ser simplesmente um vestígio de um mecanismo que foi importante para nossos antepassados distantes. De qualquer forma, vai ser interessante observar como a indústria de perfumes utilizará esse composto, afinal ele parece ser um potente antiafrodisíaco.
BIÓLOGO