domingo, 7 de abril de 2013

Gasolina tributada e ônibus


07/04/2013 - 01h15


Há algumas semanas, esta Folha noticiou que o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), trabalhava em um projeto de desoneração dos transportes coletivos nas regiões metropolitanas em troca de uma elevação de tributo sobre os combustíveis nessas mesmas regiões. Trata-se, portanto, de uma proposta de subsídio cruzado.
A proposta tem duas justificativas. A primeira, distributiva.
O perfil de renda dos usuários de transporte coletivo é diferente do perfil de renda dos usuários de transporte individual.
A redução do preço da tarifa de transporte coletivo e a elevação do preço dos combustíveis nas regiões metropolitanas contribuem para reduzir a desigualdade de renda nas regiões metropolitanas. Assim, do ponto de visto social, parece-me ser um proposta correta.
A segunda justificativa é microeconômica.
O congestionamento das vias públicas é uma forma subótima de restrição ao uso de um recurso escasso, no caso o espaço nas vias públicas no horário de pico.
A forma eficiente de restringir o uso de um recurso escasso é por meio da elevação do preço. Assim ocorre nos mercados em geral. Poderia ocorrer dessa forma também no uso das vias públicas.
Em geral esse problema não se apresenta, pois as vias públicas, além de juridicamente pertencer ao público, são do ponto de vista físico um bem público. Um bem público tem a característica da não rivalidade. Um bem não rival é aquele bem que o uso por um indivíduo não impede que outro indivíduo o utilize simultaneamente.
Um exemplo típico de bem público é o conhecimento. O fato de uma pessoa estudar ou empregar a aritmética não impede que outra estude ou empregue a aritmética.
Ocorre que as vias públicas são bens não rivais sujeitos à congestão. Isto é, a partir de um certo nível de utilização, as vias públicas passam a ser bens rivais. Quando elas congestionam o ingresso de um veículo adicional em uma via, impedem que outro o faça. Do ponto de vista físico, as vias públicas perdem a característica da não rivalidade.
A falha é que o motorista que trafega por uma via congestionada não percebe esse custo que ele causa. Repetindo: o custo é o uso de um recurso, o espaço da via pública, que se tornou escasso quando o congestionamento ocorre.
A forma de corrigir essa falha de mercado é haver alguma tributação sobre o uso de transporte individual nas cidades quando o usuário trafega nos horários de pico.
Seria ideal, por exemplo, haver um sistema eletrônico de pedágio urbano que cobrasse por quilômetro rodado, e o preço do quilômetro seria variável em função do congestionamento que houvesse no momento que o indivíduo usasse aquela via.
Cobrar um imposto sobre a aquisição de combustível nas regiões metropolitanas é uma maneira imperfeita, mas aproximada, de reproduzir a solução ótima sugerida no parágrafo anterior.
Teríamos um imposto proporcional ao uso das vias públicas, e não um imposto como a tarifa rodoviário única (TRU), que independe do uso que é feito do veículo.
A falha dessa proposta é que o imposto não descriminaria em função do horário e do local de uso das vias. Dadas as dificuldades técnicas de implantação da solução ótima, parece-me que a proposta do prefeito é boa.
Evidentemente inúmeros cuidados terão que ser tomados com a implantação da medida. Um deles é considerar diversas alíquotas de impostos em função da distância do posto de gasolina em relação ao centro expandido.
Ou seja, haveria uma região da cidade na qual os postos pagariam alíquota cheia, e, conforme nos distanciamos do centro expandido da região metropolitana, a alíquota reduzir-se-ia progressivamente, até zero em uma distância suficiente para desestimular comportamentos oportunistas.
Efeito colateral positivo do imposto é que ele corrige uma segunda falha de mercado associada ao uso do transporte individual.
O usuário do transporte individual contribui para poluir a atmosfera da metrópole com monóxido de carbono. O imposto sobre a gasolina nas regiões metropolitanas seria um forma de precificar esse custo do transporte individual sobre as vidas de todos os munícipes.
Arquivo Pessoal
Samuel de Abreu Pessôa é doutor em economia e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.

Nenhum comentário: