segunda-feira, 22 de abril de 2013

“O conceito de monogamia vem mudando com o tempo”



08.abril.2013 | 10:18
Para a psicóloga belga Esther Perel, um bom casamento precisa ter espaço para o indivíduo.
Foto: Luciana Golcman
O conceito de fidelidade e monogamia está mudando. Essa é a teoria sustentada por Esther Perel, psicóloga belga radicada nos EUA. As traições atuais, segundo ela, têm pouca relação com frustrações no casamento – e, sim, com questões individuais. “Parte das motivações que levam uma pessoa a ter um caso fora do casamento não é proveniente de ausências em casa. Às vezes, sim. Mas, na maioria das vezes, um caso tem mais a ver com a descoberta de outras partes de nós mesmos”, afirmou a terapeuta, em conversa com a coluna por telefone, de Nova York.
Autora do livro Sexo no Cativeiro e uma das vozes mais respeitadas na área de terapia conjugal do mundo, Esther teve, recentemente, uma de suas conferências – parte do TEDxTalks – vista por mais de 1 milhão de espectadores. Em sua palestra, explica a contradição entre amor e desejo e os muitos desafios dos casais contemporâneos, entre eles a junção de duas necessidades paradoxais que buscam no outro: a segurança e a aventura. “Atualmente, o casamento, como um empreendimento romântico, tornou-se consagrado. É como pedir a uma pessoa que lhe dê o que toda uma comunidade costumava fornecer. É um nível irreal de expectativa”, explica.
A psicóloga afirma que é, sim, possível manter no casamento tanto o desejo quanto a segurança – desde que seja cultivada uma certa “distância” entre os parceiros.
Abaixo, os principais trechos da entrevista.
Na sua conferência, você faz a diferenciação entre amor e desejo. Como funciona isso nos casais contemporâneos?
Esther Perel: Acho que um dos desafios mais interessantes dos casais é o desejo de reunir duas necessidades fundamentais humanas – que, historicamente, não caminhavam juntas. Pelo menos, não nos relacionamentos conjugais. É como se afirmássemos que um “casamento apaixonado” é uma contradição em si. O casamento, antigamente, era um contrato de companhia para a vida familiar, para a reprodução, apoio financeiro, status social. Entretanto, atualmente, queremos que a pessoa com quem nos casamos seja nosso melhor amigo, confidente e também nosso amante apaixonado.
É muito para um parceiro.
Esther Perel: Não é fácil para o casal. Trouxemos o amor para o casamento, e esse acordo romântico está cada vez mais centrado na confiança, intimidade e afeição. Daí acrescentamos sexualidade a essa porção de amor. Sexualidade não como questão de reprodução, mas como força enraizada na ligação com o prazer. É a sexualidade que vem do desejo, não da obrigação. Temos hoje um casamento que precisa ter amor, sexualidade e o desejo de felicidade.
Mas amor e desejo são realmente contraditórios?
Esther Perel: Convivemos com a ideia de que, se amamos, desejamos. No entanto, as forças que alimentam o amor – que têm a ver com proteção, responsabilidade, mutualidade – não são necessariamente as mesmas que alimentam o desejo. O desejo nunca é alimentado pela responsabilidade ou pela necessidade de proteção. São duas experiências distintas. Relaciono a experiência do amor com a segurança. E o desejo com a aventura. Sempre digo que amar caminha com o verbo “ter”, e desejar, com o verbo “querer”. E assim, a questão sempre se torna: “Você pode querer o que já tem?”
É difícil de responder.
Esther Perel: Na verdade, você nunca possui o seu parceiro. É apenas um “empréstimo”, com a possibilidade de ser sempre renovado. Entretanto, é muito difícil tolerar essa ansiedade. Quando você ama, vive com o medo do amor. É uma forma existencial. A incerteza faz parte do amor, mas o fato é que nós não gostamos da ideia de que é necessário um mínimo de imprevisibilidade. Apenas o bastante para que exista um espaço para a novidade, a surpresa, o mistério.
Por isso a senhora defende uma mudança de percepção do que é considerado casamento?
Esther Perel: Na minha pesquisa, indagando às pessoas sobre quando elas se sentiam mais atraídas pelos parceiros, ninguém respondeu “quando olhamos nos olhos a cinco centímetros um do outro”. As pessoas respondem: “Eu me sinto atraído pelo meu parceiro quando estamos longe”. Isso significa que a imaginação precisa ter espaço para acontecer. Muitas situações descritas como de atração representam momentos em que o parceiro está sozinho, como, por exemplo, tocando algum instrumento, apaixonado por algo, seduzindo outros.
Acha que a atração está relacionada com admirar o outro?
Esther Perel: Acho que o desejo pode nascer dessa observação do outro. A sensação de confiança, suficiência, quando meu parceiro está em seu mundo. Quando ele não precisa de mim. Assim, não sou responsável, não estou protegendo e posso admirar. E posso desejá-lo.
A senhora afirma que, para o casamento sobreviver, é necessário existir uma distância.
Esther Perel: Sim. Precisa de espaço. Mas, para isso, é preciso estar confortável com o fato de ele não estar perto de mim, me protegendo. Preciso ficar tranquila que ele esteja falando com outras pessoas. Preciso ser capaz de permitir que ele cresça. E isso é difícil. Em um casal, sempre tem um que precisa de mais espaço e outro, de mais proteção.
Acredita que os filmes produzidos por Hollywood contribuem para que o amor/casamento seja muito idealizado?
Esther Perel: Hollywood apenas reflete o que as pessoas querem. Atualmente, o casamento, como empreendimento romântico, tornou-se consagrado. É como pedir a uma pessoa que lhe dê o que toda uma comunidade costumava fornecer. É um nível irreal de expectativas.
É daí que nasce o divórcio?
Esther Perel: O divórcio é a expressão do verdadeiro idealismo. As pessoas não pensam que escolheram o modelo errado; acreditam, sim, que erraram na pessoa. E o modelo representa a expectativa de que o parceiro forneça todas as necessidades de segurança e de empolgação.
E como se resolve essa contradição tão complicada?
Esther Perel: Eu sempre digo que não é um problema que você resolve: é um paradoxo que você gerencia.
E quanto à infidelidade? É um grande desafio, certo?
Esther Perel: Ah, sim. Historicamente condenada e universalmente praticada (risos).
Quais são as maiores queixas que a senhora ouve?
Esther Perel: É o que chamo de “infidelidade moderna”. Trata-se de uma visão geral, em um mundo igualitário, de que a infidelidade representa um problema no casamento. Ou seja, um bom casamento não tem infidelidade. Se você tem tudo em casa, não existe necessidade de procurar fora. Mas não acredito nisso.
Então, quais são as verdadeiras razões modernas para a infidelidade?
Esther Perel: Na maioria das vezes, um caso fora do casamento – não estou falando apenas de sexo – tem mais a ver com a descoberta de outras partes de nós mesmos. As pessoas não procuram outros parceiros, procuram um outro “eu”. Buscam a possibilidade de serem diferentes, de se conectarem com outras partes de si mesmas. Em um casamento de 20 anos, existe uma estabilidade que permite pouco uma renovação pessoal.
Quais são os maiores desafios? Esse pensamento pode ser muito narcisista, não?Esther Perel: A fidelidade tem, hoje, um significado bem diferente do que tinha antigamente. Era uma imposição às mulheres. Representava patrimônio, e a infidelidade era um privilégio dos homens. As mulheres infiéis podiam ser apedrejadas. O romantismo mudou isso. A fidelidade, hoje, é um sinal de amor. É parte do culto sagrado do ideal romântico. Nunca precisamos tanto da fidelidade como hoje. Aí existe outro paradoxo: nessa sociedade individualista, dependemos muito de uma única pessoa, mas também estamos tentados a satisfazer nossos desejos pessoais.
Acredita em fidelidade?
Esther Perel: Claro. A monogamia é um exercício, uma escolha. E também está mudando de significado, o conceito vem mudando com o tempo. Era exclusividade sexual. Hoje, as pessoas questionam isso. Você está traindo quando pensa em outros? Começa na mente? A monogamia é um compromisso emocional? Essa é uma boa questão. As pessoas podem ser fiéis sexualmente e trair emocionalmente.
E em relação a casamentos e relacionamentos abertos?
Esther Perel: Através da história, o significado da sexualidade e as fronteiras sexuais mudam. Assim, para entender os relacionamentos abertos, é preciso entender que as pessoas, hoje, estão negociando limites.
Mas a traição não é uma forma de ter tudo?
Esther Perel: A infidelidade é um mecanismo interessante. Porque quem trai não desiste da segurança. Joga dos dois lados. Possui o entusiasmo, o perigo de perder tudo, mas não deixa o casamento realmente.
Falando de gêneros, na sua opinião, todos esses paradoxos são diferentes para homens e para mulheres?
Esther Perel: Em todos os níveis. Sociopolítico, socioeconômico e biológico. Vivemos com hormônios diferentes. Vivemos com órgãos distintos. Através da história, todas as sociedades tentam controlar a sexualidade. E os “regulamentos” para os homens são diferentes dos das mulheres. O que eu observo é que muitas mulheres são igualitárias até o nascimento do primeiro filho. Daí, elas percebem que sua história não é tão diferente da de suas mães e avós. O desafio dos homens – criados para serem autossuficientes – é experimentar a intimidade. E o desafio das mulheres – que são criadas para serem mais relacionadas – é experimentar sua independência.
Em uma conferência recente, a senhora leu uma carta que Obama escreveu para Michelle como exemplo de uma relação que sabe cultivar esse espaço. Acha que o casal Obama representa um modelo?
Esther Perel: Obama falou sobre isso, e o poeta Rilke também. Da necessidade de ver o outro com maturidade, diferença, distância. É um mistério que você pensa conhecer, mas você sabe que nunca vai conhecer.
É muito difícil manter isso em um casamento?
Esther Perel: Para algumas pessoas, sim. Por isso eu digo que não é um problema que você resolve, mas, sim, um paradoxo que você gerencia. E nem todo mundo quer viver com a tensão que é exigida pelo erotismo. Porque vem com o que é mais oculto, misterioso e transgressivo. A paixão anda junto com a quantidade de incerteza que você consegue tolerar./MARILIA NEUSTEIN

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