Por Mario Osava, da IPS |
Ribeirão Preto, Brasil, 18/3/2011 – As estradas são excepcionalmente boas e numerosas, em contraste com outras partes do Brasil, mas a monotonia da paisagem não convida ao turismo. Os canaviais dominam o horizonte, as cores e os odores, em um longo eixo de 400 quilômetros para o Norte de São Paulo. No centro dessa área com singular desenvolvimento econômico e social, como maior produtora de açúcar e etanol do país, está Ribeirão Preto, uma das cidades mais ricas do Brasil, com 605 mil habitantes e renda por pessoa que é o dobro da média nacional.
A cana promove o progresso local porque seu cultivo leva à industrialização. Começa a perder potencial produtivo 48 horas após ser colhida e isso obriga que seu processamento seja local e impede sua exportação para ser transformada longe. Ao contrário de outros grandes cultivos, como café e soja, sua curta cadeia produtiva mantém seu processamento no mesmo lugar, sem intermediações, e isso permite baixos preços, para beneficio do consumidor, disse o engenheiro Cícero Junqueira Franco, um dos líderes históricos do setor que, aos 79 anos, ainda é um influente sócio de várias empresas.
Contudo, foi o Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool), criado em 1975 para substituir parcialmente o consumo de gasolina e reduzir a importação de petróleo, que incentivou a prosperidade atual da região de Ribeirão Preto, convertida em um imenso canavial. Trata-se do etanol, mais conhecido como álcool. Sua produção em grande escala “mudou a estrutura do setor e mudou o Brasil”, disse à IPS Cícero, um dos “pais” do Pró-Álcool, que com outros empresários propôs ao governo criar essa política em 1974, quando o petróleo quadruplicou seu valor por causa da primeira grande crise de preços no setor.
Na época, o Brasil importava 85% do petróleo que consumia e sua repentina alta freou o crescimento econômico do país. O etanol surgiu para superar a crise, em uma conjuntura que coincidiu com um excesso de cana no mercado nacional, devido a estímulos governamentais para a produção. Assim, o Pró-Álcool nasceu para solucionar dois problemas, disse Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) e agora professor universitário e presidente do Conselho de Agronegócios da Federação das Indústrias de São Paulo.
Nos 35 anos do programa, a produção brasileira de etanol saltou de 611 milhões de litros para 27,7 bilhões em 2010, enquanto a de açúcar mais do que quintuplicou, ao atingir 38,7 milhões de toneladas. Para atender essas duas demandas, a área cultivada aumentou quatro vezes, o que permitiu multiplicar por sete a cana colhida. Em 2010, a extensão cultivada foi de 8,1 milhões de hectares e a produção de 625 milhões de toneladas.
Isso só foi possível porque a produtividade aumentou cerca de 3% ao ano, um crescimento “brutal” em termos agronômicos, explicou Cícero em sua residência rural, um oásis com árvores e água de um riacho, perto de canaviais por todos os lados, no município de Orlândia, 55 quilômetros ao norte de Ribeirão Preto. Essa acelerada expansão rompeu o controle que o governo exercia sobre o setor da cana, mediante cotas de produção e o monopólio das exportações, e transformou o interior do Estado de São Paulo, especialmente o Nordeste, onde se concentrou o cultivo.
Antes, poucas instalações processadoras contavam com um engenheiro e hoje em dia “dificilmente têm menos do que três”, disse Cícero. Se for somada a produção de açúcar e álcool, nos engenhos trabalham 31 diferentes profissionais universitários, acrescentou. O Pró-Álcool “oxigenou um sistema esclerosado”, o modernizou e atraiu novos empresários, “abrindo mentes”, disse Maurilio Biagi Filho, outro líder do setor, com experiência na indústria de equipamentos e bebidas. Também dirigiu várias unidades transformadoras, após viver sua infância em uma delas, fundada por seu pai.
Eletricidade, plásticos e outros produtos químicos, fertilizantes e enzimas entraram nos planos do setor açucareiro. As pesquisas científicas e tecnológicas ganharam um forte impulso na região, o que promoveu a instalação de universidades e centros criados pela própria indústria do açúcar e do álcool.
A expansão favoreceu o desenvolvimento de uma diversificada indústria de máquinas para cultivo da cana e sua transformação em açúcar, álcool e energia. Sertãozinho, a 20 quilômetros de Ribeirão Preto, concentra 550 empresas, que em sua maioria fornecem também equipamentos para outros setores, como petroleiro e hidrelétrico, dentro e fora do Brasil.
A colheita está 70% mecanizada e deverá chegar aos 100% em 2014, o que ampliou o mercado industrial, ao aumentar a demanda por colheitadeiras e veículos de coleta. A exigência é ambiental e busca eliminar incêndios produzidos para facilitar a colheita manual da cana. Os hotéis lotados em todas as cidades da região refletem esse dinamismo econômico impulsionado pela cadeia produtiva açucareira.
No entanto, falta uma “política mais clara”, disse Maurilio à IPS. O etanol segue o ciclo da cana. Sem colheita no primeiro trimestre e sem estoques reguladores, acumulados e controlados pelo governo para estabilizar o mercado, o etanol escasseia porque se destinou mais cultivo à produção de açúcar, por seus preços maiores desde 2010. Os veículos com motores flex são produzidos no Brasil desde 2003, o que permite abastecê-los com o combustível mais barato. Desta vez a demanda por etanol não caiu na proporção esperada.
O aparente progresso gerado pela economia da cana tem seus críticos. A mecanização começou no final dos anos 1980 para conter o movimento dos cortadores de cana em defesa de seus direitos, “não por razões ambientais”, disse à IPS Helio Neves, presidente da Federação dos Empregados Rurais do Estado de São Paulo. Além disso, deixará sem emprego milhares de trabalhadores e sua capacitação para novas ocupações é menor do que a demanda, acrescentou.
A cana é “uma planta maravilhosa”, mas sua monocultura concentra o poder nas empresas “em detrimento da democracia, impondo uma ditadura do econômico sobre o social”, lamentou Helio, respeitado sindicalista, protagonista da violenta greve de 1984 dos cortadores em Guariba, a 65 quilômetros de Ribeirão Preto.
Além disso, a prosperidade da cana é distribuída desigualmente. Ribeirão Preto, por concentrar os serviços melhor remunerados, e Sertãozinho são cidades privilegiadas. Entretanto, a pobreza relativa e a falta de emprego forçam milhares de mulheres de Guariba, Barrinha e outros municípios com muita cana, mas sem indústrias, a trabalharem como domésticas em Ribeirão Preto.
É o caso de Maria Alcântara Silva, de “mais de 30 anos”. Há seis percorre duas vezes ao dia os 35 quilômetros que separam sua cidade, Pradópolis, de Ribeirão Preto, onde a melhor remuneração compensa o gasto com ônibus. Pelo menos permite que mantenha o filho estudando química na universidade, afirmou. Em Guariba há 620 mulheres registradas como domésticas em Ribeirão Preto e a prefeitura lhes paga 40% do transporte, informou José Roberto de Abreu, secretário municipal do Emprego e das Relações do Trabalho. Envolverde/IPS
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Crédito: Mario Osava /IPS
Legenda: A paisagem infinita de canaviais na região de Ribeirão Preto.
(IPS/Envolverde)