domingo, 21 de abril de 2013

Qual é a inflação corrente? - SAMUEL PESSOA

FOLHA DE SP - 21/04

O espalhamento atual da inflação é compatível com uma taxa de 7,5% ao ano; as desonerações são artificiais


Talvez a maior dificuldade na condução da política monetária corrente seja saber exatamente qual é a inflação de fundo da economia. Isto é, qual a inflação gerada pela pressão da demanda.

Geralmente o índice de inflação --o IBGE mede mensalmente a inflação do consumidor dada pela evolução do índice de preço ao consumidor amplo (IPCA)-- fica "contaminado" por elevações de preços que representam choques de oferta da economia que no futuro serão revertidos.

Por exemplo, sabe-se que os preços das principais commodities agrícolas --soja, milho e trigo-- elevaram-se muito no segundo semestre do ano passado em razão de secas nos EUA, na Argentina e no Brasil.

Como os problemas climáticos vêm e vão, não faz sentido a política monetária combater choques dessa natureza.

Evidentemente, se os choques gerarem pressão sobre o mercado de trabalho e induzirem barganhas salariais que elevem a taxa de crescimento dos salários além da produtividade, de sorte que os aumentos salariais serão repassados aos preços dos produtos, deve-se elevar a taxa de juros para combater o fenômeno inflacionário.

Além do choque das commodities agrícolas, houve no primeiro trimestre deste ano e no quarto do ano passado um choque de produtos hortifrutigranjeiros. Esse choque também reverterá. No fim do ano, a inflação em 12 meses provavelmente estará na casa de 5,6%.

Por que motivo toda a preocupação e a grita do "mercado" financeiro? Ocorre que houve inúmeros choques de oferta de sinal contrário. As inúmeras desonerações --energia elétrica, cesta básica, IPI de automóveis, entre outras-- têm efeito transitório e funcionam exatamente como um choque de oferta, só que com sinal contrário.

Qual seria a inflação hoje medida pelo IPCA se não houvesse as desonerações? Uma maneira é recalcular o índice de inflação desconsiderando os itens do IPCA que foram desonerados. Esse cálculo sugere que a inflação estaria entre 7% e 7,5%.

Outra forma de avaliar qual seria a inflação corrente se não existisse as desonerações é procurar alguma variável ligada à inflação, mas que não seja afetada pela desoneração. Um exemplo é a taxa de difusão. A taxa de difusão é a proporção dos preços que se elevam no mês.

Cada ponto do gráfico nesta página apresenta para cada mês entre julho de 2005 e junho de 2012 a inflação acumulada em 12 meses no eixo horizontal e a difusão média nos 12 meses anteriores no eixo vertical.

Nota-se que há uma clara relação positiva entre ambas: quando o nível de inflação acumulada em 12 meses eleva-se, a difusão acompanha.

As cruzes no gráfico representam as mesmas variáveis para o período de julho de 2012 até março de 2013. Nota-se um claro deslocamento da relação entre a inflação em 12 meses e a difusão. Nos últimos nove meses, a relação entre inflação e difusão deslocou-se para cima e para a esquerda no gráfico.

O descolamento recente entre inflação e difusão da inflação é consequência das desonerações. As desonerações reduzem artificialmente a inflação, mas têm impacto bem menor sobre a difusão. Como as flechas indicam, a elevadíssima difusão média em 12 meses observada em março é compatível com uma inflação de 7,5% ao ano! De fato, o Comitê de Política Monetária do Banco Central deve estar bem preocupado com a inflação.

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