domingo, 9 de janeiro de 2011

''Integração entre cérebro e máquinas vai influenciar evolução''

Alexandre Gonçalves - O Estado de S.Paulo

Para Nicolelis, corpo não vai mais limitar ação da mente sobre o mundo. Pesquisador também comenta os desafios impostos à ciência no País pela burocracia e desorganização

09 de janeiro de 2011 | 0h 00

Miguel Nicolelis é um dos pesquisadores brasileiros de maior prestígio. Pioneiro nos estudos sobre interface cérebro-máquina, suas descobertas aparecem na lista das dez tecnologias que devem mudar o mundo, divulgada em 2001 pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). Em 2009, tornou-se o primeiro brasileiro a merecer uma capa da Science. Na quarta-feira, foi nomeado membro da Pontifícia Academia de Ciências, no Vaticano. Ao Estado, Nicolelis falou sobre o impacto da neurociência no futuro da humanidade. Criticou de forma contundente a gestão científica no País, especialmente em São Paulo. Também questionou os critérios - marcadamente políticos - que teriam norteado a escolha do ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante.
O que as interfaces cérebro-máquina devem proporcionar no futuro?
No curto prazo, penso que as principais aplicações serão na medicina, com novos métodos de reabilitação neurológica, para tratar condições como paralisia. No médio, chegarão às aplicações computacionais. Não usaremos mais teclados, monitores, mouse... o computador convencional deixará de existir. Vamos submergir em sistemas virtuais e nos comunicaremos diretamente com eles. No longo prazo, o corpo deixará de ser o fator limitante da nossa ação no mundo. Nossa mente poderá atuar com máquinas que estão à distância e operar dispositivos de proporções nanométricas ou gigantescas: de uma nave espacial a uma ferramenta que penetra no espaço entre duas células para corrigir um defeito. E, no longuíssimo prazo, a evolução humana vai se acelerar. Nosso cérebro roubará um pouco o controle que os genes têm hoje sobre a evolução. Daqui a três meses, publicarei um livro em que comento esses temas.
O que o sr. chama de curto, médio, longo e longuíssimo prazo?
Curto prazo são os próximos anos. Médio prazo, as próximas duas décadas. Longo prazo, o próximo século. Longuíssimo prazo, milhares de anos.
Como andam suas linhas de pesquisa na medicina?
Estamos avançando rapidamente no exoesqueleto (um dispositivo que dá sustentação ao corpo de uma pessoa paralisada e é capaz de se mover obedecendo ao controle da mente). Outra linha de pesquisa importante é Parkinson. Publicamos um artigo na Science no ano passado. Estimulamos com eletricidade a medula espinhal de ratos com uma doença semelhante ao Parkinson e conseguimos reverter o congelamento motor característico da doença.
Ainda precisaremos dos sentidos para dialogar com sistemas computacionais?
Vamos publicar um trabalho em breve descrevendo o envio do sinal de uma máquina diretamente ao tecido neural de um animal, sem mediação dos sentidos: na prática, criamos um sexto sentido. Vai ser uma novidade explosiva, mas não posso dar mais detalhes, pois o artigo ainda não foi publicado. Mas posso afirmar que a internet como conhecemos hoje vai desaparecer. Teremos uma verdadeira rede cerebral. A comunicação não será mediada pela linguagem, que deixará de ser o único ou o principal canal de comunicação.
Quais as implicações antropológicas e sociológicas no longo prazo?
Costumo dizer que será a verdadeira libertação da mente do corpo, porque será a mente que determinará nosso alcance e potencial de ação na natureza. O que definimos como ser mudará drasticamente no próximo século.
O que o sr. acha da política científica brasileira?
Está ultrapassada. Principalmente a gestão científica. Foi por isso que eu escrevi o Manifesto da Ciência Tropical (mais informações nesta página). O talento humano é sufocado por normas absurdas nas universidades. Devemos ter uma carreira para pesquisadores em tempo integral e oferecer suporte administrativo profissional aos cientistas. Mas aqui no Brasil há a cultura de que, subindo na carreira científica, o último passo de glória é virar um administrador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) ou da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Uma tragédia.
O sr. afirmou diversas vezes que a ciência precisa ser democratizada.
Sem dúvida. É uma atividade extremamente elitizada. Não temos a penetração popular adequada nas universidades. Quantos doutores são índios ou negros? A ciência deve ir ao encontro da sociedade brasileira. Há bem pouco tempo, a ciência ainda era uma atividade da aristocracia brasileira.
Como o sr. se vê na Academia?
Sou um pária. Não tenho o menor receio de falar isso. Sou tolerado. Ninguém chega para mim de frente e fala qualquer coisa. Mas, nos bastidores, é inacreditável a sabotagem de que fomos vítimas aqui em Natal nos últimos oito anos. Em 2010, na avaliação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), tivemos um dos melhores pareceres técnicos da área de biomedicina. E nosso orçamento foi misteriosamente cortado em 75%. Pedi R$ 7 milhões. Recebemos R$ 1,5 milhão. As pessoas têm medo de abrir a boca, pois você é engolido pelos pares.
Qual é o futuro dos jovens pesquisadores no País?
Atualmente, eles têm uma dificuldade tremenda para conseguir dinheiro, porque não são pesquisadores 1A do CNPq. Você precisa ser um cardeal da academia para conseguir dinheiro e sobressair. Cheguei à conclusão de que Albert Einstein não seria pesquisador 1A do CNPq, porque não preenche todos os pré-requisitos - número de orientandos de mestrado, de doutorado... Se Einstein não poderia estar no topo, há algo errado. Até agora, ninguém teve coragem de enfrentar o establishment da ciência brasileira. Minhas críticas não são pessoais. Quero que o Brasil seja uma potência científica para o bem da humanidade. As pessoas precisam ver que a juventude científica está de mãos atadas. Devemos libertar esse povo.
O sr. tem uma opinião bastante crítica sobre a política científica no País. Mas, na eleição, manifestou apoio público a Dilma. Por quê?
Porque a outra opção era trágica. Basta olhar para o Estado de São Paulo: para a educação, a saúde e as universidades públicas. Eu adoro a USP, onde me formei. Mas a liderança que temos hoje na USP é terrível. A Fapesp é uma joia, um ícone nacional, reconhecida no mundo inteiro. Mas isso não quer dizer que as últimas administrações foram boas. Temos de ser críticos. Esta última administração, em especial, foi muito ruim. A Fapesp está perdendo importância. Veja só: a Science (no artigo publicado há algumas semanas sobre a ciência no Brasil) não dedicou uma linha à Fapesp.
Como o sr. avalia o governo Lula?
Apoiei e apoio incondicionalmente o presidente Lula, porque vivemos hoje o melhor momento da história do País. A proposta global de inclusão do governo Lula - e espero que será a mesma com a Dilma - é aquela em que eu acredito. Contudo, detalhes devem ser corrigidos. Admiro o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Sérgio Rezende. Tivemos grandes avanços com a criação dos INCTs e dos fundos setoriais. Mas o ministro não enfrentou a estrutura. Em oito anos, nunca fui chamado para dar uma opinião no ministério ou para apresentar os resultados do projeto de Natal. Sei que outros cientistas, melhores que eu, também não foram chamados. Mas fui chamado pelo Ministério da Educação. O ministro (Fernando Haddad) é o melhor que já tivemos.
O que o sr. achou da escolha de Aloizio Mercadante para o MCT?
Estou curioso para saber qual é o currículo dele para gestão científica. Fiquei surpreso com a indicação, mas não o conheço. Não tenho a mínima ideia do seu grau de competência. Mas não fica bem para a ciência brasileira um ministério tão importante virar prêmio de consolação para quem perdeu a eleição. Não é uma boa mensagem. Mas talvez seja bom que o futuro ministro não seja um cientista de bancada, alguém ligado à comunidade científica. Assim, se ele tiver determinação política, poderá quebrar os vícios. 


Manifesto de cientista propõe massificação do conhecimento de ponta


O Estado de S.Paulo
Apoiado em seu prestígio, o neurocientista Miguel Nicolelis lançou em novembro o Manifesto da Ciência Tropical. O documento - disponível na página do Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN, cujo site é natalneuro.org.br) - reúne 15 metas para a criação de um Programa Brasileiro de Ciência Tropical.
Boa parte das propostas diz respeito à criação de um audacioso sistema de educação científica no País, que seria oferecido no contra-turno dos ensinos fundamental e médio: o Programa Educação para Toda a Vida.
O manifesto também contempla a democratização do acesso à formação científica com a criação de institutos de tecnologia e polos de ciência em regiões com baixo desenvolvimento humano.
O ambiente aparece como uma das prioridades. Em concreto, o documento propõe a criação de um arco contínuo de Unidades de Conservação e Pesquisa da Biosfera da Amazônia, para limitar a agropecuária e o desmate predatório.
Em um tom nacionalista, o texto sugere também a retomada e a expansão do Programa Espacial Brasileiro.
Para fazer com que as ideias da academia cheguem à indústria, Nicolelis sugere a criação do Banco do Cérebro, que financiaria empreendedores científicos no País. 

O lixo, agora entre avanços e dúvidas

Washington Novaes - O Estado de S.Paulo  07/01/2011
Dois dias antes do último Natal, ao regulamentar por decreto-lei a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que já sancionara, o então presidente da República, acertadamente, incluiu a não geração do lixo, a redução, a reutilização, a reciclagem e o tratamento de resíduos sólidos como opções prioritárias, antes de se pensar em incineração. Restabeleceu, assim, a direção correta, ameaçada pelo Senado, que, ao aprovar o projeto da política, suprimiu dispositivo que só permitia a queima de resíduos sólidos quanto esgotadas as outras opções. O projeto deveria ter voltado à Câmara dos Deputados - já que fora modificado. Mas não se fez isso, como já acontecera com a Lei da Ficha Limpa. O projeto foi à Presidência e ali sancionado, sem nenhum reparo.
Agora, corrige-se a má direção, mas ainda com uma ameaça no ar: o decreto-lei deixa uma brecha ao estabelecer que "a recuperação energética" de resíduos sólidos "deverá ser disciplinada em ato conjunto dos Ministérios do Meio Ambiente, das Minas e Energia e das Cidades", no máximo, em 180 dias. Embora ovacionado pelos membros de cooperativas de catadores ao assinar o decreto durante congresso que reunia seus membros, o então chefe do governo federal deixou essa brecha, que pode até prejudicá-los. Porque cabe perguntar: que acontecerá no ato disciplinador, sabendo-se a força dos lobbies de empresas de incineração de lixo, quase todas ligadas a megaempreiteiras da área de construção, hoje com forte influência nas mais altas políticas brasileiras, principalmente nas áreas de energia, projetos habitacionais e até meio ambiente (vide licenciamento de controvertidas hidrelétricas na Amazônia)? Corretamente, porém, o decreto distingue da incineração de resíduos o aproveitamento em biodigestores ou a utilização de gases oriundos da decomposição de matéria orgânica em aterros sanitários.
De qualquer forma, além de estabelecer aquelas prioridades, o decreto-lei prevê penalidades se não cumprida a obrigação de coleta seletiva (44% dos municípios brasileiros não a fazem) e a logística reversa que torna obrigatório o retorno aos fabricantes de itens como pilhas, pneus e produtos eletrônicos, entre outros. Haverá multas pesadas, de até R$ 50 milhões, para quem lançar resíduos sólidos em locais como praias ou não der destinação adequada a resíduos perigosos. Será obrigatória a substituição de lixões (existentes em pelo menos 50% dos municípios) por aterros, assim como a elaboração de planos de gestão também nos municípios e Estados. A coleta em qualquer lugar precisará, no mínimo, separar lixo orgânico (úmido) do lixo seco, para facilitar a reciclagem. E as cooperativas de catadores - há cerca de 1 milhão deles no País - terão linhas preferenciais de financiamento.
É um terreno no qual precisamos avançar muito e com urgência. As usinas de reciclagem do poder público no País só reciclam entre 1% e 2% do lixo domiciliar e comercial (o total é de pelo menos 230 mil toneladas diárias, segundo o IBGE 2002). A situação - como tem sido dito tantas vezes neste espaço - só não é mais dramática graças à atuação desse milhão de catadores, que, sob sol e chuva, sete dias por semana, recolhem e encaminham a empresas que os reciclam mais de 30% do papel e papelão e parcelas consideráveis do plástico, do vidro, do pet, do alumínio e de outros materiais.
Mas os catadores precisam de projetos integrados em que, com financiamentos públicos, tenham equipamentos adequados de coleta seletiva (caminhões com contêineres separados para lixo úmido e seco), convênios remunerados pelas prefeituras, além de usinas de reciclagem onde possam transformar papel e papelão em telhas revestidas de betume (para substituir com vantagens as de amianto), reciclar o PVC e produzir mangueiras pretas, compostar o lixo orgânico e transformá-lo em fertilizante, moer o vidro e encaminhá-lo para recicladoras, assim como latas de alumínio. Onde isso é ou já foi feito (como em Goiânia), a redução de lixo encaminhado ao aterro chega a 80%, com enorme economia para o poder público, livrando-o da dependência de grandes empresas, que hoje recebem mais de R$ 15milhões por dia para coletar e levar os resíduos para aterros ou lixões.
Esse processo permite também evitar o desperdício de materiais. Já se mencionou aqui estudo da Unesp de Sorocaba concluindo que 91% dos resíduos contidos no lixo de Indaiatuba (mais de 100 toneladas/dia) seriam reaproveitáveis ou recicláveis. Permitiria ainda aliviar parcialmente o drama das grandes cidades brasileiras, quase todas com seus aterros esgotados ou próximos disso e, alegadamente, sem recursos para implantar novas unidades. A partir daí, surge a pressão das empresas de incineração. E por esse caminho o Recife já parte para uma usina de incineração de 1350 toneladas diárias (no momento, com licença ambiental embargada pelo município do Cabo). Unaí (MG) tomou o mesmo caminho. Barueri já está promovendo licitação para incinerar 750 toneladas diárias. São Sebastião ameaça seguir o mesmo rumo, assim como Brasília e a Baixada Fluminense (nesta, inclusive, com um projeto em Santa Cruz para incinerar resíduos perigosos).
Muitos estudiosos da área, como Cícero Bley Jr., já se cansaram de citar os problemas da incineração: custos muito altos, emissão de cancerígenos como furanos e dioxina (a não ser que a temperatura esteja acima de 900 graus - o que é difícil com a mistura de lixo úmido, que baixa a temperatura), produção de escória altamente perigosa (com metais pesados e outros tóxicos, que são carreados para os rios), geração de gases em proporção maior do que em usinas termoelétricas - entre outros problemas. Não é acaso que a resistência a esse processo cresça no mundo e já haja países que o proíbam. Sem falar em dependência tecnológica.
Vamos ver agora o que farão os três Ministérios encarregados de regulamentar a "recuperação energética" de resíduos.
JORNALISTA
E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR 


Usina para tratar lixo produzirá eletricidade


Construção da unidade será na Baixada Santista; estudos sobre o custo da obra devem ficar prontos ainda em 2011

07 de janeiro de 2011 | 0h 00
Renée Pereira - O Estado de S.Paulo
O governo de São Paulo iniciou os estudos para construir uma usina de tratamento de lixo que produzirá energia elétrica na Baixada Santista. O projeto vai beneficiar 13 municípios da região e tratar mil toneladas de resíduos sólidos urbanos por dia. "Esta é a área mais complicada do Estado, pois não há espaços disponíveis para serem licitados", afirma Ricardo Lima, consultor da Andrade & Canellas, responsável pela estruturação do projeto.
O lixo de muitos municípios da Baixada Santista percorre até 150 km para ser despejado em áreas localizadas no planalto. Os resíduos de São Sebastião são depositados em Jacareí; os de Mongaguá, em Mauá, na Grande São Paulo. Nesta rota, as prefeituras chegam a pagar até R$ 180 por tonelada de lixo.
O projeto do Estado vai tentar eliminar esse problema e ainda gerar eletricidade. A expectativa é produzir 40 megawatts (MW) com a incineração dos resíduos - suficiente para abastecer uma cidade de 250 mil pessoas. Segundo dados da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), os resíduos produzidos por uma família de cinco pessoas durante um ano são suficientes para gerar energia equivalente ao consumo de quase quatro meses.
Além da energia, a usina produziria vapor, que pode ser vendido para indústrias localizadas próximas da unidade. Outra fonte de receita são os créditos de carbono, já que a central de tratamento evitará a decomposição dos resíduos, processo que produz metano (gás de efeito estufa). O empreendimento contará com instalações para transformar o lixo em adubo orgânico e separar materiais recicláveis.
Lima diz que há 700 plantas desse tipo espalhadas pelo mundo. No Brasil, existem iniciativas para tentar resolver o problema do lixo e gerar energia, como a usina termelétrica do aterro sanitário São João, em São Mateus, zona leste da capital. Mas a tecnologia aplicada é diferente da proposta para a Baixada Santista. Nesses casos, usa-se o metano para produzir a energia.
Na nova central, a técnica seria de incineração. O calor resultante da queima é aproveitado para gerar vapor, que aciona turbogeradores e produz energia. Cálculos do governo federal mostram que o lixo das 300 maiores cidades brasileiras poderia gerar 15% da energia elétrica consumida no País, conforme o Plano Decenal 2008/2017. Na Baixada Santista, a ideia é criar uma Parceria Público-Privada (PPP). O valor dos investimentos depende da conclusão dos estudos, em junho de 2011.
Custo
R$ 180 é valor que as prefeituras sem usinas de tratamento chegam a pagar pelo transporte de cada tonelada de lixo
40 megawatts podem abastecer 250 mil pessoas. Toda essa energia pode ser obtida com a incineração dos resíduos