A relação entre o bilionário Carl Icahn e o presidente americano Donald Trump ajudou a deflagrar uma série de recriminações nos bastidores da bilionária indústria de etanol dos Estados Unidos, justo em um dos momentos mais cruciais de sua história.
A discórdia aflorou nos últimos três dias, depois que usinas de etanol reagiram a uma proposta capaz de reconfigurar o modo como o setor de combustíveis é regulado, feita por Icahn e um grupo lobista.
“Acreditamos que a RFA foi comprada, vendida e entregue numa bandeja.” Todd Becker, CEO da Green Plains
No cerne da disputa está a questão sobre quem deve ficar responsável pela adição do etanol à gasolina, como exige a lei de mistura, vigente há doze anos nos Estados Unidos. Icahn é um célebre investidor corporativo e comanda uma das maiores refinarias independentes do país. Durante as eleições presidenciais do ano passado, ele fez bastante barulho ao tratar da matéria, argumentando que esse ônus não deveria recair sobre empresas como a dele (refinarias de petróleo), mas sobre as distribuidoras de combustível.
A posição de Icahn é alvo de reprovação enérgica por grande parte do setor de biocombustíveis. Daí a surpresa quando, em 27 de fevereiro, revelou-se que o bilionário de 81 anos – agora conselheiro especial do presidente Trump para assuntos regulatórios – havia angariado o apoio da Associação de Combustíveis Renováveis (RFA—Renewable Fuels Association) para o seu pleito. A RFA é um grupo lobista radicado em Washington e a principal associação defensora dos interesses dos produtores de etanol.
Embora o presidente da RFA, Bob Dinneen, há muito se opusesse ao tipo de mudanças defendidas por Icahn, sua associação agora está respaldando a proposta em discussão na Casa Branca. A notícia agitou os mercados da gasolina e do milho — e desencadeou uma série de demonstrações públicas de desunião entre os produtores de etanol, como nunca se viu antes.
“Negociata de bastidores”
“Acreditamos que a RFA foi comprada, vendida e entregue numa bandeja”, diz Todd Becker, CEO da Green Plains, que não integra o grupo lobista.
Em novembro, a unidade de combustíveis renováveis da Valero Energy Corporation, maior refinaria independente dos Estados Unidos, filiou-se à RFA. A empresa endossou a medida encampada por Icahn, o que, segundo Becker, pode ter pesado para o desfecho. “Bob Dinneen vendeu a alma para o diabo”, afirmou Becker, referindo-se ao ingresso da Valero no grupo.
As críticas também se dirigem à maneira como a proposta foi apresentada à gestão Trump, sem uma consulta ampla ao setor. A Poet LLC, maior fabricante de etanol dos EUA e uma das fundadoras da Growth Energy, associação que se opõe terminantemente à manobra de Icahn, tachou o acordo de “negociata de bastidores”, feito à revelia das “vozes de liderança”.
Funcionários da Casa Branca passaram os últimos dois dias em deliberações com Icahn e com produtores de etanol contrários à proposta, segundo fontes a par das negociações. A avalanche de reuniões e telefonemas veio na segunda-feira, depois que a Bloomberg News noticiou que Icahn havia ajudado a intermediar um acordo com o grupo de Dinneen. A veiculação da notícia provocou uma valorização de mais de US$ 100 milhões na participação acionária de Icahn na CVR Energy, dona de uma refinaria.
Na quarta, a porta-voz da Casa Branca Kelly Love afirmou não haver nenhuma ordem executiva relativa ao etanol sendo preparada no momento. Ela não respondeu diretamente às perguntas sobre o andamento das discussões.
Custos de adequação à lei
Embora as regulamentações de etanol possam ser esotéricas nos melhores momentos, o setor dispõe de considerável influência política em Washington. Trata-se de uma indústria fundamental para a economia do Cinturão do Milho, região cujos eleitores ajudaram a colocar Trump na Casa Branca. Muitos estão ansiosos para ver o que Trump fará em prol do setor agrícola.
Até esta semana, a indústria dos biocombustíveis mostrava-se unida em sua luta contra mudanças na lei de mistura, argumentando que elas acabariam por minar o propósito do programa – ampliar o uso de etanol e biodiesel.
A CVR, juntamente com outras refinarias de gasolina, alega que os atuais custos para cumprir com a lei de mistura são excessivos. Atualmente, as refinarias que não têm condições de misturar etanol à gasolina são obrigadas a comprar créditos para cumprir os requisitos. Icahn alertou para o risco de isso provocar falências no setor.
Ainda na semana passada, a RFA entrou com um pedido na Agência de Proteção Ambiental para que o órgão barrasse as demandas de Icahn. Mas tudo mudou, segundo o próprio Dinneen, depois que ele foi contatado pela Casa Branca e informado, “em termos nem um pouco vagos”, de que o pleito de Icahn seria aprovado. A partir desse momento, Dinneen diz ter procurado arregimentar apoio no setor para conseguir a melhor negociação possível.
“Alvoroço” sem precedentes
O mundo dos biocombustíveis agora se encontra em polvorosa. A Fuels America, grupo lobista que conta com filiados em todos os elos da cadeia agrícola, divulgou na terça-feira haver cortado laços com a RFA. As associações de combustíveis renováveis dos estados de Iowa e Illinois também se declararam contrárias a qualquer esforço no sentido de alterar a lei de mistura.
Dinneen limitou-se a afirmar que continua a “nutrir grande respeito pela coalizão da Fuels America e seus integrantes”, recusando-se a fazer comentários adicionais.
A Growth Energy, por sua vez, declarou que a organização de Dinneen não fala em nome da parcela majoritária da indústria de biocombustíveis. Emily Skor, CEO do grupo, disse ter sido pega de surpresa pelo pacto acordado por Icahn, e que passou os últimos dias em conversas com agências reguladoras, congressistas e jornalistas, num esforço para distinguir a sua organização, cujos integrantes continuam contrários à medida, da RFA. Skor, que assumiu o cargo de CEO da Growth Energy em maio, diz ter ouvido que o atual “alvoroço” em que se encontra o setor é algo sem precedentes.
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