Após longos debates, a publicação do tão aguardado Provimento Nº 205/2021 do Conselho Federal da OAB (CFOAB) – que disciplina, em síntese, a publicidade e o marketing jurídico, gerou indisfarçáveis frustrações na classe.
A tão esperada modernização das regras e a necessária adaptação aos tempos modernos – necessidade acentuada pelo massivo uso dos meios tecnológicos em decorrência da pandemia do Coronavírus – aconteceram de forma tímida e aquém do dinamismo exponencial vivenciado.
Ao contrário, os operadores do Direito, sobretudo os mais jovens, já compreenderam que conforme a reflexão do filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso: “A única constante é a mudança”, onde tudo está em permanente processo de transformação, pois nada se mantém estático eternamente.
Como se não bastasse, além de pecar pela timidez, o aludido provimento restringiu ainda mais a já tão curta margem de atuação dos causídicos nas redes sociais, ao pretensamente avançar, de forma polêmica, sobre a autonomia pessoal destes em suas redes privadas.
De fato, sob o pretexto de se obstar suposta captação de clientela, vedou-se “em qualquer publicidade a ostentação de bens relativos ao exercício ou não da profissão, uso de veículos, viagens, hospedagens e bens de consumo, bem como a menção à promessa de resultados ou a utilização de casos concretos para oferta de atuação profissional” (art. 6º, parágrafo único).
O que poderia parecer, com o devido respeito e acatamento, uma retrógrada e despicienda limitação, revela-se, na verdade, algo que trafega na contramão da era digital, com potencial até mesmo para apequenar a instituição que nos representa.
Indispensável à administração da justiça, consoante disposto no art. 133 da Carta Magna de 1988, cabe à advocacia – em especial em momentos de grave instabilidade política, jurídica e social, como os então vividos – a defesa intransigível do Estado Democrático de Direito.
Porém, ao se ocupar de questão excessivamente inexpressiva (“ostentação”), nossa tão estimada e respeitada Ordem dos Advogados do Brasil não apenas deixa de centrar suas forças e o peso de sua história onde efetivamente se espera que atue com relevância, como, ela própria, perigosamente tangencia potencial desrespeito ao mesmo ordenamento jurídico que deveria ferozmente zelar.
Ora, ao se debruçar sobre a eventual ostentação – seja lá o que isso signifique para a entidade – referente a atos da vida pessoal dos advogados, o Provimento, em tese, afronta direitos e garantias fundamentais, verdadeiras cláusulas pétreas de nossa Constituição, como a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, inc. IV), a liberdade de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5º, inc. IX; art. 220, caput, e parágrafo 2º), e, sobretudo, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art. 5º, inc. X).
Ainda, vale relembrar que o artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) determina que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.
Outrossim, o Provimento desborda das próprias normas que disciplinam a classe, sendo certo que a Lei nº 8.906/1994 - Estatuto da Advocacia e da OAB (art. 33, parágrafo único) e o Regulamento Geral (art. 154, parágrafo único) são expressos ao reservarem ao Código de Ética e Disciplina a regulação dos deveres do advogado e da publicidade.
Assim, ainda que o Conselho Federal tenha competência para editar provimentos (EOAB, art. 54, inc. V), tais devem se restringir a regulamentar as disposições previstas, in casu, no citado Código de Ética e Disciplina, sem desbordar de seus preceitos e, sobretudo, sem “inovar” no mundo jurídico, em especial trazendo pretensas limitações flagrantemente inconstitucionais.
Curial registrar-se que, diante da ampla repercussão negativa da limitação em debate – diversas enquetes promovidas nas redes sociais apontam que aproximadamente mais de 85% dos advogados consultados posicionaram-se expressamente contra essa invasão à suas vidas privadas –, esboçou-se no próprio Conselho Federal da OAB eventual ajuste à norma, acompanhado da suposta justificativa de que a finalidade do provimento seria obstar a atividade de pseudos “coachs jurídicos” e produtores de cursos com “fórmulas” infalíveis de sucesso.
Parece-nos, nesse ponto, que a emenda saiu pior que o soneto. Se essa deveria ser a interpretação teleológica da norma, que ela fosse expressa e inequívoca nesse sentido.
De forma diversa, a disposição, que já peca pelo seu subjetivismo, faltando-lhe a necessária taxatividade (o conceito de ostentação é perigosamente vago), estaria também despida de outra característica imprescindível, qual seja a generalidade, já que teria destinatários certos e individualizados.
Assim, por qualquer ângulo que se analise, o malfadado provimento, especificamente no que tange à disposição em análise, é inconstitucional, excessivo e, mais do que isso, ilegítimo, esperando-se, sinceramente, que a OAB prontamente corrija esse verdadeiro lapso.
Cabe a OAB nortear a classe advocatícia por meio de normas e condutas constitucionais e essencialmente relevantes, pois nas palavras de Barão de Montesquieu: “As leis inúteis debilitam as necessárias.”
*Empreendedor e advogado
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